Correio da Cidadania

A política externa “ocidentalista” de Javier Milei

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Argentina President Javier Milei reveals plans to move embassy to Jerusalem  | News | Al Jazeera
O ocidentalismo é o adjetivo que melhor define a política externa do novo governo argentino, sustentado por diretrizes como a aproximação com Washington, por manifestações contrárias aos governos latino-americanos “de esquerda”, por duras críticas ao que denomina comunismo ou comunitarismo e por um posicionamento enfaticamente favorável a Israel no conflito com os palestinos. Essa orientação não responde somente à emergência de correntes políticas de extrema direita, às dificuldades de governos situados à esquerda e aos embates cotidianos potencializados pela virulência comum em redes sociais. Atende a uma das tradições da política externa argentina, de proximidade com Europa e Estados Unidos, vinculada ao conservadorismo atávico de determinados segmentos internos e ao reposicionamento norte-americano diante da crescente presença da China na América Latina. Este último aspecto será abordado em outra ocasião.

Javier Milei promoveu, nas semanas iniciais de seu governo, diálogo intenso com Washington, elemento incontornável para as negociações junto ao FMI. O primeiro resultado foi o compromisso do Fundo de desembolsar 4,7 bilhões de dólares para fazer frente aos primeiros vencimentos da dívida e conter a disparada do dólar. Passo importante para um país que precisa – segundo alguns economistas – de mais 15 bilhões somente para sustentar o câmbio ao longo deste ano. Na área da segurança, cabe mencionar a incorporação da Argentina à base de dados Vanguard, do FBI, que fornece informações em tempo real sobre terrorismo, narcotráfico e lavagem de dinheiro, outra mudança em relação aos governos kirchneristas. Este alinhamento a Washington é um elemento estruturante de sua política exterior, que inclui a crítica ao que genericamente tem sido chamado de “comunismo”.

Um dos episódios mais ilustrativos da reorientação da política externa argentina sob Milei foi a menção feita ao presidente da Colômbia, Gustavo Petro, a quem chamou de “comunista assassino”, em referência ao seu passado de membro de um grupo guerrilheiro. A entrevista concedida à apresentadora colombiana-americana Patricia Janiot teve como a reação a convocação do embaixador da Colômbia em Buenos Aires, Camilo Romero, “para consulta”, como se diz no jargão diplomático. O governo colombiano rejeitou energicamente a declaração de Milei, mesmo porque Petro foi eleito presidente democraticamente e ocupou cargos importantes como o de senador e de prefeito de Bogotá. Este atrito, embora não deva ter maiores consequências, revelou o novo posicionamento da Argentina em relação aos governos latino-americanos de esquerda ou tidos como tal, com eventuais exceções.

A participação de Milei no Fórum Econômico Mundial, realizado anualmente em Davos, na Suíça, teve no discurso de combate ao comunismo e ao comunitarismo (dimensão econômica do primeiro) um de seus tópicos mais importantes. A primeira frase de seu discurso foi emblemática: “... hoje estou aqui para lhes dizer que o ocidente está em perigo, está em perigo porque aqueles que supostamente devem defender os valores do ocidente, se encontram cooptados por uma visão de mundo que – inexoravelmente – conduz ao socialismo, em consequência à pobreza”.

Para Milei, que considera a política internacional e seus conflitos uma resultante da teoria econômica, nas últimas décadas o Ocidente transitou das concepções econômicas e políticas liberais para concepções neomarxistas, que promovem – em sua visão – mais regulação, mais estado, mais pobreza, menos liberdade e piores condições de vida. A solução estaria na adoção dos valores “clássicos” do liberalismo.

O liberalismo, neste caso, seria um dos pilares do Ocidente, estreitamente ligado à trajetória histórica do capitalismo e da civilização judaico-cristã. Milei, em sua participação em evento de rememoração realizado no Museu do Holocausto de Buenos Aires, além de referir-se à perseguição sofrida pelos judeus há mais de dois milênios e ao holocausto, destacou o papel da numerosa comunidade judaica no enriquecimento do país. Quanto ao atual conflito entre Israel e o Hamas, foi categórico: “Argentina não silencia frente ao terror do Hamas e exige [sic] a libertação imediata de todos os civis sequestrados, incluídos nossos onze compatriotas”. Suas palavras deixaram clara a opção argentina pela adesão ao que é comumente chamado na grande mídia de “comunidade internacional”, ou seja, Estado Unidos, Europa ocidental, Japão e Israel.

Ao situar a Argentina neste contexto, Milei reafirma o que alguns de seus governos buscaram desde a Segunda Guerra Mundial, a proximidade com Washington e com as maiores economias europeias. O desafio atual é balancear essa política com os laços com seu maior parceiro comercial, a China.

Pouco usual entre os analistas das relações internacionais em décadas anteriores, o termo “ocidente” foi assumido por Milei em sentido semelhante ao adotado por Donald Trump e, no caso brasileiro, pelo ministro Ernesto Araújo. Nada melhor que o discurso libertário – ou tradicionalista – para a Argentina fortalecer sua posição nos mercados tradicionais da Europa, receber apoio de Washington nas negociações com o FMI e se colocar ao lado da “comunidade internacional” em temas de grande repercussão.

O candidato que se fazia de louquinho durante campanha tem se mostrado objetivo e pragmático ao abraçar o “ocidente”, pedra de toque de sua política externa.

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