Correio da Cidadania

Equador: o fim da moratória petroleira na Amazônia

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Uma das iniciativas ambientais mais originais dos últimos anos, originada no Equador, buscava deixar o petróleo na terra para preservar a Amazônia e seus povos indígenas. Era uma ideia construída pela sociedade civil que se concretizou em 2007, durante o primeiro governo de Rafael Correa, focando proteger o Parque Nacional Yasuní e suas áreas adjacentes (conhecidas pela abreviatura ITT). Esses esforços terminaram poucos dias atrás, quando o governo anunciou o cancelamento dessa iniciativa e permitiu a exploração do petróleo.

 

A ideia de uma moratória petroleira em Yasuní-ITT estava amadurecida há muitos anos, mas contou com um marco excepcional outorgado pelo sistema de direitos aprovados na nova Constituição de 2008. Nela se organizam melhor os direitos à qualidade de vida das pessoas, a regulação do uso dos recursos naturais e a segurança dos povos indígenas. Em paralelo a isto, reconheceu-se pela primeira vez os direitos da Natureza de Pachamama. Assim foi estabelecido um mandado constitucional ecológico, que, para ser cumprido, não poderia permitir uma atividade de tais impactos, como a exploração petroleira em Yasuní-ITT.

 

Nas etapas seguintes, o governo manteve a moratória petroleira, mas começou a buscar opções alternativas para realização de compensação econômica.  Naquela época se fundamentou que o Equador perderia uma estimativa de mais de 7 bilhões de dólares por não extrair os 920 milhões de barris de petróleo bruto que estava debaixo de Yasuní-ITT. O presidente Correa afirmou que, se fizesse um fundo de compensação de pelo menos metade desses ganhos perdidos, manter-se-ia a suspensão petroleira.

 

A condição para a proteção da área passou  a estar, desde então, na coleta de 3,6 bilhões de dólares. Foram concebidos diferentes mecanismos e justificativas para implementar este fundo internacional, onde os governos, empresas ou pessoas puderam depositar dinheiro. A ideia era sensata, já que existem muitos argumentos pelos quais outros governos, especialmente do norte industrializado, deveriam agora apoiar solidariamente a proteção da biodiversidade, abandonando assim sua postura clássica de apropriar-se vorazmente dos recursos do sul.

 

Mas, com o passar do tempo, o aparato conceitual governamental começou a balançar. Por um lado, insistia-se cada vez mais na ideia da compensação ou indenização econômica. Por outro lado, começou a cair em segundo plano a fundamentação baseada nos direitos da natureza e a serem priorizados argumentos focados em deter a mudança climática global. Argumentava-se que o petróleo deveria ser mantido embaixo da terra para evitar que, uma vez extraído e queimado em algum local, os gases produzidos aumentassem o aquecimento global. Assim, a proposta era sobretudo uma compensação econômica para evitar um aumento na mudança climática do planeta.

 

A iniciativa Yasuní-ITT era vista com muito interesse pela comunidade internacional e despertava muitas ilusões entre vários movimentos sociais, ao ser um exemplo de uma transição pós-petroleira. Mas sempre sofreu tensões, como o constante lembrete governamental de passar para um “plano B”, que consistia em exportar esse petróleo amazônico, e também contradições, como no caso das declarações presidenciais contra os possíveis doadores internacionais.

 

O presidente Correa acaba de apresentar vários argumentos para cancelar esta iniciativa de moratória em Yasuní-ITT. Um deles foi denunciar a falta de apoio da comunidade internacional, classificando-a de hipócrita. Em parte ele tem razão, já que muitas nações industrializadas cresceram graças à exploração de recursos do sul, e a iniciativa Yasuní-ITT permitiu começar a reembolsar estas dívidas. Mas tampouco pode minimizar que, ao condicionar a moratória do petróleo a uma compensação econômica, cai em uma contradição irreparável. E que o mandato constitucional equatoriano obriga a proteção desse tipo de área, tanto para proteger os direitos dos indígenas, como os da natureza. Torna-se muito difícil pedir a outros governos uma ajuda financeira para cumprir com uma obrigação constitucional própria. Uma analogia adequada seria a de um país que
pede ajuda financeira a outro para as suas despesas no atendimento à saúde de suas crianças.

 

Outro argumento presidencial se baseia em uma atitude de otimismo tecnológico, sustentando que pode agora haver uma exploração de petróleo na Amazônia que minimize os impactos. Esta atitude é muito comum em vários governos, mas é especialmente paradoxal no Equador, já que ali se viveu na própria pele os duros impactos de se extrair petróleo na Amazônia. Isto se tornou evidente no processo contra a Texaco-Chevrón. Informação científica disponível em profusão deixa claro os graves impactos das petroleiras em ambientes tropicais..

 

O combate à miséria é outro dos argumentos presidenciais para cancelar a moratória do petróleo. Esta é uma posição que suscita muitas adesões, e se deve de fato celebrar que se utilizem os recursos naturais em benefício do país, ao invés de alimentar os cofres de empresas transnacionais. Mas falar não resolve o problema de como garantir que isso aconteça. Trata-se de mais ou menos o mesmo que é sustentado por empresas (quando prometem, por exemplo, que a mineração resolverá a pobreza local e gerará emprego); que repetem alguns governos ideologicamente muito distintos (supõe-se que a ‘locomotiva mineradora’ de Santos reduzirá a pobreza da Colômbia); e que está no núcleo conceitual do desenvolvimento convencional (que acredita que todo aumento de exportação impulsionará o produto interno e, com isso,  reduzirá a pobreza).

 

Há muitos passos intermediários entre extrair um recurso natural e reduzir a pobreza, e é precisamente nessas etapas onde se originam muitos problemas. Estes vão desde os duvidosos benefícios econômicos deste tipo de extrativismo (já que o Estado ganharia por um lado, por exportar petróleo, e perderia por outro, ao ter que lidar com impactos sociais e ambientais), ao papel do intermediário (onde as empresas, estatais ou privadas, do norte ou de amigos do sul, só são bem sucedidas quando maximizam sua rentabilidade; e quase sempre à custa do meio ambiente e das comunidades locais).

 

A decisão de Correa gera contradições em diversos níveis. Ao liberar as petrolíferas, põe-se em risco imediato um ecossistema de alta biodiversidade e os povos indígenas que o habitam (incluindo aqueles que vivem em isolamento). Dissipa-se o intento de aplicar uma alternativa pós-petróleo, e a capacidade de servir como exemplo para os demais países. A medida equatoriana, sem dúvidas, incentivará ainda as pressões sobre as áreas protegidas que existem, por exemplo, no Peru e Bolívia. Também mostra que o país não cumpre as promessas de diversificação produtiva e volta à posição de provedor de matérias primas.

 

Mas o impacto mais forte tem sido, muito provavelmente, sobre o marco constitucional dos direitos da natureza. Ao final de seu discurso, Correa regressou à velha oposição da década de 1970, desenvolvimento versus conservação ambiental, quando diz que “o maior atentado aos direitos humanos é a miséria e o maior erro é subordinar esses direitos humanos a supostos direitos da natureza: não importa que haja fome, falta de serviços... o que importa é o conservacionismo ao extremo”.  Nenhum ambientalismo defende a miséria, e sim denuncia que, por trás da defesa do crescimento econômico, não só se pode desembocar em maiores desigualdades sociais, como também na destruição do ambiente natural.

 

Para além desse espectro, o  grande problema é que, nesta fase, os direitos da natureza se colocam como uma pré-condição. Se estes direitos são deixados de lado, prevalecerá o desenvolvimento convencional, com uma nova vitória do petróleo, já que os impactos sociais e ambientais não têm valor econômico. Os direitos da natureza funcionam como  uma reação a este tipo de raciocínio. Não são somente uma concessão às plantas e animais, ou aos ambientalistas, mas uma necessidade para proteger efetivamente os povos e seu patrimônio natural.

 

Tudo isso conduz à angustiante pergunta de, se no dia em que caiu a moratória petroleira na Amazônia do Equador, também não começaram a desaparecer os direitos da natureza.

 

Leia também: "Yasuni, mudança de matriz produtiva e acumulação
primitiva do capital ", Mario Ramos.
http://www.alainet.org/active/66533

 

Eduardo Gudynas é pesquisador do CAES (Centro Latino-Americano de Ecologia Social), em Montevidéu.

Twitter: @EGudynas

Traduzido por Daniela Mouro, Correio da Cidadania.

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