Petras: “Estão fazendo o possível para desprestigiar Zelaya”
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- Radio Centenario
- 03/08/2009
Entrevista com o sociólogo estadunidense James Petras, realizada por Efraín Chury Iribarme, da Rádio Centenário, do Uruguai. "Eu creio que é evidente que um presidente liberal não entende o que é o imperialismo. Por isso, confiou nas iniciativas. Segundo: não entende a dinâmica de uma luta de massas porque na América Latina, em particular, se você não mostra a cara e ‘mete o peito’, encabeçando as grandes mobilizações, as pessoas começam a perder a confiança".
Efraín Chury: Petras, como vai você?
James Petras: Aqui estou, bem, lendo sobre os últimos acontecimentos em Honduras, em Cuba e nos Estados Unidos...
Chury: São três temas interessantíssimos. Podemos começar pelo que prefiras...
Petras: Poderíamos começar com o discurso de Raúl Castro, ontem, citando o problema da agricultura, a falta de disciplina de trabalho e a retórica política. Pessoalmente, gosto muito de ouvir como fala Raúl Castro e gosto dos temas que trata. Não sei em que grau está realizando as metas que fixa; porém, pelo menos está enfocando temáticas essenciais para Cuba: em primeiro lugar, o descuido com a agricultura; as importações por quase dois bilhões de dólares em mercadoria agrícola em um país que tem uma das terras mais férteis na América Latina e com grandes extensões cultivadas.
Raúl entendia que não se pode substituir retórica política, seja revolucionária ou outra qualquer, pela aplicação para solucionar problemas econômicos práticos a partir de mudanças na forma de cultivar a terra. Por exemplo, disse que devem converter muitas terras em cultivos familiares e que o processo caminha, porém lento e com muitas travas burocráticas, como acontece em Cuba. É uma crítica frontal para que se comece a acelerar esse processo.
Eu nunca entendi, por exemplo, porque Cuba não pode ser auto-suficiente em arroz. Nunca me deram uma explicação clara e convincente em Cuba. Importam arroz dos Estados Unidos e da República Dominicana e isso é algo incompreensível. Muita gente tem assumido postos de serviços sem se educar ou preparar-se para serem cultivadores eficientes, modernos, para que Cuba possa eliminar as importações. Cuba deve ser um exportador de alimentos e não um importador; e também eliminar essa estratégia anterior de Raúl de importar alimentos dos EUA, seu principal inimigo mortal.
A política externa no período anterior era um desastre. Não dá certo colocar-se nas mãos de um país imperialista, um país que não aceita vender produtos com créditos; tinham que pagar em dinheiro vivo e, inclusive, adiantando os pagamentos. Eram muitas coisas irracionais, combinando uma dependência maior dos EUA com uma retórica anti-imperialista, enquanto as terras em Cuba não são cultivadas. O mesmo acontece com o açúcar: em um momento, a liderança antes de Raúl dizia que iria eliminar a produção de açúcar e o Brasil mostrou como se pode converter açúcar em etanol e ser auto-suficiente em petróleo. E Cuba tinha tantos hectares de açúcar e nunca produziu etanol.
Outra coisa muito irracional que, creio, era parte do descuido completo de Fidel Castro: continuar importando petróleo ou dando concessões a todas as companhias estrangeiras para formar associações para buscar petróleo no mar próximo a Cuba.
Há coisas que são inexplicáveis em termos da política econômica de Cuba, particularmente em relação às fontes de energia, alimentos e também à reconversão da economia em turismo. Turismo é a coisa mais flutuante. Quando existe uma mudança na economia, os turistas não saem de férias; e criaram um multimilionário investimento em hotéis faraônicos em Cuba, de luxo... para agora ver cair o turismo devido à crise econômica na Europa, no Canadá; e mais uma vez têm uma crise.
Não se pode eliminar o turismo, porém, este não pode ser a força motriz em um país supostamente progressista. Raúl começa a tocar essa temática e a tentar, com muito esforço, retificar os erros do regime anterior; porém, é muito difícil, muito complicado e tentar fazê-lo durante a crise é ainda mais difícil. Pelo menos começaram e, para mim, essa é a esperança.
Chury: Vejamos Honduras. Considerando os elementos que temos até agora, de que maneira pode evoluir a situação atual?
Petras: O elemento número um é que o imperialismo estadunidense organizou o golpe. Segundo, estão fazendo todo o possível para desprestigiar Zelaya. Terceiro, estão apoiando aos golpistas. Quarto, substituíram um cliente (Arias) pela OEA, dando mais espaço aos golpistas para prolongar o processo.
Esses são os fatores que movem as peças nessa situação. Enquanto isso, Zelaya confiou de uma forma impensável na atitude dos Estados Unidos, pensando que reunir-se com Hillary Clinton, aceitar que Arias transferisse as negociações ou o processo de retorno às mãos das cúpulas e depois, ao anunciar que voltaria ao país, deu dois passos em Honduras e depois voltou para Nicarágua... É como um passo duplo...
É evidente que um presidente liberal não entende o que é o imperialismo. Por isso confiou nas iniciativas de H. Clinton. Segundo, não entende a dinâmica de uma luta de massas, porque na América Latina, em particular, se não ‘mostra a cara’ e ‘mete o peito’, encabeçando as grandes mobilizações, as pessoas começam a perder a confiança.
Há muitos anos, conversando com dirigentes na América Central e América Latina que passaram por situações perigosas, e perguntando aos companheiros que estavam encabeçando esses movimentos por que marchavam nas primeiras filas, me disseram que é porque as massas somente confiam nos líderes que ‘mostram a cara’, que ‘metem o peito’, que estão dispostos a acompanhar seus seguidores nos mesmos golpes, nos mesmos enfrentamentos. E eu creio que é assim. Não se pode fazer esses gestos grandiloqüentes do tipo ‘eu volto amanhã’ ou ‘volto na próxima semana’ e depois ficar na fronteira, em uma tenda, tomando medidas puramente simbólicas.
A luta em Honduras é muito dura, há muita repressão e se uma pessoa sente que está em perigo - e o perigo pessoal é maior do que o perigo dos movimentos sociais - tem que se colocar de lado e deixar que os líderes internos tomem o caminho da luta. Porque até agora todas as decisões de Zelaya de confiar que a OEA tomará fortes medidas simplesmente denunciando, que a Casa Branca vai excluir seus próprios títeres e depois anunciar que volta ao país, mas não volta, semeiam um contexto derrotista, penso eu, não por falta de luta das massas internas, mas devido à confusão que existe na cabeça do senhor Zelaya.
Chury: De modo que você vê que a situação no momento - pelo menos no que se refere à volta de Zelaya - está bastante complexa, porque os Estados Unidos não vão retroceder, pois se promoveram o golpe, não vão permitir o retorno.
Sim. E Zelaya diz que está frustrado com a ambigüidade dos EUA. Não existe nenhuma ambigüidade! Desde o começo até agora estão muito claros que não querem que ele volte: apóiam aos golpistas; criaram um contexto de negociação favorável aos golpistas; elegeram um mediador completamente sob sua direção. Que ambigüidades? Os lutadores entendem muito mais do que Zelaya qual é a posição estadunidense.
Chury: Outra questão: o grande medo, o grande temor que tantas vezes os governos estadunidenses tiveram está se insinuando como uma realidade ante a problemática social da falta de trabalho, da falta de oportunidades...
Petras: A desocupação é um problema quando tem expressão social. Por si mesma, a desocupação não preocupa aos EUA; inclusive, os favorece, porque baixa os custos e aumenta os lucros.
O que preocupa é quando os desocupados se organizam e começam a manifestar-se, perturbando os governos. Porém, enquanto exista uma massa desocupada passiva não existe nenhuma preocupação. Somente começam a pensar quando os desocupados começam a mover-se politicamente ou, pelo menos, socialmente aparecem alguns brotes, alguns levantamentos, algumas expressões concretas que colocam questões sobre o funcionamento do capitalismo. Porém, enquanto isso, a grande massa desocupada é funcional para o sistema capitalista porque permite baixar os salários, recortar os orçamentos sociais.
O outro assunto que quero mencionar tem relação com o Irã, pois existe muita controvérsia sobre os protestos, supostamente contra os resultados das eleições.
Há três dias, no Boston Globe foi publicado um artigo abordando que o regime de Obama vai duplicar os fundos para os grupos internos no Irã. A Casa Branca anunciou que aumentará a ajuda de 15 milhões - que entraram em 2009 - para 30 milhões. Isso significa que há uma aceitação pública de que os Estados Unidos canalizaram 15 milhões para as ONGs e todos sabemos que as ONGs e outros grupos estavam envolvidos nessas manifestações.
Isso para mim é outra manifestação a mais de que esses protestos não tinham o objetivo de denunciar as eleições, que não existia nenhuma fraude, e sim que eram em função do financiamento e do condicionamento da Casa Branca.
Não existe debate, já está confirmado que os EUA canalizaram pelo menos 15 milhões de dólares para todo tipo de atividades de grupos favoráveis e aceitos pela Casa Branca.
E o mesmo sobre os supostos dissidentes muçulmanos na parte oeste da China.
O lugar que dirige internacionalmente a campanha a favor do separatismo está em Washington, partilham o mesmo edifício com os terroristas da Tchetchênia. Ambos recebem dinheiro da Casa Branca, do Departamento de Estado. E essas dissidências que existem, o separatismo e as campanhas de desestabilização tanto no Irã quanto na China, não são como os meios de comunicação os apresentam - como reivindicações locais -, mas estão instrumentalizados para debilitar as posições de países adversários ou críticos aos Estados Unidos.
Chury: Mencionavas as ONGs. Que funções cumprem? São funções a favor dos povos ou as ONGs são instrumentos políticos?
Petras: Poderíamos dizer que existem mais de 40 milhões de dólares canalizados para as ONGs, além de 50 mil ONGs que existem no mundo. Entre essas, menos de 500 recebem a grande maioria desses fundos e são as que mais influenciam na política interna.
Existem ONGs de menor financiamento que, pelo menos formalmente, declaram-se a favor dos movimentos populares. Porém, nenhuma ONG tem mostrado capacidade de organizar as massas, muito menos participaram em greves gerais; quase nenhum centro de ONG maneja programas de estudo sobre o imperialismo. Há alguns anos atrás revisei todos os programas e investigações das ONGs. E em uma amostra de 100, nenhuma tinha a proposta de estudar o imperialismo, porque não recebem fundos da Europa ou dos Estados Unidos caso tenham em sua agenda estudar o problema chave que é o imperialismo.
Cada financiador coloca as prioridades. Dizem: nesse ano estudaremos os indígenas; no outro, financiamos gênero. Porém, nenhum estudo de gênero inclui mulheres em luta para repartir terras, reforma agrária. Não existe nenhum estudo e nenhum financiamento para os indígenas que estão se organizando contra as multinacionais.
Esse tipo de microprojetos que fragmentam os movimentos, como se repartissem máquinas de costura, através de microfinanças para pequenos prédios e para artesanatos. Porém, nada de participar em mudanças estruturais que atingem a distribuição de ingressos, da propriedade, da exploração das multinacionais e muito menos da penetração estadunidense e de seus militares.
Conheço alguns personagens progressistas que manejam ONGs que são mais ou menos potáveis; porém são minorias; não têm muitas finanças. A grande maioria do dinheiro vai para ONGs contra-insurgentes. ONGs que funcionam na contra-insurgência desde a base.
O Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial (BM), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) funcionam com as cúpulas dos Estados e das empresas. As ONGs fazem o trabalho sujo na base, fragmentando as mobilizações, cooptando direções e líderes. Dão aos líderes uma 4X4, um escritório, uma secretária e lhes dizem: ‘Bem, agora está trabalhando com uma ONG, tem passagens para ir consultar a Europa e contar-lhes sobre a pobreza, a miséria e a discriminação; porém, nada de vincular-se com mais igualdade com os movimentos de massa’.
Comparando o salário de um presidente de uma ONG com o de um militante camponês pobre, o resultado é de pelo menos 10X1. Os chefes de ONG recebem de 2 a 3 mil dólares mensais e no melhor dos casos um assalariado ganha 200 dólares, ou até menos.
Finalmente, quero dizer que algumas pessoas de esquerda nunca gostam de discutir as contradições e problemas dentro da mesma esquerda; ainda menos sobre Cuba.
E quando emerge uma crítica forte como a que fez Raúl Castro há sobressaltos, porque não reconhecem que a falta de reflexão anterior os leva a uma situação de pouca credibilidade e que somente os faz descobrir a crítica quando um líder do mesmo processo começa a criticar.
Creio que parte da esquerda inteligente e com futuro é a que tenta fazer críticas construtivas para que não desmoronem os processos políticos progressistas.
Chury: Muito bem, Petras, um abraço e obrigada.
Petras: Obrigado, e um abraço.
Entrevista originalmente veiculada pela Rádio Centenário.
Traduzido pela Agência de Informação Frei Tito para a América Latina (Adital).
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