Vitória da rebelião estudantil na África do Sul
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- Ashley Fataar
- 23/11/2015
Depois de dez dias de protestos sem precedentes, os estudantes da África do Sul arrancaram uma vitória contra o aumento das taxas universitárias previstas para o próximo ano.
O movimento “As taxas devem cair” foi a maior revolta estudantil desde o fim do apartheid.
A África do Sul tem aproximadamente um milhão de estudantes matriculados em instituições de ensino superior. E a maioria das universidades se mobilizou para dizer que tipo de país almeja.
A rebelião foi altamente ideológica em suas reivindicações e democrática em sua prática. O grau de automobilização e auto-organização foi impressionante. Seu exemplo serve de inspiração para as demais lutas, pois nos mostra que a ação de massas, vinda de baixo, é o caminho para conquistar vitórias.
Os e as estudantes ocuparam edifícios da universidade, atacaram as portas do parlamento na Cidade do Cabo e conseguiram mobilizar 50.000 pessoas para protestar nos escritórios do governo em Tshwane (Pretoria).
A rebelião estudantil foi realmente um “festival dos oprimidos”. Muitas e muitos estudantes estavam participando de manifestações pela primeira vez na vida. E fizeram isso com alegria.
Foi fácil para os estudantes mais ativas debater sobre a crise capitalista, a austeridade, as raízes do crescente racismo e sobre o socialismo como uma alternativa.
Além da educação gratuita, os estudantes estão reivindicando que as universidades acabem com a prática da terceirização.
Nas suas palavras: “Não podemos continuar tolerando a exploração, a criminalização e o assédio praticado contra os trabalhadores terceirizados. Queremos um salário que dê para viver! As empresas têm que sair! Os trabalhadores têm que ficar!”
A revolta mostra que nunca devemos ser complacentes. A luta pode estourar numa explosão de raiva e determinação em setores da vida pública que, à primeira vista, podem parecer muito passivos.
Num mundo em profunda crise, o povo está lutando contra as medidas de austeridade que tentam lhe impor. Há um ou dois anos, os estudantes não estavam mobilizados. Estavam submetidos a obrigações extenuantes e afogados pelas taxas.
Mentalidade
Como saída diante da miséria, eles estavam imbuídos de uma mentalidade de que poderiam ascender à nova classe média negra emergente.
Alguns eram caracterizados como jovens que davam mais atenção à sua aparência e a seus celulares do que aos debates acerca da construção de uma nova sociedade.
O movimento foi precedido este ano pela campanha “Rhodes deve cair”, que lutava contra a presença contínua de estátuas de figuras do apartheid, como Cecil Rhodes, nos campi universitários. Canalizava a presença do racismo e a falta de transformação no interior das universidades.
Esse movimento foi dinâmico, mas não levou a maioria dos estudantes a uma ampla rebelião. Quem conseguiu isso foi o movimento contra as taxas.
Começou à noite, quando os estudantes da Universidade de Wits foram bloqueá-la devido ao aumento das taxas em 10,5%. Durante uma semana, a maioria das universidades foram fechadas pelo(a)s estudantes em todo o país.
Outros centros educativos começaram a se unir ao movimento até o início de novembro.
O ministro da Educação, Blade Nzimande, membro do Partido Comunista, pensou que podia conter a rebelião mantendo o aumento em 6%, como aconteceu no ano passado.
Por este motivo, foi vaiado quando ia fazer um discurso fora do parlamento. Dias depois, o presidente Jacob Zuma teve que intervir, lançando a proposta de 0% de aumento para o ano de 2016.
O governo do CNA (Congresso Nacional Africano) está tentando ganhar a direção do movimento para desviá-lo. No entanto, as velhas credenciais de um governo de libertação nacional já não são muito bem vistas pelos estudantes.
Querem uma educação gratuita agora, não em um futuro distante.
Num ato para avaliar a marcha de Tshwane e a campanha “Não às taxas”, um estudante comentou: “este ato de massas em Wits é uma das coisas mais extraordinárias que vivi em minha vida política. O nível do debate é extraordinário. A grande maioria está a favor de rejeitar a estratégia de Zuma. Não perder força na luta por uma educação gratuita e conectar nossa luta com a da classe trabalhadora. Impressionante”.
Ashley Fataar é membro da organização Keep Left.
Artigo publicado originalmente no jornal Socialist Worker.
Tradução: George Bezerra, em LITCI.