Correio da Cidadania

Multinacionais com fortes laços com o Estado são o centro das ‘grandes’ políticas governamentais

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Traduzido por Daniela Mouro, da Redação

 

Em certas ocasiões, fatos que não parecem relevantes têm a virtude de mostrar o fundo das coisas, para desnudar o verdadeiro caráter de uma realidade política que até então não aparecia tão claramente. Algo assim aconteceu dias atrás, quando uma reportagem investigativa revelou a relação entre um punhado de construtoras multinacionais brasileiras e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

 

O fato é que metade das viagens feitas por Lula após deixar o cargo foram pagas pelas construtoras, todas na América Latina e África, onde estas empresas concentram seus maiores interesses. Desde 2011, Lula visitou 30 países, dos quais 20 na África e na América Latina. As construtoras pagaram treze dessas viagens, quase todas nas contas de Odebrecht, OAS e Camargo Correa ("Folha de São Paulo", 22 de março de 2013).

 

A investigação jornalística mostra telegramas das embaixadas do Brasil no exterior em que se afirma que as viagens do ex-presidente ajudaram a defender os interesses do país. Um telegrama enviado pela Embaixada do Brasil em Moçambique, após uma das visitas de Lula, destaca o papel do presidente como um verdadeiro embaixador das multinacionais. "Ao associar seu prestígio às empresas que operam aqui, o ex-presidente Lula desenvolveu, aos olhos dos moçambicanos, seu compromisso com os resultados da atividade empresarial brasileira", escreveu a embaixadora Ligia Scherer.

 

Em agosto de 2011, Lula iniciou uma turnê latino-americana pela Bolívia, onde chegou com sua comitiva em um avião particular da OAS, a empresa que pretendia construir uma estrada para atravessar o TIPNIS (Território Indígena e Parque Nacional Isiboro Sécure), causando enorme mobilizações das comunidades indígenas, apoiadas pela população urbana. De lá, ele continuou a viajar no mesmo avião, para a Costa Rica, onde tal empresa disputava uma licitação para construir uma estrada, o que ao final conquistou, sob financiamento de 500 milhões de dólares.

 

A atuação de Lula não é ilegal. Pelo contrário, sua atitude está em sintonia com o que costumam fazer os presidentes e ex-presidentes de todo o mundo: trabalhar para favorecer as grandes empresas de seus países. No entanto, não tem nada a ver com uma atitude de esquerda, solidária com os trabalhadores e governos progressistas.

 

As empresas em questão têm uma história muito particular e são, além do mais, grandes multinacionais. Todas elas cresceram sob a ditadura militar, à qual estavam intimamente ligadas. A Odebrecht é um conglomerado de origem familiar que atua principalmente nas indústrias de construção e petroquímica. Controla a Braskem, maior produtora de resinas termoplásticas das Américas. É uma das empresas brasileiras de maior presença internacional, tem 130 mil empregados (apenas em Angola 40.000) e fatura 55 bilhões de dólares. Tem presença em 17 países, principalmente na América Latina e na África, e 52% de suas receitas vêm de fora. Em 2008, foi expulsa do Equador pelo governo de Rafael Correa, por conta das falhas graves na construção da represa San Francisco, que obrigaram o seu fechamento um ano depois de ter sido inaugurada.

 

A Camargo Correa é a construtora mais diversificada, com investimentos em cimento, energia, siderurgia e calçados. Tem 61.000 empregados em onze países. Só na Argentina, possui a Loma Negra, a principal empresa de cimento, que controla 46% do mercado argentino, além da Alpargatas, uma das principais marcas de têxteis do país, com suas marcas Topper, Flecha e Pampero. O grupo OAS, por sua vez, tem obras em 22 países da América Latina e da África, além de 55 mil funcionários.

 

O poder das grandes empresas brasileiras se faz sentir particularmente nos países pequenos da região. Na Bolívia, a Petrobras controla metade dos hidrocarbonetos, é responsável por 20% do PIB boliviano e 24% das receitas fiscais do Estado. A construtora OAS, como vimos, provocou uma crise política e social que veio para desestabilizar o governo de Evo Morales, com quem mantém boas relações.

 

Quase todas as obras de infraestrutura incluídas no projeto de Integração da Infra-Estrutura Regional Sul-Americana (IIRSA) – mais de 500, ao custo de 100 bilhões de dólares – estão sendo construídas pelas multinacionais brasileiras. O mesmo se aplica a usinas hidrelétricas. O estatal BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) é o principal financiador das obras, mas com a condição de que o país que receba os empréstimos contrate empresas brasileiras.

 

O papel de Lula é promover "suas" empresas, contribuindo para superar as dificuldades, devido ao seu enorme prestígio e ao caixa milionário do BNDES, com mais recursos para investir na região do que a soma do FMI e do Banco Mundial. Nada ilegal, insisto, mas politicamente inconveniente para qualquer um com pretensões de ser considerado de esquerda.

 

Em 15 de março de 2011, os 20 mil operários que trabalhavam na construção da usina de Jirau, no Rio Madeira, em Rondônia, protagonizaram um dos maiores levantes das últimas décadas, queimaram os escritórios da Camargo Correa (a empreiteira da usina), os dormitórios e mais de 45 ônibus. A chamada “revolta dos peões” não foi por salários, mas pela dignidade, protestando contra as condições de trabalho de semi-escravidão. As mesmas empresas estão agora mesmo engordando mais ainda com as obras para a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016.

 

Tendo em vista as trajetórias de Lula e do Partido dos Trabalhadores, a tentação de falar de "traição" é grande. As coisas são, contudo, mais complexas. No Brasil, de forma mais intensa do que em outros países da região, estamos vendo uma profunda reconfiguração das elites. A chegada de Lula ao governo acelerou a formação de uma aliança, ou melhor, um amálgama dos grandes empresários brasileiros, quadros veteranos do aparelho de Estado (incluindo líderes militares) e um segmento pequeno, mas poderoso, do movimento sindical ligado aos fundos de pensão, que em conjunto com o BNDES fazem parte de um seleto grupo de grandes investidores.

 

Lula é o embaixador das multinacionais brasileiras, a maioria com fortes laços com o Estado, seja porque os governos lhes concedem obras gigantescas ou porque a aliança estatal-sindical tem um peso decisivo nelas. A Vale, a segunda mineradora do mundo, é controlada pelo fundo de pensão do estatal Banco do Brasil, hegemonizado pelo governo e o sindicato bancário. O mesmo se aplica a outras grandes empresas.

 

O que acaba sendo triste é ver como nobres discursos que falam sobre os direitos dos trabalhadores e a integração regional são usados ​​para lubrificar negócios que prejudicam os trabalhadores, destroem a natureza e beneficiam apenas um punhado de grandes empresas, que cresceram à sombra de uma das piores ditaduras militares deste continente.

 

Raul Zibechi, jornalista uruguaio, é docente e pesquisador na Multiversidade Franciscana da América Latina, e assessor de vários grupos.

Tradução: Daniela Mouro, Correio da Cidadania.

 

Publicado originalmente em Gara.

Comentários   

0 #7 RE: Multinacionais com fortes laços com o Estado são o centro das ‘grandes’ políticas governamentaisLeni 05-05-2013 00:43
Excelente análise de uma política cruel, que privilegiou grupos, empreiteiras, banqueiros, associações oligárquicas.
Fomos traídos por um sonho que virou pesadelo, o remendo está roto. É hora de reconstruir a República e a Democracia.
Basta de mentiras, opressão e privilégios.Basta.
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0 #6 RE: Multinacionais com fortes laços com o Estado são o centro das ‘grandes’ políticas governamentaisRenato Machado 04-05-2013 23:35
Esses são os homens de negócios do PT. Lula , Zé Dirceu, Fernando Pimentel, Palocci, Delúbio Soares, Paulo Bernardo etc,etc,etc. Lamento que mulheres e homens íntegros que contruíram o PT com muito sangue, suor e lágrimas tenham que passar por isso. Não mereciam.
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0 #5 RE: Multinacionais com fortes laços com o Estado são o centro das ‘grandes’ políticas governamentaismarcflav 03-05-2013 18:26
O deus-mídia, a plutocracia e o ex-ceo sr lula da silva



por marcflav, em 10/fevereiro/2013

... não se pode negar o carisma do exceo sr lula da silva...ele é um daqueles dos que gostam de falar ao microfone, aprendeu a comunicar-se com o microfone, sabe pausar, prender a atenção, contar a estória, um puta comunicador, usando a retórica de bardos nem tão antigos... que imaginação fértil, de homem do interior indo em busca do eldorado perdido chamado emprego, agenda pra cumprir e destino certo pra trilhar!... vive do seu passado, da memória do seu passado, que ninguém pode lhe tirar - e se aproveita naturalmente disso - é a sua vida, e ele a representa totalmente, integrado dentro dos meandros do poder... ele ascendeu, faz parte das elites, e se orgulha disso, de ser um vencedor, de ter saído do interior de pernambuco para vencer em "sampala"... e credita a pecha de burgueses invejosos às oligarquias adversárias que o desprezam, ou por xenofobia, ou "pelas abobrinhas", ou pelo falso conteúdo moral que naturalmente ele deseja compartilhar, como fazem praticamente todos os representantes do sistema, (e que o deus-mídia reproduz, incontesti), ... ora, ora, mas é assim que os plutocratas instalados no sistema funcionam, na luta pelo poder, pelo controle do estado... e os novos mandarins da res-pública também o são exatamente por isso, por inveja daqueles que já mamam nas tetas dos cofres públicos... a história se repete em muitos lugares, em muitas épocas, cabendo à sociedade de massas justificar esse teatro como "democracia"... e aos lobistas da midia, chancelar, validar, escancarando ou escondendo as mazelas conforme os interesses dos poderosos donos do dinheiro, valendo-se ou mais, ou menos, das máscaras da vez do sistema... tem pra todo mundo mas acabou... agora só pra alguns... ano que vem tem mais emprego, concurso, tem mais cargo, mais carro, tem mais orçamento, tem mais obra... tem mais futebol... tem mais eleição ou seleção... o "concorrente maior" do exceo sr lula da silva, a mim me parece, será o ceo sr silvio santos, que joga dinheiro pra platéia, perguntando "quem quer dinheiro", num desrespeito à tal de sociedade de massas, ostentação digna de um imperador sanguinário, porém ao mesmo tempo, podre-delícia circense..... mais: o que me faz refletir sobre a questão do exceo sr lula da silva reconhecer, bem sincero, que fala muita abobrinha, é que essa atitude é também uma artimanha de cordelistas na hora da performance... os bardos aprendem desde cedo a se virar nos 30s, quando falta conteúdo! porisso fica bem visível que ele é simplesmente mais um produto dessa mesma mídia que, ao que ele diz, o magoa, e é injusta... duplo-padrão, ou, usando uma metáfora pra simplificar, farinha do mesmo saco... numa espécie de disputa de campeonato, recriadas pela imaginação da ralé como deuses olímpicos, a políticagem é encenada, pelos plutocratas, nos templos do deus-mídia, numa consecução mais próxima de combates entre heróis e farsantes, e precisa, para representar as crenças e valores dos personagens mitológicos do brasil-olímpico, das figuras de um semideus, do mecenas, do protetor patriarcal, como também do ditador, do tirano, e dos novos mandarins da res-publica...e quem sustenta a "realidade" da agenda do poder concedente do estado é a mídia, é ela quem faz a cabeça e é "fazida" pela cabeça das massas... enfim, se é aceita como válida a hipótese das massas desejando satisfação de se realizarem num vencedor, líder inconteste que as guiará, a multidão silenciosa, através do abismo da vida subordinada à violência de uma economia dominada pelos controladores do dinheiro, então é aqui que a velha mídia entra, renovando-se e refletindo-se, ora na ralé, ora nos plutocratas, forjando e alimentando-se das necessidades das multidões silenciosas... a mídia é a interlocutora, o deus-mercúrio que leva-e-traz as notícias dos mercados entre os palácios e a ralé, é ela quem pode tudo mostrar e tudo esconder no rosto do comunicador.... pois assim que uma personagem entra no circuito midiático ela é rapidamente estereotipada para satisfazer as necessidades do establishment... e se quisermos compreender a carreira, a memória, os feitos e desfeitos do exceo sr lula da silva temos que considerá-lo como uma consequência do mass media, nessa antropofagia midiática chamada brasil ... e, ao examinarmos também as tacanhas análises dos fundamentalistas de plantão, veremos que ele, o exceo sr lula da silva, será considerado de esquerda, por não seguir a agenda do estabilishment e será de direita quando seguir a agenda do estabilishment... ou seja, de qualquer forma ele está preso aos plutocratas do sistema, ele não tem um pé dentro do sistema e outro fora: ele tem os dois pés dentro do sistema, e é por isso que os plutocratas o chamam de estadista: costurou um arco de alianças que finge contemplar, ou contempla provisoriamente, aos interesses de praticamente todo o sistema brasil, - da qual ainda é presidente - só que agora do conselho de acionistas, digo, dos interesses econômicos que mantém em funcionamento a bocarra insaciável do estado, dos ansiosos donos do dinheiro e de seus gerentes dos mercados... sempre, e cada vez mais, precisando urgentemente do regalo do bombocado apetitoso de mais da metade de tudo aquilo que as pessoas dessa terra produz....e, se ele, o exceo sr lula da silva ("o deus-deu"), proporcionou, através das canetadas do poder concedente, para a sociedade de massas, as migalhas, ("a usura dessa gente/já virou um aleijão"), pois foi bom aluno no cumprimento da agenda da política da ordem e do progresso (vide a carta aos brasileiros), de fato, contribuiu para o comércio, para a indústria e para o consumo, inclusive para os banqueiros e para as multinacionais no exterior, mas não para uma cultura da Política, da Etica e da Moral, mesmo porque isso não interessa... interessa é o dinheiro, pelo poder que ele representa, ao fingir satisfazer a agenda diária à qual somos todos submetidos e/ou escravizados.
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0 #4 Multinacionais com fortes laços...Luiz Carlos Ramos Cr 03-05-2013 13:54
Excelente - Elegante artigo do jornalista uruguaio - Raul Zibechi.
A atuação de Lula, pode não ser ilegal mas é imoral, quando agrega ao seu discursso bandeiras dos trabalhadores, mas na prática agrada os que exploram os trabalhadores...
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0 #3 Garoto propaganda ...Nelson Breanza 03-05-2013 12:45
Garoto propaganda do capitalismo tupiniquim, e justo das empreiteiras que junto com os usineiros, latifundiários e banqueiros são o que tem de mais podre no capitalismo nacional, mas que são também os maiores financiadores de campanhas eleitorais ... triste !!!
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0 #2 RE: Multinacionais com fortes laços com o Estado são o centro das ‘grandes’ políticas governamentaisFlaldemir Santanna 03-05-2013 12:37
Esta relação, que pode ser considerada promíscua, do Lula com os empresários começou a ficar evidente a partir de 1992. Na época, ele visitou Foz do Iguaçu e participou de um grande almoço com os empresários, a maioria contrabandistas da fronteira, enquanto deixou os militantes esperando que desse o ar da sua graça na porta do luxuoso Hotel onde ele estava...
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0 #1 RE: Multinacionais com fortes laços com o Estado são o centro das ‘grandes’ políticas governamentaisreynaldo 03-05-2013 11:43
É isso, caro Raul, o que está acontecendo, com o álibe de serem de esquerda e progressistas, essa turminha está fazendo o jogo sujo da direita em todas as áreas, e sem oposição de esquerda, o que configura uma ditadura de direita. O camponês, o índio, o ribeirinho, o aposentado, o servidor público, estão sendo massacrados. Lula é o típico novo rico, vingativo e deslumbrado e Dilma é uma verdadeira dama de ferro tupiniquin. Tristes trópicos.
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