Quarta Frota e a “guerra” do pré-sal
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- Altamiro Borges
- 30/09/2008
Diante de quase dois mil operários da indústria naval que trabalham na construção da Plataforma P-53 da Petrobras, em Rio Grande (RS), o presidente Lula reforçou as suspeitas de que o recente relançamento da Quarta Frota Naval dos EUA tem como objetivo disputar o petróleo da camada pré-sal descoberto no litoral brasileiro. O duro discurso desta quinta-feira (18) indica que o país superou a deprimente fase do "alinhamento automático" com os EUA, imposto pelo servil FHC, e que crescem as tensões diante do "império do mal". Dois dias antes, Lula já havia dado apoio ao presidente Evo Morales na expulsão da Bolívia do embaixador-separatista Philip Goldberg.
"A Marinha joga um papel importante para proteger o nosso pré-sal, porque os homens já estão aí com a Quarta Frota, quase em cima do pré-sal. A Marinha tem de ser a guardiã das nossas plataformas em alto-mar, porque daqui a pouco chega um espertinho aqui e fala ‘o petróleo é meu, está tudo no fundo do mar mesmo’", atacou. Após o discurso, durante entrevista coletiva, Lula explicitou seus temores: "Eu já tive a oportunidade de conversar com o presidente Bush sobre a Quarta Frota. Eles dizem que não é nada, que é apenas para pesquisa, mas de qualquer forma estamos preocupados porque é muito próximo da fronteira marítima brasileira".
Escalada militarista dos EUA
Só os ingênuos e os entreguistas, muitos deles bancados pela mídia, não vêem na Quarta Frota um grave risco à soberania nacional e à integração regional. Criada em 1943, visando derrotar a esquadra nazista no Atlântico Sul, esta força especial foi desativada em 1950. Agora, num gesto provocador, ela foi reativada em 12 de julho. A Quarta Frota é composta por 22 navios: quatro cruzadores com mísseis, quatro destróieres com mísseis, 13 fragatas com mísseis e um navio hospital. "Segundo as autoridades usamericanas, o seu objetivo é ‘realizar ações humanitárias’. Então, para que tantos mísseis?", ironiza o teólogo da libertação Frei Betto.
Na prática, a Quarta Frota reflete uma nova escalada militarista dos EUA na América Latina. O "império do mal" teme o avanço das forças de esquerda no seu "quintal" e está de olho nas suas riquezas naturais, principalmente no pré-sal. James Stavrides, chefe do Comando Sul, confessou que o aparato bélico visa "ganhar corações e mentes das populações desta região". Já o diretor de operações navais, Gary Roughead, garantiu que servirá no "combate ao terrorismo". Tanto que o comandante da Quarta Frota, o contra-almirante Joseph Kernan, nunca fez carreira na marinha, mas sim na força de elite (Seal), destinada às sinistras "operações não-convencionais" dos EUA.
Fidel, Frei Betto e Socorro Gomes
Fidel Castro foi o primeiro a denunciar os intentos imperialistas. Ele lembrou que o anúncio da Quarta Frota ocorreu em abril, poucas semanas após a Colômbia invadir o território do Equador, "com armas e tecnologias dos EUA". Também citou as ações separatistas do embaixador ianque na Bolívia. Para ele, a retomada das operações navais visa intimidar os governos progressistas da América Latina e abortar o atual processo de integração regional. "Os porta-aviões e as bombas nucleares que ameaçam nossos países servem para semear terror e morte, e não para combater o terrorismo. Deveriam servir ainda para envergonhar os cúmplices do império".
Frei Betto criticou os que crêem na missão pacífica desta força bélica. "Não é muita coincidência a Quarta Frota ser reativada no momento em que Cuba aprimora a sua opção socialista, Ortega volta a presidir a Nicarágua, o Brasil descobre reservas petrolíferas sob a camada de sal e a América do Sul é governada por pessoas como Chávez, Lula, Correa, Kirchner, Morales e Lugo, que não morrem de amores por Tio Sam e se empenham em reduzir a dependência de seus países em relação aos EUA?". Já a presidente do Conselho Mundial da Paz, Socorro Gomes, alertou para a militarização da América Latina. "O governo Bush intenta dar vigência no continente aos pressupostos da guerra preventiva, uma doutrina fascista a serviço do terrorismo do Estado".
A questão estratégica do pré-sal
Agora é o presidente Lula que coloca o dedo na ferida ao afirmar que a recriação da Quarta Frota objetiva abocanhar as reservas petrolíferas de pré-sal do Brasil. Circulam boatos em Brasília que o comando militar dos EUA estaria questionando as 200 milhas da nossa costa marítima. A grave crise econômica ianque, que tem um forte componente energético – o país é o maior importador mundial de petróleo –, teria atiçado a gula do governo e das corporações imperialistas. O sinal de alerta soou já nas Forças Armadas, o que explicaria o duro recado de Lula diante de uma platéia de dois mil operários da indústria naval. Motivos para temores não faltam.
Desde novembro passado, quando se anunciou a descoberta da mega-jazida de petróleo na Bacia de Santos, batizada de Tupi, a questão energética assumiu um papel ainda mais estratégico para o futuro do país. Na seqüência, descobriu-se que as reservas se estendem do Espírito Santo a Santa Catarina, cobrindo uma área aproximada de 160 mil quilômetros quadrados. A descoberta passou a ser chamada de pré-sal, já que o petróleo está retido a sete mil metros abaixo da superfície nas entranhas rochosas. Tido como de alta qualidade, o petróleo está enterrado sob três quilômetros de água, mais dois quilômetros de rocha e outros dois de crosta de sal.
As mega-jazidas, que podem estar interligadas num único campo, teriam capacidade de produzir de 70 bilhões a 100 bilhões de barris de óleo. O Brasil, que atualmente ocupa o 24º. lugar entre as maiores reservas petrolíferas do planeta, pularia para oitavo ou nono posto – posições ocupadas hoje por Venezuela e Nigéria. Em valores monetários, tomando como base o barril a US$ 100, haveria sob o sal um tesouro de US$ 9 trilhões, quase o Produto Interno Bruto (PIB) dos EUA. Todo este potencial, como alertou o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, pode ser uma "benção ou uma maldição" para o país. A Quarta Frota, com sua alta carga explosiva, sinaliza para o pior.
Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PC do B e autor do livro recém-lançado "Sindicalismo, resistência e alternativas" (Editora Anita Garibaldi).
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