Correio da Cidadania

Os Mapuches não são cubanos

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Se fossem cubanos, sua greve de fome teria ganhado as primeiras páginas da ‘imprensa livre’ de todo o mundo. Mas os mapuches não são cubanos. No entanto, nós que criticamos o viés ideológico conservador da autodenominada "imprensa livre" ou "independente" devemos lutar contra a convicção profundamente arraigada na população de que os meios de comunicação se limitam a ‘dar’ a notícia, deixando de lado qualquer afã político.

 

A visão que cultivam os poderes midiáticos é de que eles se limitam a "refletir" a realidade e que, quando elaboram alguma interpretação da mesma – que inevitavelmente é política, na medida em que toca uma problemática pública –, tal coisa fica circunscrita ao escrito, dito ou a colunas editoriais ou de opinião, claramente diferenciada da parte propriamente informativa que supostamente é "apolítica" e objetiva.

 

Na verdade, salvo contadas exceções, o que ocorre é exatamente o contrário: informa-se ou se desinforma em função da perspectiva política pela qual cada veículo tomou partido, e ela só tem dois possíveis registros: ou se defende a conservação ou se propõe a superação da ordem social existente. Em assuntos como este a ‘imparcialidade’ é impossível.

 

Um exemplo luminoso do que dizemos é proporcionado pelo escandaloso silêncio da "imprensa séria" das Américas diante da greve de fome que 31 Mapuches mantêm em diversas prisões do Chile. Ali se encontram detidos em conseqüência da aplicação da Lei Antiterrorista, aprovada por Pinochet.

 

Produto dessa monstruosa legislação, ainda em vigor após 20 anos de suposta vida democrática, 57 Mapuches estão trancafiados nas carceragens da exemplar democracia chilena, e cerca de uma centena foi processada pela justiça do país por lutar pela recuperação das terras de seus ancestrais. Não só isso: o "Estado de Direito" no Chile, tão exaltado por analistas e articulistas a serviço do império, torna possível uma aberração jurídica que nem assim provoca algum comentário: que os detidos possam ser julgados pela justiça civil e também pela militar, correndo risco de serem condenados nos diferentes foros pelos mesmos delitos que supostamente cometeram.

 

Dois dos presos que recentemente se uniram à greve de fome, Carlos Munõz Huenuman e Eduardo Painemil Pena, fizeram saber pelo site Pais Mapuche que, "com essa medida extrema e justa, estendemos a resistência levada adiante pelos presos políticos Mapuche nos distintos cárceres chilenos, que busca denunciar as injustiças cometidas contra o nosso povo, que se vêem refletidas em violentas averiguações, onde as vítimas são principalmente idosos e crianças; na utilização indiscriminada e combinada de testemunhas protegidas, incluindo menores de idade; no excessivo tempo das investigações encabeçadas pelo Ministério Público, que apenas perpetuam a prisão preventiva. Definitivamente, urge rejeitar as montagens político-judiciais, sustentadas pela aplicação da Lei Antiterrorista, que busca encarcerar lutadores sociais Mapuche que fazem frente à guerra de extermínio que nos declarou o Estado chileno".

 

O que reclamam os mapuches, e que é o fundamento último de todas as suas mobilizações, é a devolução de suas terras ancestrais expropriadas violentamente pelos embandeirados da "civilização". Seus homólogos do outro lado da cordilheira, na Argentina, diziam que os povos originários da Patagônia eram selvagens porque desconheciam as sacrossantas virtudes da propriedade privada, e com este pretexto praticaram seu genocídio, adoçado pela historiografia oficial com o nome de "Conquista do Deserto".

 

No Chile, essa mesma política de extermínio recebeu um nome não menos cínico: "Pacificação de Araucanía". Na Argentina, essa tragédia foi documentada e denunciada na extensa obra do historiador Osvaldo Bayer, e hoje existe uma consciência cada vez mais nítida dos alcances e implicações deste infame e sangrento despojo. É para recuperar o que lhes foi arrebatado que lutam hoje os Mapuches chilenos; e também para pôr fim à aplicação da Lei Antiterrorista às lutas "do Povo Nação Mapuche", como se assina em um de seus documentos; para acabar com a militarização de suas comunidades; com o processo duplo nas justiças civil e militar; e pela liberdade a todos os prisioneiros políticos mapuche, além de outras demandas mais pontuais.

 

Como se pode observar, sua agenda de reivindicações é extensa e de caráter estrutural, conspirando contra a azeitada engrenagem da acumulação e exploração capitalista em voga no Chile atual. Por isso a greve dos Mapuches não é notícia e deve ser silenciada; acontece, mas não chega ao espaço público e pouquíssimas pessoas podem tomar conhecimento dos fatos.

 

O principal diário chileno, o arqui-golpista e tradicional pinochetista El Mercurio – imortalizado na denúncia dos estudantes em 1967, que se sintetizava na frase "Chileno, El Mercurio mente" – mente outra vez e não diz nada a respeito. Ao se buscar em seu arquivo ‘greve de fome’, os resultados oferecidos se referem, previsivelmente, aos ‘dissidentes cubanos’, ou a um jejum de dirigentes de clubes bolivianos de futebol, ou a um par de episódios similares em sua insignificância.

 

Se alguém persiste na busca, surge uma avalanche de informações sobre a greve de fome de Zapata e Fariña em Cuba, acompanhada de fotos assustadoras, cujo impacto não pode ser outro além de suscitar a incondicional solidariedade do leitor ou telespectador com a vítima. Se se prossegue na busca, também com o termo ‘Mapuches’, o que aparece é uma referência a uma ocupação de terras realizada quinta-feira passada, ou à presença de um sol mapuche na nova nota de 20 mil pesos, emitida pelo Banco Central chileno, e também à detenção de um membro desta etnia que tinha participado de um ataque incendiário em La Araucanía.

 

Os grevistas e os prisioneiros políticos não são notícia, não são reportados; são "desaparecidos midiáticos", e a opinião pública nada sabe deles. Uma espessa cortina de silêncio (cúmplice) é lançada sobre o mais importante jornal do Chile, e pelas agências de notícias que deveriam comunicar a novidade. Foi graças à Telesur que nos inteiramos da situação, algo que os "meios de confusão de massas" se encarregaram de silenciar.

 

Uma busca no La Nación de Buenos Aires só serve para ratificar a mesma evidência e sua "desinteressada solidariedade com Fariña e os dissidentes cubanos, sobressaindo-se em seu empenho o inefável Marito Vargas Llosa, que, dando novas mostras de sua ignominiosa capitulação ideológica, exalta os referidos cidadãos cubanos como verdadeiros "heróis de nosso tempo".

 

Claro, a respeito da greve de fome dos 31 Mapuches, não diz uma palavra. Esses não são heróis, e sim índios ‘cimarrones’ (termo usado para designar animais selvagens de parentesco com outros domesticados), que merecem apodrecer na cadeia e enfrentar um duplo processo, civil e militar. Imaginem o que Marito diria se algo semelhante ocorresse em Cuba, Venezuela, Bolívia ou Equador? Rasgaria suas vestes, gritaria aos céus, deploraria mais esse ataque ao ‘Estado de Direito’, chamaria a imprensa internacional e todos os intelectuais financiados pelo império a fim de informá-los sobre tais fatos - e os líderes do ‘mundo livre’ a sancionar os países cujos infames governantes cometem tamanho atropelo.

 

Porém, para ganhar o primeiro plano dos grandes oligopólios midiáticos que controlam de maneira quase absoluta a informação, em nível mundial, não basta uma greve de fome. Deve-se fazê-la em local apropriado: Cuba, em primeiro lugar, ou Venezuela, Bolívia ou Equador. Em outro lugar, não é notícia. "Liberdade de imprensa", dizem.

 

Convido-os a escutar, e ver, um vídeo em que a inigualável Violeta Parra descreve o drama dos mapuches: clique aqui

 

Atilio A. Boron é diretor do PLED, Programa Latinoamericano de Educación a Distancia em Ciências Sociais, Buenos Aires, Argentina.  

Website: http://www.atilioboron.com

 

Traduzido por Gabriel Brito, Correio da Cidadania.

 

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