Tensão com a Venezuela é ‘último ato de amor’ aos EUA do lacaio Uribe
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- Atilio Boron
- 03/08/2010
Incondicional peão do império, Álvaro Uribe se despede da presidência da Colômbia com uma nova provocação: a denúncia da existência de acampamentos das FARC em território venezuelano. Sem lerdeza ou desatenção, o Departamento de Estado dos EUA saiu a respaldar sem reservas a acusação formulada por Bogotá na OEA, motivada pela suposta "contundência" das provas apresentadas por Uribe que denunciam o governo de Hugo Chávez por permitir a instalação de acampamentos das FARC e a realização de diversos programas de treinamento militar a cerca de 1500 efetivos de guerrilha em território venezuelano. O porta-voz do Departamento de Estado, Philip Crowley, declarou com singular insolência que "a Venezuela mostrou uma conduta inapropriada e insolente" com seu vizinho e ameaçou que se o país "não cooperar, os Estados Unidos e demais países obviamente levarão em conta".
Deve-se lembrar que desde 2006 os EUA incluem a Venezuela na lista dos países que não cooperam na luta contra o terrorismo. Na mesma linha se manifestou o subsecretário adjunto para a América Latina, Arturo Valenzuela, declarando que a denúncia feita por Uribe era "muito séria". Ambas as declarações jogam espessas sombras de dúvidas sobre as capacidades intelectuais dos dois funcionários e, ainda mais grave, alimentam a suspeita de que, por conta da fixação pela mentira, a qualidade moral de ambos não parece muito diferente da de Uribe.
É evidente que, para os administradores imperiais, qualquer coisa que convenha a seus interesses, eles tratam de fazê-la aparecer aos olhos da opinião pública como "séria e contundente". E são esses interesses que moveram a Casa Branca a pedir uma última "prova de amor" ao governante colombiano poucos dias antes de abandonar a presidência. Como é de público conhecimento, o prontuário que a DEA, a CIA e o FBI vêm construindo sobre Uribe por seus íntimos e ramificados vínculos com os narcotraficantes não permite ao mandatário colombiano desobedecer a nenhuma ordem originada de Washington, sob pena de ter a mesma sorte do ex-presidente panamenho Manuel A. Noriega e terminar seus dias em uma prisão de segurança máxima nos EUA.
As mentiras sobre as FARC
A disparatada denúncia de Uribe, um mentiroso inveterado, vem sob medida para impulsionar a desestabilização que Washington quer produzir às vésperas de cruciais eleições venezuelanas programadas para 26 de setembro, e ao mesmo tempo legitimar o impressionante programa de militarização que está impondo na América Latina, sendo que uma de suas maiores expressões foi a assinatura do tratado Obama-Uribe, mediante o qual o país sul-americano cede ao menos sete bases militares para uso das forças armadas dos EUA. Por isso os porta-vozes do governo norte-americano simulam que consideram "sérias e contundentes" as provas que respaldam a denúncia de Uribe, sabendo que não têm sustentação alguma e que são pura conversa fiada e montagens fotográficas. Mas as mentiras são parte do discurso oficial dos EUA, elementos imprescindíveis para dar legitimidade aos desígnios do imperialismo norte-americano, e isso por várias razões.
São mentiras porque, em primeiro lugar, se as FARC controlam cerca de 30% do território nacional (coisa mais que sabida na Colômbia), não se entende que sentido pode ter desviar nada menos que 1500 homens do teatro de operações, enviar seus chefes para tirar férias na Venezuela e organizar 85 acampamentos guerrilheiros no país vizinho. Se há um político que mente sistematicamente em nossa região – e há muitos! –, Uribe leva todos os aplausos: é na própria Colômbia onde a crise e a putrefação do Estado oligárquico permite que amplas faixas de seu território, especialmente nas zonas selvagens, estejam controladas pela guerrilha, os narcos e os paramilitares.
Diversas autoridades equatorianas comentaram, após o ataque que as forças colombianas realizaram em seu território, que o Equador não faz fronteira ao norte com a Colômbia, mas com uma terra de ninguém controlada pelas organizações mencionadas acima. Com uma estupidez sem limites, Uribe acusa seus vizinhos de não fazer o que ele mostrou com sobras ser incapaz de realizar: controlar seu próprio território. Fechando os olhos ante essa realidade, os EUA se montam sobre essa denúncia falaciosa para, a partir dali, acossar o governo bolivariano por sua falta de colaboração na luta contra o narcotráfico, ocultando da opinião pública – com a cumplicidade da "imprensa livre", claro! – o incômodo fato de que o maior exportador mundial de cocaína (e também de narcotraficantes) é a Colômbia militarizada por Uribe e transformada, graças à sua imensurável colaboração, em um protetorado norte-americano.
Diante de tal quadro de decomposicão política, denunciar que as FARC se instalam na Venezuela – e, pra completar, com o aval e cumplicidade do governo de Hugo Chávez – não passa de uma vulgar armadilha a serviço do império; uma acusação que carece completamente de integridade para ser minimamente levada a serio. É a calúnia que revela um personagem totalmente inescrupuloso como Uribe.
Em segundo lugar, como esquecer que Uribe foi o homem que mentiu aleivosamente quando suas forças, apoiadas pelas dos EUA, fizeram incursão em território equatoriano, alegando que perseguiam uma coluna das FARC? As provas demonstraram que os guerrilheiros a que supostamente se perseguiam após um enfrentamento ocorrido em chão colombiano estavam dormindo – inclusive vestidos de pijamas – no momento que se produziu o ataque, e que, em conseqüência do ocorrido, em Santa Rosa de Sucumbios, não houve um combate, mas um claro e cristalino massacre indiscriminado.
Essa operação, realizada pouco depois da meia-noite de 1º de março de 2008, foi levado a cabo com apoio logístico e material dos efetivos norte-americanos estacionados na base de Manta (EQU), os únicos que dispunham de tecnologia necessária e de aviões capazes de efetuar um bombardeio de assombrosa precisão em plena selva e em meio à mais absoluta escuridão. Uma mostra a mais da doentia fixação de Uribe pela mentira foi a história montada em torno do famoso laptop de Raul Reyes, que numa prodigalidade tecnológica sem precedentes sobreviveu incólume a um bombardeio que destruiu tudo que havia a sua volta e cujo disco rígido tinha entregado valiosíssima informação sobre os numerosos contatos de Reyes com as FARC e com todos os inimigos de Uribe e dos EUA.
Em terceiro lugar, como se pode acreditar num homem que, da posição de presidente da Colômbia, chancelou a ação de paramilitares e do terrorismo de Estado? Em 16 de fevereiro deste ano a unidade de "Justiça e Paz" da Receita colombiana publicou um informe em que se revela que algo mais de 4000 paramilitares das AUC (Autodefesas Unidas da Colômbia) asseguraram ter perpetrado 30470 assassinatos no período compreendido de meados dos anos 80 até sua "desmobilização", entre 2003 e 2006. Não só isso: a Receita recebeu também declarações dos paramilitares dando conta de 1085 massacres; 1437 recrutamentos de menores; 2520 desaparecimentos forçados; 2326 deslocamentos forçados; e 1642 extorsões, além de 1033 seqüestros. Em que pese esse lamentável recorde, Uribe é considerado por seus mandantes de Washington como um campeão na luta pelos direitos humanos.
Com relação a isso, se o ansiado TLC entre a Colômbia e os EUA não foi ainda ratificado pelo Congresso norte-americano é porque, tal como assinala o conservador jornal colombiano El Tiempo, tão somente no ano de 2009 os "paras" e as "forças de segurança" assassinaram 40 sindicalistas, transformando a Colômbia no país mais perigoso do mundo para tal atividade. Sobre um total de 76 dirigentes sindicais assassinados no mundo inteiro, 52% desses crimes se perpetraram num país que os EUA consideram exemplar paradigma da luta pelos direitos humanos e combate ao terrorismo. A Central Única dos Trabalhadores da Colômbia informou poucos meses atrás que, desde 1986, ano de sua criação, 2721 ativistas e dirigentes da entidade foram assassinados pelas "forças de segurança". Apesar disso, as credenciais democráticas colombianas jamais foram postas em dúvida por Washington.
Quarto, o denunciante é nada menos que o responsável intelectual e político pelo massacre serial conhecido pelo nome de "falsos positivos". Tal como afirmam distintas matérias publicadas na Colômbia pelo Observatório Latino-americano, Cronicón, durante os três últimos anos de governo Uribe o balanço é funesto. Comprovou-se que as forças militares, diante da pressão do governo para que mostrassem resultados concretos na luta contra a guerrilha, desenharam e executaram um plano criminoso: recorrer às comunidades e aldeias mais pobres do país oferecendo trabalho à enorme massa de desempregados, recrutando um elevado número de indigentes, camponeses, indefesos, jovens e marginalizados, que depois eram assassinados a sangue frio e tinham seus cadáveres contabilizados como de guerrilheiros executados em combate, de modo a receber a recompensa estabelecida pelo governo ou obter estímulos ou promoções na carreira militar. Segundo estimativas muito conservadoras, estes crimes de Estado, perpetrados quando o futuro presidente do país, Juan Manuel Santos, era ministro da Defesa, superam 1700 casos.
Outra faceta dessa criminosa política mal denominada de segurança democrática foi a descoberta, levada a público em 16 de fevereiro de 2010, "da maior fossa comum da história contemporânea do continente americano, horrenda descoberta que foi quase totalmente invisibilizada" pelos principais meios de comunicação de massas da Colômbia e do mundo. "A fossa comum contém restos de ao menos 2000 pessoas, está em Macarena, departamento de Meta... (e foi descoberta) graças à perseverança dos familiares dos desaparecidos e à visita de uma delegação de sindicalistas e parlamentares britânicos que investigava a situação dos direitos humanos na Colômbia, em dezembro de 2009. Cabe adicionar que essa região tinha sido objeto de preferencial atenção por parte das forças armadas colombianas desde 2005, com os nefastos resultados recentemente revelados.
O pano de fundo econômico e o poder militar
Como ocorreu com todos os terrorismos de Estado que assolaram a região nos anos 70 do século passado, os crimes de lesa-humanidade cometidos pelos seus perpetradores tinham também um pano de fundo econômico. No caso da Colômbia de Uribe, com seu comparsa de sanguinárias experiências, entre as corruptas forças armadas, os paramilitares e os narcos, dividiram-se milhões de hectares que, em seu desesperado êxodo, deixavam para trás os camponeses deslocados pelos bombardeios e massacres indiscriminados a que estavam submetidos. Tal como expusera Jomary Orteon Osorio, do Coletivo de Advogados da Colômbia, na conferência do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Cultuais da ONU reunida em Genebra no início de maio deste ano, a cifra de camponeses expulsos de suas terras subiria para 4,5 milhões e suas terras foram logo transferidas, para grande proveito dos encarregados de desalojá-los, dos latifundiários e do agronegócio, entusiastas e co-financiadores do paramilitarismo.
Nesta mesma conferência se estabeleceu que, apesar dos "êxitos" do governo de Uribe, o número de desalojados segue crescendo em cerca de 150 mil pessoas por ano. O ministro do Planejamento da Colômbia, Esteban Piedrahita Uribe, chefe da delegação colombiana na citada conferência, não desmentiu as alegações antes formuladas e se limitou a dizer que "confiscamos 2 milhões de hectares de grupos criminosos que se apropriaram ilegalmente dessas terras, e agora a justiça vai decidir pela devolução aos seus verdadeiros donos". Em todo caso, há que se destacar que o cálculo do número de hectares expropriados nessa selvagem reedição do processo de acumulação originária que Marx descobrira em seu célebre capítulo 24 do primeiro volume de O Capital está sujeito a fortes controvérsias. Há quem sustente que o número de hectares assim transferidos subiria para 6 milhões, enquanto outros colocam a cifra em torno dos 10 milhões. De toda forma, qualquer que seja o número que finalmente se estabeleça mais além de qualquer dúvida, o certo é que, se a política de segurança democrática assegurou alguma coisa efetivamente, foi a expropriação da massa camponesa e a apropriação das mesmas pelo capitalismo agrário.
Esse é o homem que hoje aponta seu dedo acusador contra a revolução bolivariana. É evidente que se trata de uma manobra mais, ditada pelos estrategas do império, para acossar o governo Chávez e legitimar a política do "hardpower" (poder duro) ao qual parece ter ficado mais afeito Obama que seu ignominioso antecessor, apesar de suas declarações oficiais e dos escritos de alguns analistas próximos à Casa Branca, como Joseph Nye, falarem com insistência das vantagens do softpower (poder brando, ou a diplomacia tradicional) ou ainda o smartpower (o poder inteligente, da nova diplomacia) sobre a brutalidade e elevado custo do primeiro.
Mesmo assim, o império insiste no poder duro e seu impressionante dispositivo militar: por isso as bases na Colômbia, em Aruba e Curaçao, a poucos quilômetros do litoral marítimo venezuelano; isso além das bases que se encontram em El Salvador e Honduras, e agora a autorização para introduzir nada menos que 7000 marines e todo tipo de armamento, além de porta-aviões, helicópteros, navios anfíbios e aviões de última geração, na vizinha Costa Rica. E por isso também a 4ª. Frota Naval.
Os efeitos não esperados de uma denúncia
O governo de Uribe cumpre dessa forma um serviço de extraordinária importância para facilitar os planos destituintes do imperialismo: incapaz de proteger sua fronteira de 586 quilômetros com o Equador, à qual destina apenas oito minúsculos destacamentos militares, e muito mais incapaz ainda de fazer o mesmo em 2216 km de fronteira com a Venezuela, transformada em zona liberada para narcos e paras, trata por todas as maneiras de criar as condições que justifiquem a intervenção militar estadunidense na América do Sul. No plano imediato, consegue manter viva a tensão entre Colômbia e Venezuela depois da mudança de presidente, evitar que Santos modifique a agenda de confrontação permanente com a revolução bolivariana instituída por Uribe e enlamear o pasto para que Chávez chegue desgastado e ameaçado internacionalmente às eleições de fins de setembro. Preocupado com seu futuro e assombrado pelo fantasma de Noriega apodrecendo numa prisão gringa ou de uma querela ante a Corte Penal Internacional, Uribe se esmera até o último dia de seu mandato para mostrar sua total submissão aos ditames imperialistas.
Por isso é importante desmascarar o denunciante e exigir a pronta intervenção da Unasul a fim de desbaratar os planos de Washington em Nossa América. Este não é um assunto para a OEA (que além de tudo não soube esvaziar a provocação uribista), mas para a Unasul, que será posta à prova com este incidente. É de se esperar que essa nascente organização dos países sul-americanos atue de imediato, agora mesmo, porque do contrário pode ser tarde demais para evitar as graves conseqüências de toda ordem que teria a consumação do projeto belicista dos Estados Unidos, implementado por Washington e seus prepostos latino-americanos.
Atilio A. Boron é diretor do PLED, Programa Latinoamericano de Educación a Distancia em Ciências Sociais, Buenos Aires, Argentina.
Website: http://www.atilioboron.com/.
Traduzido por Gabriel Brito, jornalista. Correio da Cidadania.
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Comentários
Tem gato na tuba!
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