Honduras subjugada sob eleições ilegítimas
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- Adolfo Pérez Esquivel
- 02/12/2009
A comunidade internacional, os governos e povos latino-americanos não podem avalizar as eleições imorais e ilegítimas realizadas em Honduras.
O governo dos EUA é cúmplice e gestor do golpe de Estado neste país; um golpe perpetrado para subjugar o povo e impor políticas de dominação e saque na região. O manifesto apoio do governo Obama ao chamado da ditadura às eleições é tentativa de justificar o injustificável, ocultar e desconhecer a soberania de todo um povo e do presidente Manuel Zelaya, que se encontra praticamente encarcerado na embaixada do Brasil há dois meses, suportando a permanente agressão dos golpistas. Deteriora profundamente as democracias de todo o continente e a possibilidade de que os EUA possam construir relações de respeito com seus vizinhos, ratificando mais precisamente que aqueles países que não responderem aos interesses americanos podem sofrer situações semelhantes.
Não posso deixar de destacar a lamentável submissão por parte do presidente da Costa Rica, Oscar Arias, aos desígnios do Departamento de Estado. Apoiar os golpistas no chamado a eleições ilegítimas e guardar silêncio sobre as violações dos direitos humanos que sofre o povo hondurenho nunca pode ser o caminho de construção da Paz.
Em Honduras foram detidos ontem (29/11) nosso companheiro Gustavo Cabrera, coordenador geral do Serviço Paz e Justiça na América Latina, e o pastor menonita Cesar Cárcamo, integrantes de uma missão de observação internacional das igrejas. Ainda que já tenham sido liberados, este fato demonstra que a ditadura hondurenha busca impedir o mundo de saber a verdade do que ocorre no país, ocultando as graves violações aos direitos humanos e em especial as condições repressivas nas quais se levaram adiante os comícios.
Com essa farsa eleitoral se pretende esconder os verdadeiros motivos do golpe em Honduras, que são os de manter o povo na miséria e opressão, a fim de que alguns poucos possam continuar enriquecendo, e à custa da própria natureza. Busca contra-atacar o aumento do salário mínimo e garantir maiores lucros às maquilas (como são chamadas as fábricas e indústrias, especialmente nos setores têxtil e eletrônico); reabrir o país às concessões minerais e florestais; expandir as privatizações e os benefícios do livre comércio às multinacionais dos EUA e Europa; evitar acordos solidários com países latino-americanos; reverter a entrada de Honduras na ALBA; aprofundar e amarrar o país de acordo com seus interesses, econômicos, políticos e militares.
Volto a assinalar que o golpe de Estado em Honduras é um golpe contra todos os povos de toda a região. Impor eleições sem primeiro restituir a ordem constitucional e o legítimo governo do presidente Manuel Zelaya não pode ser algo feito sem a concordância e cumplicidade do Departamento de Estado, do Pentágono e da CIA. Junto à imposição dos grandes projetos de infra-estrutura para o saque (como o Plano Puebla-Panama na Meso-América e o IIRSA aqui no sul), a remilitarização do continente com as sete novas bases militares na Colômbia, outras mais sendo propostas no Panamá e Peru, a presença dos EUA na tríplice fronteira Paraguai, Brasil e Argentina, e a IV Frota nos mares do sul, entre outras políticas, colocam em evidência que os mecanismos de dominação estão em funcionamento. Não acabaram com as ditaduras militares impostas no continente através da Doutrina de Segurança Nacional, com um alto custo de vidas humanas e seus milhares de mortos, torturados, encarcerados e desaparecidos, além da destruição da capacidade produtiva dos povos; tampouco acabaram com a sangria neoliberal provocada pelo endividamento ilegítimo, os conseqüentes ajustes estruturais, as privatizações e a desregulação.
Os grandes meios de comunicação, verdadeiros monopólios a serviço dos interesses de dominação impostos, desatam campanhas nacionais e internacionais contra governos que possuem pensamento próprio e buscam a independência e soberania de seus povos. Se seu bombardeio cultural e os golpes de mercado não bastam, sobrevêm a agressão e as tentativas de golpe de Estado pela CIA e o Departamento de Estado, como ocorrido na Venezuela, Bolívia e na agressão da Colômbia contra o Equador.
Está claro, mesmo assim, que o caminho escolhido pelos golpistas não pode prosperar. O povo de Honduras está em pé para defender sua liberdade e seus direitos; depois de 154 dias de resistência não violenta nas ruas e comarcas de todo o país, no domingo, 29/11, se resguardou majoritariamente em suas casas, dando uma digna e inequívoca resposta à fraudulenta convocatória eleitoral. São muitos os governos do continente, e do mundo inteiro, que se negam a aceitar o governo golpista e que ratificaram seu desconhecimento a respeito desses comícios.
Reclamamos aos demais governos da região, aos organismos internacionais como a OEA, ONU, o Parlamento Europeu e a União Européia, desconhecerem também esta tentativa de maquiagem do golpe de Estado. Há de se insistir no restabelecimento da ordem constitucional, a restituição do presidente Zelaya e a suspensão de qualquer forma de apoio, seja financeiro, comercial, militar, enquanto isso não ocorre.
Conclamamos os organismos de direitos humanos, sociais, culturais e religiosos a assumir solidariamente a defesa da soberania e o Estado de direito do povo hondurenho, rejeitando qualquer cumplicidade que pretende desgraçar o exercício democrático.
A Paz é fruto da justiça; não há outro caminho possível. Por isso também é necessário escutar a voz do povo hondurenho, que segue chamando pela realização de uma Assembléia Constituinte Nacional para refundar o país sobre bases de igualdade e inclusão. Só assim será possível governar.
Adolfo Pérez Esquivel é Premio Nobel da Paz de 1980, além de arquiteto, escultor e ativista dos direitos humanos.
Traduzido por Gabriel Brito.
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