Colômbia: a greve dos caminhoneiros e o golpe de Estado
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- Fernando Dorado
- 24/09/2024
Foto: Julio Cesar Herrera
Nos primeiros dias de setembro de 2024, o setor de transportes, caminhoneiros, operadores de tratores e outros setores que se opuseram ao aumento do preço do diesel (Acpm), decretado pelo governo, paralisaram quase todo o país durante quatro dias com bloqueios de estradas e protestos. Com isso, obrigaram o governo a sentar-se para revisar e modificar sua decisão, além de iniciar um processo de negociação para resolver os problemas que esse setor produtivo enfrenta há décadas.
Em termos específicos, o governo voltou atrás no aumento do preço do diesel de 1.904 pesos colombianos, decretado em 31 de agosto. Foi acordado com os delegados dos diferentes setores de transporte, representados na mesa de negociação, um aumento para o restante de 2024 de 800 pesos, dividido em duas parcelas: um aumento imediato de $400 e outro igual que será aplicado a partir de 1º de dezembro. Ou seja, o governo concedeu uma redução de 58% em relação ao aumento decretado e adiou a resolução do problema para o próximo ano.
Apesar da tensão política gerada em torno desta greve, estimulada por alguns setores da extrema direita e por certos meios de comunicação, e também alimentada por algumas declarações do presidente Gustavo Petro, que afirmava que por trás desse movimento estavam "uribistas", "golpistas" e "máfias", que pretendiam dar um golpe de Estado, pode-se dizer que o governo saiu ileso do primeiro protesto de caráter nacional que enfrentou, diferente da greve dos professores, que propriamente não desafiou o governo, mas sim o Congresso.
Por um lado, tanto o governo quanto a sociedade colombiana descobriram a enorme diversidade e complexidade do setor de transportes e de outros consumidores de diesel (produtores de energia, agrários, mineradores, etc.). O governo conseguiu identificar e dar voz aos pequenos e médios empresários de transporte e aos trabalhadores (motoristas) para enfrentar os grandes consórcios e monopólios do transporte, começando assim a resolver os problemas estruturais que existem nesse setor e que haviam sido ocultados por governos anteriores.
É preciso reconhecer que o governo cometeu alguns erros que atiçaram o fogo do protesto ao afirmar que se tratava de uma greve dirigida pelo uribismo e pelas máfias, o que implicaria que todos os transportadores e caminhoneiros eram uma espécie de marionetes e "bobos", e que, portanto, não havia uma causa real e uma insatisfação genuína pelo aumento do preço do diesel. A experiência demonstrou que generalizações precipitadas sempre se tornam um obstáculo para o diálogo democrático e levam os governantes à prepotência e à soberba.
O desfecho da greve e os acordos assinados entre os transportadores e o governo comprovam que não era totalmente verdade que se tratava de uma greve empresarial, e que, no essencial, também não fazia parte de um golpe de Estado. Embora setores golpistas estivessem infiltrados, eram minoria e foram desmascarados. É importante lembrar que os grandes setores econômicos do país e seus centros de pensamento econômico estavam de acordo com o aumento do diesel, por razões de macroeconomia e estabilidade fiscal. Portanto, afirmar que se preparava um golpe de Estado não correspondia à realidade.
Também é necessário reconhecer que, dentro do governo, existe certa rigidez neoliberal em relação à forma como os preços dos combustíveis são formados na Colômbia, o que poderíamos chamar de rigidez "fundo-monetarista". É essencial que o governo crie espaços de estudo e debate para revisar as fórmulas impostas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e que a sociedade colombiana possa, de forma autônoma, desenhar preços que levem em conta as realidades internas e os interesses dos diferentes setores sociais e produtivos.
Por fim, é importante esclarecer o tema do chamado "golpe de Estado". Desde o início do governo de Gustavo Petro, temos afirmado que as castas poderosas deste país, a oligarquia financeira e a burguesia burocrática incrustada no Estado, projetaram e impulsionaram uma estratégia para desgastar o atual governo e impedir que Petro avance e consolide as mudanças e reformas propostas. E, embora essa estratégia não possa ser justificada, era o que se poderia esperar de castas oligárquicas e corruptas que defendem seus privilégios até com a morte e a violação de sua própria legalidade. Como já fizeram antes.
Por isso, temos insistido em afirmar que desde o primeiro dia de posse do governo progressista foi organizado um bloqueio e sabotagem institucional, além de uma guerra midiática, para provocar e obrigar Petro a cometer erros. Temos reiterado que, para enfrentar esse bloqueio e sabotagem por vias democráticas e pacíficas, é necessário que o governo amplie sua base social com setores sociais que não votaram no Pacto Histórico nas eleições passadas, e que não se envolva em aventuras "constituintes" ou similares sem ter obtido o apoio da maioria.
Além disso, argumentamos repetidamente que também não era conveniente centrar todos os esforços na tramitação de leis sem contar com maiorias no Congresso, pois essa estratégia levaria as forças progressistas e de esquerda a um terreno pantanoso e intricado, no qual a burguesia burocrática teria todas as vantagens. Como tem ocorrido. Com o agravante de que essas alianças feitas com representantes dos partidos tradicionais (liberais, conservadores, entre outros) serviram para manchar a imagem do governo e alimentar a corrupção.
A forma como a "greve dos caminhoneiros" foi resolvida é uma demonstração de que é possível encontrar-se com outros setores sociais e produtivos (pequenos e médios produtores e empresários rurais e urbanos) e, além disso, que o governo dispõe de instrumentos e ferramentas legais para avançar, "nos atos e não tanto nas palavras", com muitas de suas políticas em benefício dos trabalhadores e dos setores produtivos de nosso país.
Também podemos insistir que o presidente Gustavo Petro tende a utilizar a confrontação e a provocação para unificar, fortalecer e mobilizar suas bases sociais e políticas. Isso lhe deu bons resultados em ocasiões anteriores, mas os poderosos deste país conhecem essa estratégia, vivenciaram-na com o procurador Ordóñez, e não cairão em ações que, em vez de "derrubar Petro", o fortaleçam até transformá-lo em uma vítima e mártir da democracia.
As classes dominantes também aprendem e sabem que devem "andar devagar". Que Petro e os melhores de sua equipe aprenderam ao longo do caminho e que as expectativas geradas pela chegada de um governo progressista não estão mortas, estão latentes e vivas. E se eles errarem, podem desencadear uma avalanche social que temem e querem evitar. Além disso, os "gringos" – que são os que realmente lhes dão as ordens – não querem repetir experiências passadas e ainda estão à espera, especialmente quando enfrentam uma ameaça antidemocrática em sua própria nação (Trump).
As lições da "greve dos caminhoneiros" são muitas e devem ser estudadas e visibilizadas. Uma lição importante está relacionada ao uso da força coercitiva (polícia e exército). Às vezes é necessário usá-la, com prudência e moderação, quando o interesse coletivo e geral está em perigo ou risco de ser violado. É necessário que o povo entenda que o governo quer a paz e a reconciliação, que não gosta de reprimir, mas também não pode ser ingênuo e tolo. E essa lição deve servir para os processos de paz.
Fernando Dorado é ativista social, dirigente sindical de trabalhadores do setor de saúde e eletro-mecânicos. Colabora com movimentos sociais do Vale do Cauca, Colômbia. Deputado entre 1994-1997.
Traduzido por Gabriel Brito, editor do Correio da Cidadania.
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