Venezuela e um argumento de burocratas
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- Rolando Astarita
- 16/08/2024
Em um artigo, criticamos a defesa da maior parte da esquerda nacionalista da fraude cometida pelo regime de Maduro nas eleições de 28 de julho passado. Neste artigo, tratamos de outra forma de apoio ao regime venezuelano, desta vez a cargo de pessoas que se reivindicam do socialismo revolucionário.
Essencialmente, essas pessoas dizem que o regime de Maduro é prejudicial para os trabalhadores (é autoritário e reacionário, provocou uma grande crise), mas a oposição é pior, já que é golpista e pró-imperialista. Além disso, segue o argumento, a população votou condicionada pelas sanções econômicas do imperialismo e pela pressão da direita, pelo que o resultado eleitoral não tem validade. Por isso, a esquerda não deve se juntar à exigência de que se publiquem as atas eleitorais e de que Maduro entregue a presidência a González Urrutia e Machado. A conclusão parece ser então, "viva a fraude anti-imperialista e antidireita".
Estamos diante de um argumento nefasto. É claro que se podem discutir as premissas desse raciocínio. Por exemplo, é absurdo acusar a oposição de orquestrar um golpe de Estado por exigir o respeito ao resultado eleitoral. Além disso, como se pode sustentar que um regime que levou o país ao colapso econômico é "anti-imperialista"? Hoje, a Venezuela é mais dependente e está mais necessitada de investimentos estrangeiros - venham dos EUA, China, UE, Brasil etc. - do que há 10, 20 ou 25 anos. Ou seja, raciocinando desde a lógica dos "anti-imperialistas", o argumento não se sustenta.
No entanto, o problema é mais profundo. A questão é: se a maioria da população votou por Gutiérrez e Machado, com que direito Maduro, os militares venezuelanos, ou os "revolucionários socialistas" desconhecem esses resultados e os que se manifestam pelo seu reconhecimento? Por que, com que autoridade, algumas pessoas ou partidos políticos se arrogam o direito de decidir sobre o que deseja a maioria? Quem os colocou nesse pedestal para determinar o que é aceitável e o que não é, e impor isso pela força?
"Mas o povo votou condicionado". Sim, é claro, sempre se vota condicionado por algo. Mas por que raios alguém decide que tal votação é ou não válida, acima do que querem milhões? Não se dão conta esses "ilustrados" de que o socialismo, ou o anti-imperialismo, não pode ser imposto pela repressão e pelo terror generalizado?
Digamos com todas as letras: o que subjaz a esse autoritarismo é a crença de que "as altas cúpulas de revolucionários" sabem quais são os "verdadeiros interesses históricos" das massas e têm o direito de impor a elas suas diretrizes, custe o que custar. Mas e se as massas venezuelanas pedem que se reconheça o triunfo da oposição? Pois, nesse caso, pior para elas. Não têm direito de demandar tal coisa porque "nós, os possuidores da verdade histórica, decretamos que até a simples demanda de mostrar os resultados eleitorais é reacionária e favorece o imperialismo". Estamos diante da tradicional justificação de todo tipo de repressões desencadeadas por regimes burocráticos, sempre "em nome dos interesses históricos da classe operária".
Repetimos e sublinhamos: hoje, na Venezuela, não reconhecer o direito de conhecer as atas eleitorais e de que assuma a presidência a corrente que obteve a maioria dos votos equivale a apoiar a ditadura de Maduro, a fraude e a repressão. É terrível que correntes que se reivindicam do socialismo revolucionário nem sequer apoiem a exigência elementar de que se publiquem as atas eleitorais. Como disse em outros textos, não tenho nada em comum com essas posturas. E os temas aqui expostos dizem respeito às bases constitutivas do socialismo. São estratégicos e programáticos.
Rolando Astarita é economista argentino.
Blog: https://rolandoastarita.blog
Traduzido por Gabriel Brito, editor do Correio da Cidadania.
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