Obama: sim, podemos!
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- Atilio Boron
- 08/07/2015
Passaram pouco mais de seis meses desde o histórico anúncio realizado conjuntamente pelos presidentes Barack Obama e Raul Castro, em 17 de dezembro. Dado que não é Cuba quem perturba os Estados Unidos, senão Washington quem bloqueia a ilha caribenha, parece oportuno indagar sobre o ocorrido com essa política que vem sendo repudiada pela comunidade internacional com cada vez maior força.
Ao fazê-lo, não deixa de surpreender que no que toca ao bloqueio a situação permanece sem maiores mudanças. Houve várias rodadas de conversa que tendem a normalizar as relações cubano-americanas, mas, até agora, os gestos e as decisões concretas que a Casa Branca deve tomar foram escassos e de pouca efetividade.
Pior ainda, no dia prévio ao anúncio o Departamento do Tesouro sancionou o Commerzbank da Alemanha com uma multa de um bilhão de dólares, por realizar operações financeiras em Cuba. A decisão de eliminar esse país da lista dos patrocinadores do terrorismo – lugar onde havia sido absurdamente incluída desde os anos de Ronald Reagan, em 1982 – pode facilitar o relançamento das relações econômicas mas, até agora, foi feito muito pouco.
Do lado norte-americano se diz que o Congresso não acompanha as políticas da Casa Branca e que cria obstáculos para o avanço do processo de normalização. Entretanto, uma equipe de advogados estadunidenses demonstrou que existe um amplo campo de atribuições nas mãos do executivo e que se Obama quisesse poderia impulsionar algumas decisões que reduziriam significativamente os perniciosos efeitos do bloqueio.
A título meramente ilustrativo, argumentam que o presidente poderia autorizar o estabelecimento de conexões aéreas regulares servidas por transportadoras dos EUA e de Cuba; ou que os turistas norte-americanos na ilha pudessem levar consigo de regresso, para uso pessoal ou como presentes, toda sorte de bens produzidos em Cuba sem limitações discriminatórias (em relação ao permitido para outros países) segundo o tipo de artigo (rum, tabaco etc.) ou o valor dos mesmos; possibilitar o estabelecimento de relações de correspondência entre instituições bancárias de ambos países; eliminar ou atenuar, para certos produtos estadunidenses, a necessidade de Cuba pagar suas compras em “dinheiro vivo ou antecipadamente”; autorizar o uso de dólares norte-americanos nas transações comerciais que realizem as empresas cubanas e facilitar as operações “clearing” através do sistema bancário estadunidense; suprimir a política de “veto à Cuba” nas instituições financeiras internacionais nas horas de aprovar créditos ou doações para a ilha; abolir a proibição que impede navios que transportaram cargas de ou para Cuba de estacionar em portos dos Estados Unidos antes de 180 dias após deixar um porto cubano, assim como autorizar navios que transportem bens ou passageiros, até ou para Cuba, ingressarem nos portos norte-americanos; outorgar uma licença geral que permita o fluxo sem limites e frequências de remessas destinadas a indivíduos ou organizações não governamentais radicadas em Cuba, incluindo pequenas granjas; facilitar a exportação de equipamentos de informática e softwares de origem estadunidense a Cuba, assim como materiais dedicados ao desenvolvimento da infraestrutura de telecomunicações; autorizar os cidadãos americanos a receber tratamentos médicos em Cuba, a exportação de remédios, insumos e equipamentos para a atenção de pacientes cubanos ou para facilitar a produção biotecnológica da ilha e permitir o ingresso aos Estados Unidos de medicamentos cubanos para sua venda no país.
Esta lista, que poderia se estender com muitas outras medidas, é suficientemente ilustrativa de que é possível diminuir o impacto criminoso do bloqueio se houvesse vontade política para sentar sobre novas bases as relações entre Estados Unidos e Cuba. A pergunta que não quer calar é: por que não fazem isso?
Poderia conjecturar-se que a passividade de Obama é uma estratégia para debilitar Cuba e negociar de uma posição mais forte a normalização das relações diplomáticas; ou para apaziguar os críticos de direita, tanto dentro de seu próprio partido como entre os republicanos; ou que a maquinaria burocrática do Estado impõe ritmos e erige limitações ao que o ocupante da Casa Branca quer fazer, como demonstra sua incapacidade em fechar a prisão de Guantánamo apesar das promessas de campanha; ou uma combinação de tudo isso.
Mas o certo é que quaisquer que forem as razões pelas quais Obama não faz o uso de suas atribuições, o bloqueio segue em curso, ocasiona graves danos à economia cubana e provoca cruéis sofrimentos à população da ilha. Talvez no fundo desta política se encontre a ilusão de que a permanência do bloqueio e a irritação que ele produz precipitarão um estouro de protestos populares que ponham fim à Revolução Cubana.
Faz mais de meio século que Washington aderiu a essa crença estúpida, refutada pela história, mas sabemos que uma das coisas que distingue o império é a sua doentia obsessão por apoderar-se de Cuba, uma ambição tornada pública nos alvoreceres da república norte-americana por John Adams, o segundo presidente desse país, quando em junho de 1783 declarou a necessidade de anexar a ilha caribenha aos Estados Unidos.
Dado que Obama aclarou que a normalização das relações bilaterais não significa que seu país abandone a ideia de produzir uma “mudança de regime” em Cuba para, segundo ele mesmo, facilitar o advento da democracia e da liberdade na ilha, perguntemos: igual no Iraque, na Síria, na Líbia e em Honduras?
Não seria de se estranhar que sua atitude fosse expressão daquela prepotente necessidade sentida por Adams já há mais de dois séculos, e que o atual ocupante da Casa Branca não se atreve a descartar, pese sua imortalidade e seu insuperável anacronismo.
A seis meses do anúncio do último dia 17 de dezembro, Obama poderia ter feito algo a mais. Ainda que fosse apenas em respeito a suas próprias palavras.
Atilio Boron é sociólogo argentino.
Traduzido por Raphael Sanz, do Correio da Cidadania.
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