Correio da Cidadania

Considerações necessárias sobre a eleição na Venezuela

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(foto atribuída a Diana Davies, em manifestação na New York University, 1970)

Apresento aqui uma análise pessoal, na qualidade de repórter da Agência ComunicaSul, com base em nossas inúmeras coberturas de processos eleitorais no continente nos últimos doze anos. Começo indagando o que se poderia em sã consciência esperar, da grande mídia corporativa? Que passasse a legitimar um dos mais longos processos de transformação em curso neste Século 21, na América Latina?

O conhecido jornalista Breno Altman, do Opera Mundi, escreveu no X: “Amanhã, 28 de julho, as eleições venezuelanas decidem o futuro do país com forte reflexo sobre a luta anti-imperialista e a construção de uma nova ordem mundial. Ninguém de esquerda pode vacilar na defesa de Nicolás Maduro, contra a extrema direita e suas tentativas golpistas”.

Ele lembrou também que foi na Venezuela onde a esquerda mais avançou na América do Sul: “Conquistou não apenas o governo, mas também o poder. Dirige todas as instituições do Estado, incluindo a Justiça e as Forças Armadas”. Por essa razão entre outras, conclui Altman com propriedade, “o imperialismo odeia o chavismo: perdeu o poder”.

Fazer coro com o inconformado império e seus acólitos espalhados pelos partidos de direita e pela mídia da América Latina, é desconhecer a realidade institucional da Venezuela, conquistada através de eleições limpas garantidas por uma das mais avançadas Constituições do continente. Uma Constituição baseada no princípio que deveria estar em qualquer proposta pretensamente democrática: quem tem poder de eleger também tem o poder de destituir e ninguém mais. Na Venezuela não existe impeachment de presidente por um Congresso de eventual maioria golpista como temos no Brasil. Mas o povo através de uma quantidade de assinaturas perfeitamente possível de atender para cada caso, pode impor a realização de um “referendo revogatório” (plebiscito) de qualquer mandato, de vereador a presidente. Alguém que se diz democrata não gostaria de ter um dispositivo constitucional como esse na Constituição brasileira?

E vejam que não são as assinaturas que derrubam um presidente ou um vereador, é o plebiscito obrigatório convocado pelas assinaturas no qual todo o povo tem direito de decidir. Desde a vigência da Constituição venezuelana os plebiscitos são fatos corriqueiros nas instâncias da política do país vizinho. Hugo Chávez foi alvo de um plebiscito revogatório de seu mandato quando era presidente. A oposição de direita conseguiu o número de assinaturas exigido e o Conselho Nacional Eleitoral convocou um referendo revogatório de seu mandato. Os eleitores, pelo voto direto, decidiram que Chávez deveria continuar no poder. Mas poderia ter revogado seu mandato.

A Constituição determina que as instituições de Estado na Venezuela devem se subordinar ao poder popular. Há mecanismos de proteção contra golpes e todos eles radicalizam a democracia. Só quem elege pode destituir! É democracia direta como deve ser, sem intermediários. E alguém vai dizer: sim, mas o Breno diz que a esquerda controla as instituições do Estado! Isso é autoritarismo, o Maduro não pode se impor sobre os demais poderes! E quem disse que ele se impõe? É a Constituição venezuelana que impõe mecanismos de real participação popular em todas as instâncias de poder e impede a tomada dessas instâncias por elites minoritárias através de acordos espúrios, como acontece na “democracia” brasileira, por exemplo, na qual o Judiciário é impermeável à participação popular, o que observamos também no Legislativo, do qual a única afirmação que se pode fazer é que não representa o pensamento da base da sociedade, dos trabalhadores, dos pobres, das chamadas minorias que compõem a maioria do povo brasileiro. Representa, sim, as conhecidas elites econômicas representadas pelas bancadas do agro, do mercado financeiro, das megaempresas, mercadores da fé, setores da indústria e agora até mesmo do crime organizado, o que já é realidade há anos na Colômbia e mais recentemente no Equador pós-golpe.

Na Venezuela uma Assembleia Constituinte, convocada exclusivamente para elaborar a nova Constituição, dissolveu-se em seguida à sua promulgação para dar lugar a eleições gerais, de presidente a vereador, de acordo com a nova ordem jurídico-política democraticamente estabelecida. Parece absurdo a setores da nossa esquerda? Com certeza é um absurdo para toda a direita. Lembro aos mais jovens que a bancada constituinte do PT não assinou a Constituição de 1988 porque defendia que ela deveria ter sido exclusiva.
Eram outros tempos, outro PT, outras posições.

Na Venezuela, é a Constituição que garante a mais ampla democracia na qual a participação popular é decisiva. Acham que estou exagerando, claro. Sugiro a companheiros das letras jurídicas que usem o google, acessem a Constituição venezuelana e leiam-na. Eu li. Duvido que ao final da leitura ainda considerem a Venezuela uma “ditadura” como os colunistas adestrados da grande mídia apregoam aos quatro ventos. E não é apenas isso. A Venezuela tem uma Constituição anti-imperialista que garante a soberania daquela grande Nação acima de quaisquer ventos golpistas como os que insistem a soprar do norte a todo momento sobre nossa América.

Não foi apenas Breno Altman, um baluarte de nossa mídia independente, quem apontou o que está em jogo nessa eleição. Um cara do norte também foi muito claro e objetivo nestes dias. Nada menos que Roger Waters, o Pink Floyd, divulgou depoimento em vídeo dirigido aos venezuelanos. Está nas redes. Ele começa lembrando o passado recente: “Você lembra de seis anos atrás quando seu grande país foi atacado por Guaidó. Era esse o nome dele? Ele era um fantoche do governo dos Estados Unidos da América, se bem me lembro. Eles o declararam presidente em Washington. Certo, eles falharam e aqui estamos nós seis anos depois e há outra serpente se arrastando pela grama. Ela se chama Machado [referindo-se a Corina Machado, a candidata legalmente inelegível, queridinha dos EUA] e ela tem outro fantoche, eu vi as fotos dele, é um cara velho chamado Gonzalez. Ele é um fantoche de meia, mas também representa o governo dos Estados Unidos da América”.

Em seguida Waters, contemporâneo de grandes transformações ocorridas no Século 20, lembra com certa nostalgia: “Então... As revoluções são difíceis... A revolução bolivariana é difícil, mas está sendo bem-sucedida e estou enviando esta mensagem para pedir que vocês votem em Maduro, no presidente Maduro, neste 28 de julho”. Por quê?, pergunta, para responder em seguida: “Porque a Venezuela pertence a vocês, o povo da Venezuela e não à corporação Chevron com quem Machado [Corina] quer fazer o acordo para entregar seu país”.

Dito isso, Roger vai na essência do que esteve em jogo: “no dia 28 de julho, não vendam a Venezuela aos Estados Unidos da América com base na doutrina Monroe. Mantenham-na. Por vocês, pelo povo da Venezuela, por meus irmãos e irmãs!”

Ele conclui gritando uma palavra de ordem das grandes manifestações que tomaram conta do mundo no século passado que teve até música de John Lennon e expressa como nenhuma outra o que deve ser democracia: POWER TO THE PEOPLE.

Portanto, meus caros amigos democratas do campo da esquerda, quando falarem de Venezuela não se fundamentem em notícias dos veículos da grande mídia. Eles mentem descaradamente. Todos sabem. E preparem-se. Tão logo seja anunciada a vitória de Maduro e do povo venezuelano, o império vai contra-atacar com mais mentiras, como estamos acostumados, para tentar mais numa vez saquear um país soberano que se defende com bravura há anos. Não tenhamos dúvidas em assumir o lado correto nesse debate. Que viva o povo venezuelano e sua revolução bolivariana.

Caio Teixeira é jornalista do coletivo ComunicaSul, presente em Caracas para a cobertura das eleições venezuelanas.

A Agência ComunicaSul é um coletivo de comunicação colaborativa criado com o intuito de construir um contraponto sólido e permanente aos grandes grupos de comunicação internacionais e à grande mídia latino-americana. A página não apenas divulgará as informações produzidas pelo coletivo como também pretende agregar artigos, notícias e reportagens sobre mídia e política no continente.

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