Correio da Cidadania

Fim da RCTV acua a mídia golpista

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Em mais uma prova de coerência e coragem, o presidente Hugo Chávez não se intimidou diante das fortes pressões e manteve o seu compromisso de não renovar a concessão da emissora privada Rádio Caracas de Televisão (RCTC), que teve as suas transmissões em sinal aberto encerradas à meia-noite de 27 de maio. Menos de meia hora depois, entrou no ar a nova rede pública da Venezuela, a Teves, que será dirigida por um conselho formado por jornalistas, docentes e representantes dos movimentos sociais. O fim da outrora poderosa RCTV abre nova fase na luta contra a ditadura midiática na América Latina. Não é para menos que todos os veículos privados da região chiaram contra a medida, manipulando descaradamente os fatos.

 

A decisão de não renovar a concessão pública, com base nos princípios constitucionais do país – também previstos nas legislações de várias outras nações, inclusive do Brasil –, foi anunciada em 28 de dezembro. Num discurso proferido aos militares do Forte Tiúna, o maior quartel do país, o presidente Hugo Chávez garantiu que, “por mais que gritassem os oligarcas”, a concessão da RCTV não seria renovada. Explicou que, apesar da postura fascista da emissora no golpe de abril de 2002 e de outras inúmeras irregularidades (sonegação fiscal, evasão de divisas, difusão de pornografia, retenção das pensões dos funcionários), ele aguardaria pacientemente o prazo legal da concessão, encerrado neste domingo, para executar a medida.

 

Globo, Folha e o rabo preso

 

O anúncio criou um frenesi na burguesia mundial e na sua mídia venal. O Congresso dos EUA, com apoio dos “democratas”, aprovou resolução contra a medida e, ao mesmo tempo, manteve a remessa de milhões dólares para financiar a “oposição” na Venezuela. Já o parlamento europeu acatou a proposta do Partido Popular (PPE), de ultradireita, e considerou “um afronta à liberdade” o fim da concessão. Organizações financiadas por governos imperialistas e corporações multinacionais, como a Repórteres Sem Fronteiras, realizaram um verdadeiro bombardeio nestes cinco meses para evitar o fechamento da RCTV. A mídia do capital, como a The Economist e o New York Times, deu capa e fez estardalhaço contra a medida.

 

No Brasil, a poderosa Rede Globo, talvez temendo a força do exemplo, preferiu apresentar a RCTV como uma emissora neutra, “a mais antiga e influente da Venezuela”, evitando explicar aos seus telespectadores os reais motivos da cassação. Já a Folha de São Paulo publicou o editorial “Ditador em obras”, acusando o governo Chávez de promover uma escalada “autoritária”. Numa manipulação descarada, ela chega a afirmar que já não existe imprensa independente no país, que todos os veículos são “dóceis instrumentos do chavismo”. Eduardo Guimarães, no artigo “As RCTVs tupiniquins”, publicado no portal Fazendo Media, desmascara essa mentira, que evidencia os temores da mídia venal.

 

“Quem, como eu, já esteve na Venezuela ou tem contatos de alguma espécie com o país, sabe que não é verdade o que diz a Folha. A imprensa venezuelana é totalmente livre. Inclusive as TVs. No dia em que escrevo este texto, o jornal caraquenho ‘El Universal’, um dos maiores da Venezuela, publica editorial e vários artigos sobre o fechamento da RCTV que guardam enorme similaridade com o discurso da Folha, apesar de serem textos característicos da imprensa venezuelana – virulentos, ressentidos e pregadores do mesmo ‘golpismo’... O leitor da Folha e do resto da grande imprensa brasileira, como o telespectador da Globo e de outras TVs e rádios, estará mal informado se não buscar fontes alternativas de informação”.

 

Choros, mentiras e omissões

 

Manipulação ainda mais grosseira se deu nos dias que antecederam o fim da concessão. A mídia mundial e os plagiadores nativos chegaram a noticiar “gigantescas” manifestações em defesa da RCTV, o que foi desmascarado por vídeos reproduzidos no You Tube, que mostraram protestos minguados de “branquelas” das elites. A presença de tropas do Exército nas ruas da Caracas também foi amplamente difundida, para vender a imagem de uma nação sitiada; mas pouco se falou sobre os incidentes deste domingo, nos quais “ativistas pró-democracia”, mais parecidos com mercenários, dispararam tiros e feriram onze policiais. A imagem de “funcionários” da RCTV chorando foi cansativamente repetida; já as manifestações festivas pelo fim da concessão, bem maiores e mais populares, quase não apareceram nas TVs. Puro engodo!

 

A mídia hegemônica também nada falou sobre as várias denúncias que pipocaram nos últimos dias contra a RCTV. A emissora estatal VTV exibiu fac-símiles de documentos desclassificados do Departamento de Estado dos EUA em que são citados os jornalistas das redes de televisão RCTV e Globovisión, bem como o diretor do Noticiero Digital e o editor do Tal Cual, que receberam dólares da embaixada estadunidense em Caracas. O programa também exibiu carta assinada pela secretária Condoleezza Rice, dirigida a Odilia Rubin de Ayala, da direção da RCTV, na qual solicita divulgação e apoio financeiro à Súmate, uma das ONGs mais fascistóides contra o governo Chávez. Os vídeos também estão disponíveis no You Tube.

 

“Emissora golpista já vai tarde”

 

Diante destes fatos deprimentes, até setores críticos do governo bolivariano mudaram de opinião sobre o fim da concessão. O repórter Luiz Carlos Azenha, que recentemente abandonou a TV Globo para cuidar do seu blog na internet – “Vi o mundo – o que você nunca pôde ver na TV” –, até comemorou a decisão. “Eu tinha lá minhas restrições ao processo [do fim da concessão], mas diante do que tenho visto na mídia corporativa agora digo que a emissora golpista já vai tarde. Fazer oposição a um governo é uma coisa. Fazer campanha para derrubá-lo é outra. E isto durante seis anos... Que sirva de exemplo para os barões da mídia de todo o continente, que usam concessões públicas para extorquir favores de governos”.

 

No seu blog, ele lembra que Napoléon Bravo, um dos principais “jornalistas” da RCTV, teve participação ativa no frustrado golpe de abril de 2002. “Foi na casa dele a gravação do vídeo de um general que pediu a renúncia de Chávez”. Também cita um memorável texto da intelectual canadense Naomi Klein, em que ela comprova o golpismo da mídia. “Pobre Endy Chávez, jogador de um dos grandes times de beisebol da Venezuela. Toda vez que ele assume o bastão os narradores da tevê local começam as piadas: ‘Aí vem o Chávez. Não, não o ditador pró-cubano Chávez, o outro Chávez”. Ou: “Esse Chávez bate na bola, não no povo venezuelano’. Na Venezuela, até os comentaristas estão engajados na campanha aberta da mídia comercial para derrubar o presidente democraticamente eleito Hugo Chávez”, inicia o texto.

 

Azenha também relata a história do jornalista Andrés Izarra. “Um cara certinho, feito sob medida para a TV, trabalhou como editor da CNN em espanhol até ser contratado como gerente do telejornal de maior audiência no país, El Observador, na RCTV. Em 13 de abril de 2002, um dia depois de o líder empresarial Pedro Carmona assumir o poder, Izarra pediu demissão do emprego sob condições que ele descreve como ‘de extremo stress emocional’... Diz que recebeu instruções claras: ‘Nenhuma informação sobre Chávez, seus seguidores e seus ministros’. A RCTV sabia [da trama golpista], mas não divulgou”.

 

“Quando Chávez retornou ao Palácio Miraflores, as estações simplesmente deixaram de divulgar notícias. Num dos dias mais importantes da história da Venezuela, elas colocaram no ar o filme ‘Pretty Woman’ e desenhos animados de Tom e Jerry... ‘Nós tínhamos um repórter em Miraflores e sabíamos que o palácio havia sido reconquistado por chavistas’, diz Andrés Izarra, ‘mas o blecaute de informações foi mantido. Foi quando decidi dar um basta e fui embora’”. Azenha conclui: “Quem diz que aquilo que a RCTV faz e fazia é jornalismo é fajuto. Não é jornalismo de oposição. É mentira, distorção e omissão. É genotícia”.

 

Os abalos da ditadura midiática

 

Para os que não se iludem com a ditadura da mídia e nem se deixam intimidar com os falsos apelos sobre a “liberdade de imprensa”, o fim da concessão da RCTV é uma vitória da democracia. Tanto que dezenas de intelectuais e artistas reunidos em Cochabamba, Bolívia, acabam de aprovar moção de apoio à decisão da Venezuela. “Cientes de que não pode haver plena democracia sem democratizar os meios; convencidos de que as telecomunicações devem cumprir os seus objetivos constitucionais e legais de educar, informar, entreter e difundir a informação veraz, imparcial e plural; persuadidos de que as concessões do espectro radioelétrico são bens de domínio publico... festejamos a não renovação das concessões aos latifúndios midiáticos e a progressiva liberação do espectro a favor do seu único dono, que é o povo venezuelano”.

 

Para desespero dos barões da mídia, a medida do governo venezuelano tende a se irradiar. Recentemente, o presidente do Equador, Rafael Correa, anunciou que reverá as concessões de rádios e TVs no país. Num duro discurso, afirmou que a mídia equatoriana “é corrupta e mentirosa”, que as concessões são “obscuras e irregulares”, favorecendo políticos conservadores, e que “a maior parte é devedora do Estado”. O jovem presidente de 44 anos finalizou: “Senhores da mídia, acabou. O país está mudando, aqui tem um governo que não tem medo. Por favor, povo equatoriano, não acredite na mídia, ela mente e manipula”. Também crescem os rumores de que o presidente Evo Morales pretende fechar várias redes de TVs e rádios. “Na Bolívia, há não só liberdade, mas também libertinagem de expressão”, afirmou o governante da Bolívia.

 

 

Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro “Venezuela: originalidade e ousadia” (Editora Anita Garibaldi, 3ª edição).

 

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