Emergência no Haiti
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- Ana Esther Ceceña e Anibal Quijano
- 11/04/2008
O povo do Haiti saiu às ruas, suas ruas, para defender sua vida. Saiu para protestar, porque os alimentos básicos triplicaram de preço desde novembro de 2007, aumentando dramaticamente os problemas de fome, desnutrição e satisfação das necessidades elementares da população, sem que o governo tome nenhuma medida para evitá-los e ou combatê-los.
As políticas neoliberais impostas por Washington e os órgãos internacionais levaram o Haiti a uma situação dramática, caracterizada pela perda de sua soberania alimentícia, pela destruição da economia camponesa e do potencial agrícola do país, pela desnutrição de 45% das crianças menores de cinco anos; e causaram perdas massivas de emprego, estimadas em 800 mil trabalhadores do campo. São essas políticas que conduziram à atual situação de emergência.
Porém, o povo do Haiti saiu também para protestar contra a presença e abusos da chamada Missão de Paz (MINUSTAH), que desde junho de 2004 ocupa seu território. Para exigir a saída dos 7.080 ‘cascos-azuis’ que a conformam (1.211 do Brasil, 1.147 do Uruguai, 562 da Argentina, 502 do Chile, 114 da Guatemala em dezembro de 2007), e que violam os direitos humanos com total e escandalosa impunidade, em flagrante contradição com as ordens definidas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, que lhe atribui a tarefa de impulsionar o respeitos dos direitos humanos e reforçar o sistema judicial.
A própria MINUSTAH teve que repatriar recentemente 114 soldados do Sri Lanka, por entendê-los como culpados de abuso sexual e estupros a mulheres e crianças em várias regiões do país.
Paradoxalmente, o orçamento anual desta Missão atinge 535 milhões de dólares, 9% do PIB do país, enquanto a população carece do mais elementar.
A situação, hoje, é de emergência. Os gases lacrimogêneos são lançados contra a população indiscriminadamente. O número de mortos é incerto, mas está confirmado que três deles foram vitimados pelas forças uruguaias integrantes da MINUSTAH.
Não podemos aceitar a atuação dos ‘cascos-azuis’ no Haiti como força de repressão, matando manifestantes que reclamam o direito à vida e à alimentação básica. Exigimos uma investigação independente e punição para os responsáveis pelos assassinatos.
Convocamos a que se vigie a repatriação dos 114 soldados do Sri Lanka, para que isso não signifique sua exoneração. Que a repatriação não se transforme em uma comédia de impunidade.
Os povos do nosso continente não podem aceitar que o dinheiro dos cidadãos seja usado para sustentar exércitos de ocupação em países irmãos. A presença que requer o Haiti é a de ajuda solidária: brigadas de alfabetização, saúde, cooperação agrícola. Brigadas de atendimento psicológico à população atemorizada pela atuação das forças da MINUSTAH.
Reclamamos energicamente a saída imediata do Haiti das forças de ocupação da MINUSTAH e nos solidarizamos com a luta do povo haitiano em recuperar suas condições de vida e de autodeterminação.
Ana Esther Ceceña é membro do CLACSO (Conselho Latino-americano de Ciências Sociais)
Aníbal Quijano é sociólogo, professor da Universidade de San Marcos, Lima, Peru.
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