Correio da Cidadania

Paraguai: o fim de um ciclo

0
0
0
s2sdefault

 

O triunfo do ex-bispo Fernando Lugo nas eleições desse domingo põe fim a quase 61 anos de predomínio do Partido Colorado. A maior parte desse período transcorreu sob o signo de uma das mais ferozes e reacionárias ditaduras da América Latina presidida por Alfredo Stroessner que tomou o poder mediante um golpe de Estado em 1954 e permaneceu nele até 1989. Desde então, até o domingo de 20 de abril, o Partido Colorado manteve o poder político no país.

 

Ao longo desses anos, o Paraguai, um país que, como a Bolívia, possui grandes recursos naturais e uma população relativamente pequena (não chega a sete milhões de habitantes), aprofundou o seu atraso econômico, político e cultural, condenando à pobreza a grande maioria dos seus filhos e ‘prendendo’ aqueles que não emigraram sob um sistema corrupto até a medula, no qual os mais altos funcionários do Estado eram, com poucas exceções, os organizadores do saque praticado contra a nação guarani.

 

Com o triunfo de Lugo caiu o último bastião do despotismo que assolou a região durante a segunda metade do século passado. O do Paraguai foi mais longe; mudou de pele como uma serpente e engendrou, para perpetuar a ditadura, a continuidade do mesmo bloco dominante sob uma roupagem que apenas formalmente parecia democrático. O transformismo de que falava Gramsci foi uma verdadeira escola entre a classe política paraguaia e as mudanças que aconteceram logo após a saída de Stroessner serviram, com dizia Gatopardo, para que tudo continuasse igual.

 

Com Lugo como presidente, toda a estrutura da sociedade paraguaia enfrentará fortes abalos. Para começar, o aparato clientelístico montado faz seis décadas e alimentado permanentemente por uma corrupção imperante. A oposição que encontrará o ex-bispo será inclemente e intratável: donos absolutos de vidas e administradores que estão durante décadas no poder, oportunistas e hipócritas aderentes à norma do jogo democrático não deixarão de empregar qualquer recurso para desestabilizar o processo e provocar uma situação similar àquela em que se encontra a Bolívia de Evo Morales.

 

De outro lado, como se a oposição interna não fosse pouca coisa, os olhos do império se concentrarão a partir de hoje na República paraguaia, que passará a engrossar a lista de governos com "débeis credenciais democráticas". A imperdoável miopia dos governos do Brasil e da Argentina, a mesma que está empunhando cada vez com mais força o Uruguai até os braços dos Estados Unidos, fez com que Assunção terminasse por conceder, para uso das forças estadunidenses, a base área de Mariscal Estigarribia. Situada em um região praticamente despovoada, a uns 200 Km da fronteira da Argentina e uns 300 do Brasil, tem a pista área mais extensa do Paraguai, superior à do aeroporto internacional de Assunção, e capacidade para abrigar tropas de até 20 mil soldados.

 

Tropas que gozam de imunidade sob um suposto "Acordo Militar de Treinamento" assinado entre brindes à meia-noite em 2005, enquanto o Itamaraty e a Chancelaria argentina estavam distraídas com questões menos relevantes.

 

Agora se verá se a Argentina e o Brasil passarão da retórica à solidariedade efetiva com o governo de Lugo. Um governo que precisará de muita ajuda para poder sobreviver aos embates já antevistos que apostam em seu fracasso para que o Paraguai volte a ser o que sempre foi.

 

Originalmente publicado no jornal Página/12, com tradução do Cepat.

 

Atilio Boron é sociólogo argentino.

 

{moscomment}

0
0
0
s2sdefault