Liberdade ao professor colombiano Francisco Toloza
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- Néstor Kohan
- 04/02/2014
A todo tempo, aprisionam nossos companheiros. Cansamos e nos desgastamos. Não há mês que não tenha que escrever solidarizando-me com algum revolucionário que acabaram de prender. Isto se chama liberdade? Isto se denomina “pluralismo”? Isso é “o mundo livre”? Por favor! Soltam um e no dia seguinte prendem outro. Acabam de soltar o cantor e compositor Julián Conrado e no mesmo momento prenderam o professor Francisco Toloza. Mantêm-nos “ocupados” pedindo e reclamando todo o tempo “soltem o fulano”, “libertem o ciclano”.
Na Colômbia, também na Argentina, Paraguai, em todo o continente. Não basta ver um líder grevista no cárcere que já há outro agricultor sendo preso. Acabaram de soltar um cantor popular e já prenderam um conhecido professor universitário. E é nesse vai e vem que vamos levando a vida. Visitando presos, escrevendo todo tempo estas cartas de solidariedade, tentando conter a repressão, a perseguição, a demonização. Até quando?
E enquanto isso... Eles seguem fazendo seus negócios sujos. Negócios imundos. Com seu sorriso cínico na boca. Mostrando sempre os dentes em cada fotografia, como se fossem modelos da TV que fazem anúncios de creme dental. Falsidade. Seus sorrisos são de fachada. Cinismo nu e cru. Não é uma risada aflorada, relaxada de alegria espontânea e serenidade de espírito. É um sorriso artificial para a foto, duro, petrificado, premeditado, planificado, manipulado. Riem enquanto destilam veneno, odeiam e encarceram o povo. Gente má. Sim, gente má. Não só exploram, degradam, humilham o nosso povo, como entregam nossas riquezas e recursos naturais. São gente má. Sua risada é como a de uma hiena.
O conhecido intelectual, professor universitário colombiano, foi preso. Seu nome é Francisco Toloza. Desta vez se trata dele. Não bastou prender o professor Miguel Ángel Beltrán, grande conhecedor da historiografia sobre Simón Bolivar e do pensamento teórico de José Martí. Não ficaram satisfeitos com as ameaças de morte ao professor Renán Vega Cantor, erudito da sociologia e grande pesquisador colombiano. Não. A lista segue. Agora é Toloza, o jovem e valente intelectual Francisco Toloza. “Pacho” Toloza, para seus amigos e companheiros.
Todos eles vêm a Buenos Aires, passam por aulas universitárias na Argentina, compartilham seus saberes, suas leituras, seus livros, suas teorias, seus debates. O movimento estudantil argentino, seus professores, seus pesquisadores universitários e cientistas são conhecidos. E com todo sabor amargo na boca, com todo ácido no estômago, entendemos agora que estão presos, que são caçados como moscas. São tratados como se fossem delinquentes. Que desgosto. Não escondemos o que sentimos. Que desgosto. Que classe social dominante corrupta, desgraçada, mafiosa, lumpem, que não pode permitir o que até uma burguesia lúcida e bem pensante se permitiria: que haja um par de intelectuais que opinem diferente, que escrevam seus livros, que deem palestras. Não. A burguesia colombiana, submissa e obediente à humilhação do imperialismo norte-americano, em momentos mais papistas que o papa, persegue sem piedade até o último pensador que se atreve a escrever duas linhas expressando um pensamento diferente.
E não só perseguição sistemática a todo pensador, a todo o escritor e a toda voz dissidente. Valas comuns. A última que se encontrou (até onde temos notícias) abrigava nada menos que 2.000 (dois mil) cadáveres sepultados com NN, sem nome nem apelido, sem tumba individual. Nem mesmo um único símbolo religioso para dar conforto à família de cada morto. Nem isso! Não era uma vala comum de cinco décadas ... Era o ano de ... 2007. Muito recente! Nada diferente do Chile de 1973 ou Argentina de 1976.
Até quando vamos continuar permitindo isso? Até quando vamos continuar a aceitar que este país se chame no concerto internacional das nações modernas de "democráticos" e "constitucionais"? Por que o Estado da Colômbia continua a fazer parte das agências multilaterais latino-americanos sem receber sanções diplomáticas ou comerciais que de uma vez por todas disciplinem sua classe dominante e a obrigue, goste ou não, a garantir os direitos democráticos, mesmo que sejam mínimos, típicos de qualquer país burguês? Aqui, não se trata de direitos populares ou socialistas. Não! Na Colômbia, nem os direitos legais burgueses são respeitados. Nem sequer isso.
O professor Francisco Toloza, muito preparado, extremamente lido, culto, erudito, persuasivo, grande orador, inundava cada uma de suas orações com dados empíricos e bibliografia atualizada. A primeira impressão que tivemos dele foi impactante. O professor Francisco Toloza fala rápido e sem parar. Com entusiasmo e energia que não tenta dissimular.
Por trás de suas grandes lentes de plástico preto, sua boina que nunca abandona, tira e põe, volta a tirar e assim fica durante horas, movendo as mãos, fazendo gestos, e que tanto proporciona números esmagadores, dados empíricos, demolidores da sociedade oficial colombiana. Conhece a dedo a história do seu país, sua formação sociológica e sua formação econômico-social.
Mas como viajou por vários países representando a sua organização social e política, a Marcha Patriótica, ao mesmo tempo vai descrevendo a situação do movimento popular de vários países da América Latina. E a coisa não acaba aí. Começa a falar de Europa Ocidental e dá detalhes de cada país europeu, suas tendências, seus debates, como se encontra o movimento trabalhador, estudantil, o que pensam em cada país e em cada movimento popular europeu de Nossa América. Sem falar como o professor Francisco Toloza provoca impacto.
Conhecemo-nos pessoalmente em Buenos Aires. O professor Toloza estava pedindo e clamando por solidariedade para a federação estudante universitária. Entramos em contato, juntamente com Atilio Boron e Jorge Beinstein, todos os professores da Universidade de Buenos Aires (UBA). Certamente deve ter falado com outros pesquisadores também. Depois disso nos encontramos novamente no México, em um seminário internacional organizado anualmente pelo Partido Trabalhista (PT) do México, com participacao de intelectuais de todo o mundo, incluindo a América do Norte e Europa. Em meio à multidão, ouvimos com surpresa: "Ei, professor Nestor! Como está? Tomamos uma cerveja? Quer conversar um pouco?” (sempre me fez rir ao me chamar de "professor", quando na prática Toloza sabe muito mais do que nós uma enorme quantidade de temas).
Suspeitei que, talvez, fosse um costume colombiano falar dessa maneira. E com essa cerveja compartilhamos novamente por horas a bagagem de fatos, números, livros, artigos, textos e debates. Uma grande preparação intelectual. O mesmo estilo de Renan Vega Cantor e Miguel Angel Beltran. Não é por acaso que todos eles têm sido "marcados" pelos poderosos da Colômbia e seu aparato de vigilância e repressão. Não é por acaso que na Colômbia têm sido perseguidos, ameaçados ou diretamente feitos prisioneiros.
Em outros países, seriam premiados (por exemplo, Renan Vega recebeu o "Prêmio Libertador ao Pensamento Crítico" na Venezuela; no México, na UNAM e no âmbito da sua licenciatura em ciências sociais e estudos latino-americanos, os principais pesquisadores não pararam de falar maravilhas de Miguel Angel Beltran, já que ele dava aulas lá). Na Colômbia, no entanto, a sociedade oficial os trata como "criminosos", quando seus pecados graves e seus principais "crimes" foram, e são, atuar como intelectuais comprometidos com seu povo e sua nação. Simplesmente o que qualquer intelectual que se preze deve fazer com sua vida.
Que notável diferença a atitude intelectual destes companheiros (Vega Cantor, Beltran, Toloza) frente a tanto "doutor" que está circulando em Buenos Aires e não consegue articular até duas frases, contidas no pequeno aquário de sua chancela de "especialista"!
Com esses companheiros, no entanto, você pode falar sobre tudo. Lidar com uma incrível variedade de temas, autores e debates. Nota-se à primeria vista que são intelectuais militantes – o que não implica qualquer delito – e por isso mesmo nunca aceitaram ser "especialistas", neste sentido tão medíocre e vulgar que outorga o Banco Mundial.
Especialistas, ruminadores ventríloquos de trabalhos maçantes, inodoros, incolores, insípidos, orgulhosos de sua ignorância em tudo aquilo que não seja seu microscópico e intranscedente “tema de beca” ou de tudo o que suporta em seu mesquinho caminho de ascenção na escala acadêmica. Já dizia nosso querido Deodoro Roca, ideólogo da Reforma Universitária de Córdoba em 1918, que “a pura universidade é uma coisa monstruosa”. O professor Francisco Toloza constitui precisamente a antítese deste tipo de intelectual medíocre e submisso.
Toloza é um intelectual universitário, sim, mas em um sentido muito mais rico e completo, comprometido até o osso com o seu povo, como alegava Deodoro Roca. Por isso, me fez tão feliz de ouvir agora que seu vídeo foi liberado apenas depois de sua prisão ilegal na Colômbia, onde Toloza reivindica por nome e sobrenome o nosso Deodoro Roca e a Reforma Universitária de Córdoba (1918).
De que fala Pacho Toloza cada vez que nos cruzamos? Na Argentina e no México, Pacho Toloza não deixou de denunciar o Estado gângster e mafioso que dirige seu país há décadas. A situação calamitosa da educação pública, a violação sistemática dos direitos humanos, a miséria de seus camponeses e a exploração de sua classe trabalhadora urbana, a perseguição oficial contra qualquer tipo de oposição política. Isso era o que mais incomodava os juízes que o aprisionaram.
Mas o professor Toloza jamais se calou. Se visitou outros países, não era por créditos mesquinhos ou ganância pessoal, para “acomodar-se” nem para mendigar uma migalha de piedade. Não. O professor Francisco Toloza não deixou em nenhum minuto, seja na Argentina, no México ou na Europa, de clamar pelos direitos de seu povo a viver em liberdade, com justiça social e respeito aos direitos humanos. Isso não constitui nenhum crime. Ao contrário! Por isso nos orgulhamos de tê-lo conhecido e ouvido.
Mas, além de sua erudição acadêmica, sua militância incansável e sua paixão política, Pacho Toloza é um homem com um humor hilariante. Nem bem ganha confiança, começa a fazer piadas e brincadeiras. Inclusive é um grande imitador. Quando vivermos no socialismo e já não tivermos mais de nos preocupar com assassinatos a sangue frio, perseguição política da oposição, censura e prisão dos dissidentes, o professor Toloza bem que poderia ganhar a vida em um programa de humor.
Esperamos que a solidariedade internacional não deixe de crescer. Esperamos que em breve possamos voltar a falar com ele em liberdade, falando de Simon Bolívar, a história de seu povo altruísta, e ouvir suas piadas, suas brincadeiras e sua gargalhada.
Nestor Kohan é professor da Universidade de Buenos Aires (UBA).
Tradução: Daniela Mouro, Correio da Cidadania.
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