Perspectivas sombrias para o Equador
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- Juan Paz y Miño Cepeda
- 27/11/2023
Entre o povo faminto e as máfias, a oligarquia representada por Daniel Noboa escolhe a segunda opção (Montagem)
Neste artigo, o equatoriano Juan Paz y Miño Cepeda, vice-presidente da Associação dos Historiadores Latino-americanos e do Caribe (Adhilac), faz uma breve análise do retrocesso que significa a manutenção das velhas forças da oligarquia do país andino, agora em laço com as máfias, se perpetuarem no poder nos próximos 18 meses com a eleição de Daniel Noboa. De forma contundente, ironiza a “esquerda ‘autêntica e verdadeira’, patrocinadora do voto nulo” que deu a vitória ao candidato da direita: “poderá sempre dormir em paz, pois triunfa com qualquer um”. Juan Paz denuncia a perseguição nos meios intelectuais aos que estudam a exploração nas plantações de banana, por exemplo, e defende que as forças progressistas estejam unidas em prol de um projeto antineoliberal.
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No meio de uma situação em que o Equador só aparece no mundo como parte das más notícias e deixou de ser uma referência de progresso e democracia, o segundo turno das eleições realizado no domingo, 15 de outubro de 2023, não deixou de despertar a atenção – e a preocupação – nos meios acadêmicos e nos setores progressistas da América Latina.
Percebeu-se que estavam em jogo dois projetos econômicos e sociais: um, dos grandes empresários-oligarcas identificados com a ideologia neoliberal e representado pelo candidato Daniel Noboa; e outro, ligado a um conjunto diversificado de amplos setores, representado pela candidata Luisa González.
Na região, entendeu-se que a eleição de Noboa era a continuidade dos governos de Lenín Moreno (2017-2021) e Guillermo Lasso (2021-2023), que consolidaram o caminho neoliberal. E havia esperanças, embora bastante duvidosas, sobre o triunfo de Luisa (como foi chamada a sua candidatura), com quem se podia prever não tanto o regresso do “correísmo”, [referente ao ex-presidente Rafael Correa (2007-2017)], mas a possibilidade de restaurar as bases de uma economia social, sem grandes expectativas, uma vez que o seu governo mal duraria um ano e meio. A esquerda “autêntica e verdadeira”, patrocinadora do voto nulo, poderá sempre dormir em paz, pois triunfa com qualquer um.
As considerações que foram feitas entre os seguidores e estudiosos da realidade equatoriana tiveram em conta que a polarização entre os dois modelos de economia e de sociedade que estiveram na base das candidaturas de Noboa e Luisa se inscrevem numa dinâmica parecida à que está acontecendo na América Latina. A experiência mais próxima é a da Argentina, onde algo semelhante à polarização equatoriana pode ser visto nas eleições presidenciais, em que a vitória de Javier Milei é entendida como um grave acontecimento continental, uma vez que as suas propostas ultrapassam o neoliberalismo tradicional e “avançam” para propostas libertárias anarco-capitalistas.
A comparação, embora apropriada, tem uma diferença fundamental: no Equador, em apenas seis anos, surgiu entre as elites do poder uma condição nova e sem precedentes: a consolidação de laços com as máfias. Este fato, bem como o crescimento paralelo da criminalidade organizada e a explosão de mortes violentas apenas nos últimos dois anos, pôs fim ao Equador que era visto como um país de paz e tranquilidade, um país atrativo para se chegar sem choques constantes todas as horas e em todos os lugares.
No Equador, a evasão fiscal e a exploração da força de trabalho têm uma longa tradição histórica. Há estudos que o comprovam para todas as épocas passadas. Mas, como nunca antes, o país aprendeu que entre as elites ricas se forjaram práticas econômicas sem precedentes: já tínhamos com a exploração fraudulenta dos recursos públicos com a sucretização das dívidas externas privadas (1983) e a ressucretização (1987), mas, sobretudo, com os “resgates” bancários desde meados da década de 1990 e o feriado bancário (“corralito”, como foi chamado um evento semelhante na Argentina) que os acompanhou em 1999. Mas através de um trabalho sério de investigação e de denúncia, como aconteceu com os Ina-Papers, os Panama-Papers e os Pandora-Papers, a população nacional sabe agora que a riqueza privada está escondida em paraísos fiscais, que as instituições do Estado são enganadas para evitar que os responsáveis pelo dinheiro escondido ou pelos impostos não pagos sejam detectados, que são aprovadas leis ou tomadas medidas pelo Estado para garantir os negócios e as acumulações privadas, e que existem recursos ilícitos, difíceis ou impossíveis de rastrear, na “lavagem” de dinheiro.
Além disso – e isso é ainda mais grave – a população está vivendo a realidade do crime, das “vacunas” [desvio de orçamento das vacinas do Covid], dos assassinatos contratados e agora também dos assassinatos políticos, como nunca antes no país. Também não devemos deixar de lado a guerra legal, a perseguição indiscriminada e a perseguição política, que chegou até às esferas acadêmicas, contra aqueles que investigam e escrevem sobre certas questões da sociedade (como a situação trabalhista nas plantações de bananas, por exemplo) que atrapalham e incomodam aqueles que se sentem expostos. Assim, um dos desafios de qualquer governo progressista será o de perseguir estes “lúmpem-burgueses” e as máfias atualmente enraizadas.
A experiência do Equador também deve servir aos acadêmicos latino-americanos a partir de outra perspectiva: o neoliberalismo “crioulo” tem pouco a ver com o original, ou seja, com teorias como as que foram difundidas pelos economistas Friedrich von Hayek ou Milton Friedman e pela Escola de Chicago (https://tinyurl.com/38fb73c4). Vem do comportamento habitual dos grandes grupos econômicos há décadas e é uma verdadeira herança cultural das velhas e tradicionais oligarquias de agroexportadores (o “grande cacau” na cabeça), comerciantes e banqueiros que hegemonizaram o regime oligárquico que vigorou desde o início do século 20 até aos anos 1960. Estas elites do passado sempre viram o Estado como um inimigo, exceto pelos seus recursos, de que sempre se aproveitaram; não pagavam impostos e os trabalhadores, para além de administrarem despoticamente o poder político. A teoria neoliberal ajustava-se perfeitamente a estes comportamentos.
E agora aparecem os imitadores de Milei, pois há também novos “libertários” no país e grupos de reflexão que os acolhem. Hoje, as teses sobre o “downsizing” [a redução] do Estado e a privatização de bens e serviços públicos apenas mostram – e em apenas seis anos – os dramáticos resultados sociais e da vida quotidiana que transformaram o Equador e o tornaram notícia mundial que dói e envergonha.
É evidente que o panorama a se resolver e enfrentar é muito difícil e complexo. Para um governo presidido por Luisa González, o desafio teria sido maior, porque em menos de dois anos teria de demonstrar que é possível recuperar um caminho viável para a sociedade de bem-estar e “bem-viver” que a população espera. A direita econômica e política não teria perdido um único minuto para bloquear e impedir. Há uma enorme experiência latino-americana nesse sentido. Mas para Daniel Noboa, o caminho da continuidade é muito mais fácil, pois tem a seu favor a “institucionalidade” deixada pelos dois últimos presidentes a quem sucedeu e com os quais está de acordo quanto ao modelo econômico e social a seguir.
É previsível que a segurança social e os direitos trabalhistas sejam ainda mais afetados. Se a sua administração for igual ou pior que a de Guillermo Lasso, se poderia pensar que a direita corre o risco de perder as eleições presidenciais de 2025; mas o problema é que as eleições de outubro demonstraram que, independentemente da má administração herdada, do país insatisfeito ou de um “péssimo” candidato, a direita econômica, política e midiática sabe como levar a cabo as suas campanhas ideológicas bem-sucedidas sobre a maioria da população e convencê-la de que os seus governos são os “bons” e qualquer alternativa progressista é a pior. Numa situação de conservadorismo generalizado, a esquerda terá de aprender a construir um projeto antineoliberal e antioligárquico.
Juan Paz y Miño Cepeda é historiador.
Tradução: Caio Teixeira, ComunicaSul.
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