Brasil: um incrível (e enorme) erro geopolítico
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- Atilio A. Boron
- 17/01/2014
Uma das derivações mais inesperadas da crise nas relações entre Brasil x Estados Unidos, a mesma que dera origem ao duro discurso da presidente Dilma Rousseff ante a Assembleia Geral da ONU e o cancelamento da “visita de Estado” a Washington – programada para outubro passado – repercutiu diretamente sobre um tema que rondava os despachos oficiais de Brasília, desde 2005, e que há até poucos dias permanecia irresoluto: a muito controvertida renovação da frota de 36 aviões-caças que o Brasil precisa para controlar seu espaço aéreo e, principalmente, a enorme bacia amazônica e sub-amazônica.
Na opinião de especialistas brasileiros, a frota de que dispõe atualmente o país é obsoleta ou, no melhor dos casos, insuficiente, e a necessidade de sua urgente renovação não poderia demorar. Mesmo assim, depois de anos de estudos, informes e provas não se chegava a um acordo entre os atores envolvidos na decisão.
As propostas consideradas pela licitação convocada em 2001 pelo governo brasileiro eram três: o Boeing F/A-18 E/F Super Hornet (originalmente fabricado pela empresa norte-americana McDonnell Douglas, posteriormente adquirida pela Boeing); os Dassault Rafale da França; e o SAAB Gripen-NG sueco. Uma alternativa, descartada ab initio por razões nunca esclarecidas, mas indubitavelmente políticas, foi o Sukhoi Su-35, de fabricação russa.
Assim, em um primeiro momento uma parte majoritária do alto mando da Força Aérea Brasileira (FAB) e diversos setores da burocracia política e diplomática de Brasília se inclinavam em adquirir os novos equipamentos dos Estados Unidos, enquanto outros favoreciam os Rafale franceses, e um setor francamente minoritário os Gripen-NG suecos.
O dissenso conduziu à paralisia e Lula, pese sua indiscutível autoridade, teve de se resignar em terminar seu mandato sem poder resolver o impasse, ainda que fosse conhecido por todos que se inclinava pelo Rafale. A indecisão terminou há alguns dias, com uma decisão muito desafortunada – a menos ruim, mas muito longe de ser a melhor –, como se verá mais adiante: a aquisição dos Gripen-NG suecos.
Brechas em uma relação muito especial
A surpreendente revelação da espionagem realizada por Washington sobre o governo e a dirigência do Brasil – quer dizer, um país que sempre foi um de seus mais incondicionais aliados nas Américas – estava chamada a inclinar o fiel da balança contra os F-18.
Incondicionalidade no vínculo de sucessivos governos brasileiros com os Estados Unidos, dizíamos, que era arqui-sabida, mas que veio irrefutavelmente à luz com a desclassificação, em agosto de 2009, de um memorando da CIA, no qual se dava conta do “construtivo” intercâmbio de ideias, travado em 1971, entre os presidentes Emilio Garrastazu Médici e Richard Nixon, com o propósito de explorar modalidades idôneas para desestabilizar os governos de esquerda em Cuba e Chile.
O anterior é um dos muitos exemplos de “colaboração” entre Brasília e Washington. Basta recordar a participação do Brasil na segunda guerra mundial, batalhando lado a lado com o US Army, ao que podemos agregar mais um: em fevereiro de 1976, Henry Kissinger viajou ao Brasil para formalizar o que pretendia ser uma sólida e duradoura aliança entre o gigante sul-americano e os Estados Unidos.
A humilhante derrota sofrida no Vietnã exigia o pronto fortalecimento das relações com a América Latina que, tal como Fidel e Che repetiram até o cansaço, é o quintal estratégico do império. Nada melhor que começar pelo Brasil, em cuja capital Kissinger foi recebido como uma celebridade mundial e firmou um histórico acordo com o ditador brasileiro Ernesto Geisel.
Segundo ele mesmo, os dois maiores poderes do hemisfério ocidental (para usar uma linguagem da época) se comprometiam em manter consultas regulares, e no mais alto nível, sobre assuntos de política exterior. Subjazia este acordo o conhecido axioma de Kissinger, que diz que “para onde se inclinar o Brasil, se inclinará a América Latina”.
Acordo que morreu ao nascer, porque, como recorda permanentemente Noam Chomsky, Washington não admite restrição alguma a suas decisões, tanto se brotam de um tratado bilateral como de qualquer outra fonte do direito internacional. Se a Casa Branca quer consultar, o faz, mas não se sente obrigada a isso, muito menos a se submeter aos termos de um tratado ou uma convenção. Em todo caso, o anterior revela intenção de ambas capitais em coordenar suas políticas.
Neste contexto histórico, a coordenação se produziu no terreno das atividades repressivas a desenvolver-se no Cone Sul, como demonstra com sobras o sinistro Plano Condor. Em datas mais próximas, em 2007, Lula e George Bush firmaram um acordo para compartilhar tecnologia com o propósito de fomentar a produção de agrocombustíveis – bom negócio para os Estados Unidos, depredação ecológica para Brasil – reforçando novamente os tradicionais “laços de amizade e cooperação” entre Washington e Brasília.
Agora, bem: a ilegal – além de ilegítima – interdição dos cabos, mensagens e telefonemas da presidente brasileira (assim como muitos governantes e funcionários de outros países da área) teve, no caso do Brasil, um agravante de muito peso, porque Washington também incorreu em erro grosseiro contra a Petrobras. Não era aventurado, portanto, prognosticar que esse cúmulo de circunstâncias, quase certamente, precipitou o desenlace da prolongada indecisão em relação ao reequipamento da FAB. Depois do ocorrido, seria uma insensatez que o Brasil decidisse renovar seu material aéreo com aviões estadunidenses. Mas quais seriam as alternativas? Como substituir aquele que, publicamente, era o avião predileto da FAB?
Alternativas de reequipamento
Um relatório secreto da própria FAB, de janeiro de 2010 (alguém se encarregou de vazar para a imprensa), e enviado ao Ministério da Defesa para avaliar os três principais candidatos à renovação da frota de caças, classificava os Gripen-NG claramente atrás do francês Rafale e do F-18 Super Hornet. De acordo com o relatório, as suas capacidades técnicas e militares eram inferiores aos dos seus congêneres franceses e norte-americanos.
É verdade também que seu preço era inferior, estimado em 70 milhões de dólares, enquanto o preço do F-18 girava em torno de $ 100 milhões e o Rafale, muito mais caro, aumentava para 140 milhões. Uma vez que o relatório foi divulgado, em seguida, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, foi rápido para esclarecer duas coisas: primeiro, que a decisão final sobre a aquisição da aeronave seria tomada pelo governo e não pela FAB; em segundo lugar, descartou-se, em concordância com Lula, declarando que o preço da aeronave poderia tornar-se um fator determinante na decisão.
A possibilidade insinuada na época por Nicolas Sarkozy de que o Brasil poderia receber tecnologia e fabricar o Rafale em suas próprias instalações industriais e, em seguida, vendê-las – embora apenas na América Latina –, foi o que inclinou Lula em favor do Rafale. Mas a sua decisão não convenceu a liderança da FAB e de outros setores do governo, favoráveis firmemente a fechar o negócio com a Boeing. É claro que, ao contrário do francês, o construtor do Super Hornet não parecia muito disposto a falar sobre a transferência de tecnologia, ao que se somou o fato de que a história recente registrou um precedente preocupante: "o regime de Washington" costumava proibir a venda de peças de reposição de aviões norte-americanos para países classificados pelo Departamento de Estado como "hostis aos Estados Unidos" ou "não cooperativos", na nebulosa e vaga guerra contra o narcotráfico e o terrorismo internacional. Ou seja, um país que teve a audácia de fazer uma política de não alinhamento com os EUA. E este era um risco que não poderia ser subestimado pelos compradores.
Em outras palavras, enquanto o Super Hornet parecia mais atraente, tanto economicamente como pela sua tecnologia avançada e pela continuidade que ofereceria com parte da dotação atual da FAB, o fato é que o incidente diplomático ligado à espionagem, unido ao risco de que, em caso de um conflito entre Brasília e Washington, este fizesse com o Brasil, por exemplo, o que fez há pouco mais de dez anos com a Venezuela chavista, contribuiu para enfraquecer a frente "pró-americana".
Como se pode recordar, na ocasião o presidente George W. Bush impôs um embargo à venda de partes e peças de reposição e, mais importante, ao envio dos sistemas computadorizados de navegação e combate que, como os softwares dos computadores, se renovam a cada poucos meses. E sem a versão mais recente, o “hardware”, neste caso dos aviões, deixa de prestar os serviços que se espera deles. Bastaria, no caso de uma disputa, a Casa Branca decidir embargar, ainda que temporariamente, o fornecimento de novas versões desses sistemas para que estes aviões permanecessem praticamente inutilizados e a Amazônia desprotegida. Se foi feito com Chávez, por que não repetir esse comportamento no caso de um conflito de interesses com o Brasil?
Lamentável ausência de uma reflexão geopolítica
A paralisia que bloqueou por tanto tempo a renovação de material aéreo da FAB seria facilmente destravada se as pessoas envolvidas na tomada de decisão tivessem formulado esta simples pergunta: “quantas bases militares na região têm cada um dos países que nos oferecem suas aeronaves para monitorar nosso território”?
Se eles tivessem a resposta, teria sido: a Suécia não tem nenhuma; a França tem uma base aeroespacial na Guiana Francesa, administrada em conjunto com a OTAN e com a presença de militares norte-americanos; já os EUA, têm 77 bases militares na região (última contagem, a partir de dezembro de 2013), um punhado delas alugadas ou co-administradas com três países, como Reino Unido, França e Holanda. Algum burocrata do Itamaraty ou algum militar brasileiro treinado em West Point pode argumentar que estes estão em países distantes, que são no Caribe e cuja missão é monitorar a Venezuela bolivariana.
Mas eles estão errados: a dura realidade é que, enquanto esta é perseguida por 13 bases norte-americanas em seus países vizinhos, o Brasil está literalmente cercado por 24, que passam a ser 26 se somarmos as duas bases britânicas ultramarinas disponíveis para os EUA – via OTAN – no Atlântico equatorial e Atlântico Sul, as Ilhas Falkland e Ascensão, respectivamente. E no meio da linha imaginária se encontra nada menos que o grande campo petrolífero do Pré-Sal. É óbvio que comprar armas de quem ameaça com tão formidável presença militar não parece exemplo de sabedoria e astúcia na sofisticada arte da guerra.
Por outro lado, ao adotar uma decisão dessa envergadura, deveria ter sido ponderada a probabilidade de algum tipo de conflito aberto, inédito até agora na história das relações brasileiro-estadunidenses, mas não por isso impossível. Probabilidade extremamente baixa, mas não inexistente, se de Rússia ou China se trata, mas cada vez maior no caso dos Estados Unidos ou alguns de seus “proxis” – talvez “seguidores” seria o termo mais apropriado – europeus, embarcados em uma caça cada vez mais violenta e inescrupulosa de recursos naturais.
Portanto, as chances de que no curso dos próximos dez ou quinze anos possa surgir um sério enfrentamento entre Brasília e Washington pela disputa de algumas das enormes riquezas abrigadas na Amazônia – água, minerais estratégicos, biodiversidade etc. – ou pela eventual recusa do Brasil em seguir os Estados Unidos em uma aventura criminosa, como a que planejam contra Síria e Irã, ou a que executaram na Líbia e Iraque, não são nada marginais.
Além disso, diríamos que os Estados Unidos, assediado pela desestabilização da ordem neocolonial imposta no Oriente Médio com a ajuda de aliados tão nefastos como Israel e Arábia Saudita, e suas crescentes dificuldades na Ásia, põem em questão o fornecimento de petróleo e de matérias-primas e minerais estratégicos demandados por sua ganância insaciável de consumo.
Essa combinação de fatores torna altamente provável que, mais cedo ou mais tarde, um claro confronto entre Washington e Brasília seja acionado. Se tal evento fosse um mero jogo de imaginação e de muito baixa, se não nula, probabilidade de ocorrência, não dá pra entender as razões pelas quais tantas bases dos EUA são implantadas ferreamente, cercando o Brasil por terra e mar.
Se Washington o fez não foi por acidente ou acaso, mas na expectativa de alguma disputa que seus estrategistas estimaram que seria difícil ou impossível de resolver por meios diplomáticos. Se instalaram as bases é porque, sem dúvida, o Pentágono contempla a hipótese de conflitos com o Brasil. Caso contrário, as custosas implantações de tais unidades de combate seriam ridículas e completamente incompreensíveis.
A chantagem estadunidense sobre os aviões europeus
Dado este fato inocultável, uma parte crescente dos atores deste processo de decisão começou a inclinar-se para os Rafale franceses, até que o presidente François Hollande jogou ao mar toda a tradição gaullista ao declarar que seu governo estava disposto a endossar qualquer plano criminoso de Barack Obama para bombardear a Síria!
O anúncio foi feito depois que o Parlamento britânico recusou-se a acompanhar a estranha iniciativa, com a qual fez surgir de imediato a seguinte questão: que garantias poderia ter o Brasil de que, em uma disputa com os Estados Unidos, Paris não se curvaria ante um pedido da Casa Branca de bloquear o envio de peças e softwares para os Rafales adquiridos pelo Brasil?
Se, apenas alguns meses atrás, Hollande demonstrou cumplicidade incondicional com um plano criminoso, como o bombardeio indiscriminado da Síria, por que pensar que agiria de modo diferente em um conflito aberto entre Brasília e Washington? Nesse caso, a Casa Branca iria recorrer ao manual, contendo seus "procedimentos padronizados de operação" (SOP, sigla em inglês), e rapidamente denunciaria que Brasília "não colabora" na luta contra o terrorismo e o tráfico de drogas, tornando-se assim uma ameaça à "segurança nacional" dos Estados Unidos e, se escondendo atrás de um ato do Congresso, embargaria a remessa de peças e softwares para o país sul-americano, ao fazer o mesmo pedido aos seus aliados europeus. Pode-se confiar na França ou, no caso, a Suécia não se dobraria às exigências norte-americanas? De jeito nenhum!
Vejamos o registro histórico: atualmente, países como a Coreia do Norte, Cuba, Irã, Síria, Sudão e, para certos produtos, a República Popular da China, são vítimas de diversos tipos de embargos, e em todos os casos Washington conta com a solidariedade de seus comparsas europeus. No caso de Cuba, o mais radical de todos, o que é mais do que um embargo para certos tipos de produtos, é um bloqueio integral, cujo custo para os cubanos equivale a dois Planos Marshall ao contrário.
No que diz respeito aos aviões franceses e suecos, o governo brasileiro deveria saber qual a proporção de peças e tecnologia estadunidenses do Rafale e do Gripen-NG. Porque se tiverem mais de 10% - não de todo o avião, mas de cada uma de suas partes principais: de navegação, fuselagem, sistemas eletrônicos, informática etc. – bastaria para que, em caso de conflito com o Brasil, Washington exigisse a aplicação de um embargo, sem que os governos atuais (e previsíveis) da França ou Suécia pudessem recusar-se a obedecer, sob pena de violar a legislação concebida para assegurar nada menos do que a segurança nacional dos Estados Unidos.
Tome nota do seguinte: o motor que impulsiona o Gripen-NG é um desenvolvimento de uma turbina fabricada pela empresa dos EUA General Electric. Só isso já é o suficiente para que, diante de uma controvérsia entre Washington e Brasília, a Suécia se veja obrigada a interromper o fornecimento de peças e softwares para os aviões vendidos ao Brasil, a menos que esteja disposta a enfrentar os custos de um sério conflito com os Estados Unidos.
Sukhoi: a carta russa
Deste modo, a única coisa que poderia garantir a independência militar do Brasil seria ter adquirido seus aviões em países que, por seu poder, por razões de sua própria inserção no sistema internacional e por sua estratégia diplomática fossem isentos do risco de se tornarem obedientes executores dos mandatos da Casa Branca. Só existem dois países que detêm essas características e contam com a capacidade tecnológica para construir aviões de caça de última geração: Rússia e China, fabricantes do Sukhoi e o Chengdu J-10, respectivamente.
Consequentemente, o debate sobre quem forneceria as novas aeronaves ao Brasil – e aos países com os quais partilha a Bacia Amazônica! – chegou abruptamente a um ponto completamente inesperado: descartados os F-18 e os Rafale, a opção mais razoável seria abrir novas licitações e permitir a entrada dos aviões russo e chinês. Infelizmente, este não foi o caminho escolhido por Brasília.
Alguém poderia se perguntar o que há de errado com os Gripen-NG suecos. Não só o que indica o relatório secreto vazado à imprensa e detalhado acima, mas também do ponto de vista político, não há garantia alguma de que Estocolmo – ou seja, a Suécia de hoje, não a que existia nos tempos de Olof Palme, que por algum motivo foi assassinado – vá se comportar de forma diferente, ante uma requisição de Washington de embargar a remessa de peças e softwares para os Gripen-NG à FAB. Por isso, em 18 de dezembro de 2013, o ministro da Defesa do Brasil, Celso Amorim, anunciou os resultados da licitação, com premiação da empresa sueca SAAB, fabricante dos Gripen-NG. "A escolha foi baseada em critérios de desempenho, transferência de tecnologia e custo", disse ele na conferência de imprensa convocada para esta finalidade.
Infelizmente, a eleição não considerou as decisões mais importantes para a tomada de decisões em matéria de auto-determinação e critérios de defesa nacional: a geopolítica. Como poderia ignorar um relatório oficial do Parlamento Europeu, de 14 de fevereiro de 2007, que estabeleceu que, após os atentados de 11 de setembro – entre 2001 e 2005 – a CIA operou 1.245 voos ilegais no espaço aéreo europeu, transferindo “presos fantasmas” ("ghost detainees") a centros de detenção e tortura na Europa (especialmente na Romênia e Polônia) e no Oriente Médio?
Entre os governos que se prestaram a tão sinistro tráfego, se encontra o país onde se fabrica os aviões encarregados de vigiar o espaço aéreo brasileiro, a Suécia. Apesar de ter sido citada no relatório, não é acusada de ter admitido “interrogatórios” em seu território, mas permitiu que esses “voos da morte” norte-americanos encontrassem apoio logístico em seus aeroportos. Sendo assim, como confiar que um país que se presta a uma manobra tão atroz de violação aos direitos humanos possa se recusar a “colaborar” com Washington, em caso deste solicitar interromper o fornecimento de peças e softwares dos Gripen-NG para a FAB?
Conclusão
Por isso dizíamos antes e reiteramos agora, com mais ênfase, que a única escolha verdadeiramente autônoma da presidente Dilma Rousseff seria comprar o russo Sukhoi, mesmo à custa de ter de suportar as críticas virulentas dentro e fora do Brasil.
Dentro, porque a ninguém escapa o fato de existirem setores internos que propõem esquecer a América Latina e militam a favor de uma aliança incondicional com os Estados Unidos e a Europa, em que prevalece a mentalidade dominante da Guerra Fria que os Estados Unidos se esforçam em manter viva ao longo dos anos, com um pouco de maquiagem.
Por exemplo, não se fala do “perigo soviético”, mas da “ameaça terrorista” da Rússia, ao dar asilo e proteção ao ex-agente da Agência de Segurança Nacional (NSA) Edward Snowden. Isso confirma que não se está do lado da liberdade e da democracia, mas precisamente na linha de frente oposta. E críticas fora do Brasil, porque os Estados Unidos não só haviam pressionado pelo aborto de uma possível decisão a favor dos Sukhoi, mas que, em caso de concretização da aquisição, hostilizaria Brasília com condenações e sanções de todo tipo.
A ambição desmedida do imperialismo e seus abusos sistemáticos à legalidade internacional e à soberania nacional brasileira não deixaram à presidente Dilma Rousseff nenhuma outra alternativa. Sua única saída para garantir o controle da bacia amazônica, mais por necessidade do que por convicção, eram os Sukhoi. Qualquer outra opção colocaria seriamente em risco a autodeterminação nacional.
Lamentavelmente, estas considerações geopolíticas não foram levadas em conta e se tomou uma péssima decisão – menos mal, porque pior teria sido adquirir os F-18 – mas ruim, porque no final é antagônica aos interesses nacionais brasileiros e, por consequência, às aspirações de autodeterminação da América do Sul. Com esta decisão, o Brasil poderá monitorar a integridade da Amazônia somente enquanto não existir uma disputa com os Estados Unidos ou algum de seus companheiros. Mas se houver um conflito o Brasil estará completamente desarmado, refém das chantagens e da prepotência de Washington.
O problema não era tão somente com os aviões da Boeing, mas também com os de qualquer outro país que previsivelmente se mostrasse solícito diante das requisições de Washington, como todos os europeus. Comprar os aviões de caça dos aliados que espionam as autoridades e as empresas brasileiras do país com vinte e seis bases militares é um gesto inacreditável de insensatez política e que revela um imperdoável amadorismo na arte da guerra, erros estes que vão custar muito caro ao Brasil e, consequentemente, a toda a América do Sul.
Com a aquisição dos Gripen-NG, se desperdiçou uma grande oportunidade de avançar na autodeterminação militar, pré-requisito da independência econômica e política. O Brasil não só tomou uma péssima decisão que prejudica a sua soberania, como também perdeu a UNASUL, porque com ela difilculta a clara percepção de quem é o verdadeiro inimigo que nos ameaça com sua infernal maquinaria militar.
Portanto, é um momento muito triste para a nossa América. Como se costuma dizer no jargão de jogos de guerra, "game over", e, infelizmente, ganharam os vilões! Esperemos que os movimentos sociais e as forças políticas patrióticas antiimperialistas no Brasil tenham a capacidade de reverter uma decisão tão infeliz.
Atilio Borón é sociólogo e professor da Universidade de Buenos Aires.
Traduzido por Daniela Mouro, do Correio da Cidadania.
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