SYRIZA: quando eles dizem que é carne, na verdade é peixe
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- KKE [*]
- 20/02/2015
Ainda recordamos a imagem de monges na Idade Média, os quais diziam que a carne na verdade era peixe a fim de ultrapassar as dificuldades do jejum infindável. Esta imagem ajusta-se perfeitamente aos desenvolvimentos que nestes últimos dias se têm desdobrado na Grécia sob o governo SYRIZA-ANEL. Aqui estão alguns dados para confirmar isto.
O SYRIZA, como partido de oposição, prometera rasgar o memorando, o qual fora assinado pelos governos anteriores com prestamistas estrangeiros (a União Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional) e que continha as medidas anti-trabalhadores e anti-povo. O SYRIZA, como partido de governo, revelou que concorda com 70% das "reformas" incluídas no memorando e discorda de 30%, as quais ele descreve como "tóxicas". Na verdade, ele declara que não atuará unilateralmente, mas que procura um novo acordo com os prestamistas, e o qual, desta vez, não será chamado de memorando, mas sim de programa, acordo ou ponte.
O SYRIZA, como partido da oposição, declarava guerra à troika de prestamistas estrangeiros e dizia que poria um ponto final a esta. O SYRIZA, como partido de governo, declara que conversará e responderá às "instituições". Quais instituições? A UE, o BCE e o FMI. Na verdade, exatamente as mesmas pessoas que constituem a troika estão a tomar parte nas conversações em Bruxelas em nome das "instituições".
O SYRIZA, como partido da oposição, era criticamente cáustico do governo ND-PASOK, o qual apoiava e participava das sanções da UE contra a Rússia, e acusava-os de serem servis devido a esta posição. O SYRIZA, como partido de governo, apoiou as mesmas sanções da UE, assim como a sua escalada, caracterizando a posição do seu governo como sendo um "êxito significativo".
O SYRIZA, como partido de oposição, tomou posição contra privatizações. Agora, como governo, de acordo com declaração do ministro das Finanças, Yanis Varoufakis, ele declara que "Queremos mudar de posição (move on) da lógica de vendas a preços rebaixados (cut price) para a lógica do seu desenvolvimento em parceria com o setor privado e investidores estrangeiros"! Assim, ambos adotam as privatizações a fim de reforçar o setor privado, e também tentam apresentar outros métodos de privatizações, como parcerias público-privadas e concessões a grupos de negócios etc., como sendo benéficas.
O SYRIZA, como partido de oposição, caracterizava a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) como sendo o "livro negro do neoliberalismo". O SYRIZA, como partido de governo, recebeu em Atenas, nos primeiros dias do seu mandato, Ángel Gurria, presidente da OCDE, o qual teve uma reunião com o primeiro-ministro A. Tsipras. A OCDE, de acordo com a coligação governamental SYRIZA-ANEL, é a organização que ajudará a formular uma lista de medidas a fim de salvaguardar o desenvolvimento (capitalista) na Grécia. Medidas que substituirão a parte "tóxica" do Memorando, os notórios 30%.
O SYRIZA, como partido de oposição, denunciou a decisão do governo anterior de pagar "dezenas de milhões de Euros a companhias que fornecem serviços legais e conselho financeiro". O governo SYRIZA-ANEL contratou a companhia "Lazard" como consultora sobre questões de dívida pública e gestão orçamental, obviamente apreciando a perícia que esta providenciou a governos anteriores do PASOK sob G. Papandreu. Isto não é casual!
Além disso, o novo ministro das Finanças, Varoufakis (ele foi consultor de G. Papandreu), recorreu aos serviços dos antigos conselheiros de G. Papandreu, J. Galbraith e Elene Panariti, antiga deputada do PASOK. O primeiro é um economista americano, professor na Universidade do Texas, um responsável do Levy Institute, um bem conhecido apologista do capitalismo e apoiante de uma fórmula mais expansionista para a gestão da crise. A última trabalhou para o Banco Mundial. Por outras palavras, ambos servem o sistema e seus mecanismos.
Podíamos acrescentar mais à lista das retratações do SYRIZA e do seu governo "de esquerda", como o fato de que uma série de promessas feitas antes das eleições, como, por exemplo, o aumento do salário mínimo, foi adiada para o futuro distante. Do mesmo modo, podíamos apontar outros exemplos mais gritantes de responsáveis e conselheiros do socialdemocrata PASOK, que agora estão a servir o governo "de esquerda". Contudo, a questão mais crucial é clarificar que espécie de negociações o atual governo grego está a conduzir com a UE e os outros credores.
As negociações têm um conteúdo concreto o qual não está relacionado com o "alegado fim da austeridade" na Grécia e na Europa, como afirmam o SYRIZA e os outros partidos que participam do Partido da Esquerda Europeia. Além disso, Varoufakis declarou claramente que, nos próximos anos, sob o governo do SYRIZA, o povo trabalhador deve continuar a viver "frugalmente". As negociações estão relacionadas com as necessidades dos grupos de negócios que decorrem das consequências da crise capitalista profund, bem como da rota da incerta recuperação capitalista na Grécia e na Eurozona como um todo.
Estas negociações estão a ter lugar num terreno hostil para o povo. Isto se prova pela identificação do governo grego com países tais como a França, Itália e, acima de tudo, os EUA, com todas as implicações negativas que esta posição implica. Estes países podem exercer pressão sobre a Alemanha para os seus próprios interesses, mas continuam a mesma linha política hostil ao povo.
Apesar da sua propaganda ruidosa acerca das negociações com a UE e os credores, o SYRIZA declara ao mesmo tempo que partilha muito com eles e que continuará os compromisso anti-povo do país em relação à UE e à NATO.
Portanto, o povo grego e os demais povos não deveriam deixar-se cair na armadilha de serem separados entre "merkelistas" e "obamistas" e divididos numa luta sob falsas bandeiras. Eles têm de organizar sua luta e exigir a recuperação das perdas quanto aos seus rendimentos e seus direitos. Eles deveriam exigir a solução dos problemas dos trabalhadores e do povo de acordo com as suas necessidades contemporâneas. Devem lutar pela saída que trará esperança: a socialização dos monopólios, o desligamento das uniões imperialistas da UE e da NATO, com o povo a tomar as rédeas do poder.
Isto pavimentará o caminho para a única via oportuna e realista que leva à verdadeira emancipação do povo: a construção de uma nova sociedade, socialista.
[*] Partido Comunista Grego.
Artigo originalmente publicado em http://resistir.info/ .