Correio da Cidadania

Risco de retrocesso na Venezuela

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Nota introdutória:

 

Este artigo foi escrito no início de abril. As notícias vinculadas na mídia brasileira demonizam o regime democrático de Caracas presidido por Nicolás Maduro e criam a expectativa de um golpe na Venezuela. Sabe-se que há novas roupagens no “guarda-roupas” do golpismo latino-americano – vide Paraguai e Honduras. São inicialmente apresentados como procedimento legal, cujo objetivo maior é restaurar a democracia e beneficiar o povo. De fato, trata-se do velho golpe com novas roupagens, contra a democracia, contra os interesses populares, pró das forças antipopulares, antinacionais e imperialistas. A Venezuela é a “bola da vez”. Em 15 de março de 2013 ela perdeu seu grande líder e inspirador El Presidente Hugo Chávez Frías.

 

Venezuela: para entender o golpismo

Querem destruir o legado político-revolucionário de Hugo Chávez — a Revolução Bolivariana.

 

O governo Chávez inverteu a lógica da distribuição de renda na Venezuela. Combateu o privilégio dos ricos. Reduziu a pobreza. Criou políticas sociais que elevaram a condição de vida do povo. Procurou transformar as forças armadas em aliadas dos pobres e não dos ricos (impossível saber o quanto sobrou do antigo militarismo de direita). Junto a outros governos da região, provindos das esquerdas, colaborou fortemente para o avanço da integração latino-americana visando a independência de Nuestra América, frente à política norte-americana.

 

Assim surgiram várias organizações multilaterais como a Alba, a Telesur, a Petrosur, a Celac e a Operação Milagre. Esta última, em conjunto com o governo cubano, realizou milhões de cirurgias gratuitas de restauração da visão para milhões de pessoas da população pobre. O governo venezuelano, solidário com Cuba, também efetivou políticas que procuraram reduzir o impacto fortemente negativo do longo e vergonhoso embargo norte-americano a Cuba.

 

Para Washington, desde sempre interessado no petróleo venezuelano e na manutenção da divisão entre os países latino-americanos, a integração da América Latina lhe é inconcebível.

 

É importante lembrar o burlesco golpe sofrido por Chávez, abril de 2002, que colocou no poder a figura chinfrim do empresário Pedro Carmona. Hugo Chávez foi destituído e preso. Carmona tomou posse. O povo ocupou a praça em frente ao Palácio de Miraflores e em bela jornada cívica resgatou seu presidente eleito e recolocou-o no poder.

 

Hoje há apoio para o governo eleito.  O povo venezuelano realizou grandes marchas de apoio ao governo de Nicolás Maduro. Há pesquisas que indicam que sua popularidade alcança 57% dos venezuelanos (1) e também que 86% são contra as ações violentas usadas por setores da oposição direitista. Os ricos – herdeiros da oligarquia liberal conservadora que se revezava no poder por várias décadas - nunca se conformam com a perda de seus privilégios. Enquanto os endinheirados e parte da classe média gritam “abaixo o governo”, nos morros e nas favelas, onde vive grande parte da população pobre beneficiada pelas políticas do governo bolivariano, apoia-se o governo e se defende as políticas sociais que trouxeram benefícios (educação, saúde, transporte e transferência de renda).

 

Há densidade política e lideranças capazes de repetirem o feito de abril de 2002? É impossível antecipar, mas há condições para tal.

 

O governo de Nicolás Maduro enfrenta questões econômicas importantes a serem resolvidas, principalmente nas áreas do abastecimento, da política cambial, da política fiscal e na política do petróleo. É preciso corrigir distorções oriundas da queda dos preços do petróleo – principal fonte de recurso para os gastos governamentais. Esses problemas são graves, mas solucionáveis. Contudo, as soluções dependem de forte apoio político. É isso que a oposição quer impedir. As forças de direita fazem de tudo para agravar a situação e evitar soluções. Não desejam a democracia, simplesmente querem o poder e a volta de seus benefícios. A fórmula aconteceu na época de Allende: crises de abastecimento, manifestações manipuladas pela direita, principalmente nos bairros ricos, conluios entre empresários para agravar o desabastecimento (locaute).

 

Os fatos e os envolvidos são, praticamente, os mesmos de outras ocasiões: a direita endinheirada e violenta da Venezuela, mancomunada com os interesses econômicas e políticos dos EEUU, tenta derrubar o governo de origem chavista eleito democraticamente. Esses fatos e personagens são recorrentes na história da América latina.  Já vimos esse filme inúmeras vezes.

 

A história dos países latino-americanos repete o mesmo padrão golpista – “como tragédia e como farsa” (2), mas sempre trágica. Chile, trinta anos atrás (1973), o presidente Salvador Allende foi assassinado no exercício do poder que o povo lhe havia outorgado. El Salvador, 24 de março de 1980, Dom Óscar Romero, que defendia os interesses populares, foi assassinado por um atirador de “elite” do exército salvadorenho treinado na Escola das Américas, quando celebrava a missa. Brasil, 1º de abril de 1964, os militares mancomunados com os mesmos interesses da burguesia, da Igreja e do governo norte-americanos depuseram o presidente João Goulart – provavelmente depois assassinado pela operação Condor – e instalaram uma ditadura sangrenta (3).

 

Há outros casos de ditaduras sangrentas e de extrema violência, lembremo-nos da Argentina e Uruguai. Repete-se o mesmo padrão que procura destruir os governos populares e sua opção pela maioria da população, que é pobre, em benefício dos ricos, dos poderosos e da dependência aos países imperialistas. Hoje, ao invés da Guerra Fria, assiste-se à volta da Guerra Colonial. A América Latina é considerada quintal dos Estados Unidos e não pode se unir.

 

A Venezuela Bolivariana é um dos bastiões de sustentação do processo de independência real da América latina.

 

Todo apoio ao povo venezuelano. Todo apoio à Revolução Bolivariana.

 

Notas:

(1) - Estas cifras são expressivas, mas exigem prudência em sua interpretação. Pesquisa elaborada pelo Ibope antes do golpe de 64 apontava que, naquela época, só em São Paulo,  72% da população aprovava o governo Goulart. Os números na Venezuela parecem mais apertados, mas acreditamos que, apesar das dificuldades, ainda há apoio importante das bases populares.

 

(2) - Conceito utilizado por Marx em “O 18 Brumário de Luís Bonaparte” – (...)Hegel comenta que todos os grandes fatos e todos os grandes personagens da história são (...) encenados duas vezes. Ele se esqueceu de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa.

 

(3) - Agora o povo brasileiro assiste, graças às Comissões da Verdade, a um nauseabundo desfile de torturadores. Esses indivíduos apresentam-se como heróis (melhor dizer “Zeróis”) das Forças Armadas, sem qualquer desmentido por parte dos comandos das três forças que as compõem. Torturadores sádicos, elementos desqualificados, assassinos da pior laia. Sentimos vergonha e revolta.

 

José Juliano de Carvalho Filho, Elisa Helena Rocha de Carvalho, Guga Dorea, João Xerri, Silvio Mieli, Thomaz Ferreira Jensen, membros do Grupo de São Paulo.

Artigo orginalmente publicado no Boletim da Rede, mês de abril.

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