O ridículo golpe de Estado da Turquia em 17 reflexões
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- Nazanín Armanian
- 21/07/2016
A partir da escassa informação disponível sobre os acontecimentos de 15 de julho, ocorrem-me as seguintes ideias:
1. Embora o regime de Recep Tayyip Erdogan seja capaz de cometer um atentado de bandeira falsa (tinha planejado destruir o mausoléu de Sha Solimán, fundador da dinastia otomana situado na Síria, e lançar um míssil sobre seus próprios cidadãos, culpando de ambos atos o governo de Bashar al Assad, como se revelou em março de 2014), não o faria por meio do exército. Seria demasiado arriscada uma operação com armas reais a partir de uma instituição da qual o presidente turco desconfia.
2. Também é duvidoso que Fathola Gülen, o clérigo sunita turco estabelecido felizmente nos EUA, possa, como assinala Erdogan, mobilizar milhares de militares de um exército profundamente laico. Além disso, seu método é tomar o poder infiltrando-se nas postos chaves do próprio poder, e não patrocinando um levantamento de amadores.
3. É possível organizar um golpe de Estado em um país da OTAN (que não só está localizado na região mais estratégica do mundo, como está em guerra) sem o conhecimento e/ou a autorização do Pentágono? Os não menos de 1.500 militares dos EUA presentes nas bases da Turquia deveriam saber qualquer coisa do plano de uns golpistas que atuaram como amadores.
4. Os EUA pretendem acabar com o regime individual de Erdogan. Esta trapalhada inesperadamente, tal como o atentado do aeroporto de Ataturk duas semanas antes, acontecem precisamente quando Ancara pretendia corrigir, à sua maneira, os graves erros na política exterior que enfrentou o governo turco com todos os seus vizinhos. O diálogo entre EUA e Turquia rompeu-se: às discrepâncias sobre a situação da Síria, Iraque e a questão curda, acrescentou-se o pedido da Turquia para ingressar na Organização de Cooperação de Xangai, onde o presidente turco participou no dia 29 de junho em Tashkand, dizendo que “é muito melhor do que a União Europeia”.
Não dá para ser membro da OTAN e aproximar-se da China e da Rússia (em parte como consequência do Brexit e a perda de interesse de Bruxelas em integrar a Turquia) oferecendo à Rússia suculentas propostas comerciais que romperão as multas impostas pelo Ocidente, ou estar na Organização de Cooperação Econômica do Mar Negro (BSEC), em vez de potencializar a Associação Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP/ATCI). Os EUA precisam de um sócio obediente na região, que aplique a estratégia da contenção militar e econômica da Rússia, China e Irã. Alguns meios de comunicação russos apontaram, em 31 de março, também para este desejo ou plano dos EUA de “mudança de regime” na Turquia.
5. Barack Obama, que começou seu mandato apoiando a Irmandade Muçulmana, apostou forte no “Islamismo de gravata” contra a nefasta aliança de Bush com o islamismo de turbante dos xeques wahabitas da Arábia Saudita. Recebeu de braços abertos Erdogan e sua esposa, e aplaudiu as conversas de paz com a guerrilha curda do PKK, ignorando que o astuto dirigente turco tinha preparado uma armadilha aos curdos. A decepção posterior de Obama com o líder turco não foi por tê-lo visto sem máscara, mas porque seu aliado tinha sua própria agenda na política exterior, saindo da órbita dos EUA. Daí o duro castigo, empurrando-o para o inferno da guerra de desgaste da Síria. No dia 28 de março passado, Obama recusou-se a receber Erdogan em audiência em Washington, onde iriam inaugurar juntos uma mesquita turca em Maryland.
6. Para além da responsabilidade de Erdogan e seu partido à deriva, a Turquia foi vítima das estratégias erradas de Washington (inclusive para seus próprios interesses). Converteu o peso pesado da Eurásia em “Paquistão 2.0”, a partir de onde a CIA envia grupos terroristas religiosos ao país vizinho, Síria, para desmantelar seu governo semi-laico, perdendo um aliado fulcral como a Turquia. Por acaso não vê que o Paquistão foi recolhido pela China?
7. Embora hoje o presidente da Turquia se apresente como o herói nacional e pareça o principal beneficiário do tumulto militar, não o é: o fim do erdoganismo começou com sua derrota nas eleições de junho de 2015. Agora, nem poderá controlar a tantos inimigos que tem criado dentro e fora do país, nem governar a sociedade que tão vilmente fragmentou.
8. Este não ia ser um golpe contra a democracia. O golpe contra a democracia foi do governo do Partido da Justiça e Desenvolvimento, quando bombardeou a população curda, retirou a imunidade dos parlamentares opositores, fechou dezenas de diários, prendeu centenas de jornalistas, estudantes, prefeitos, juízes e políticos.
A farsa de um golpe de Estado
Surpreende que os golpistas de um exército de meio milhão de homens e um orçamento anual de 18 bilhões de dólares não seguissem os mais elementares passos para tomar o poder:
9. Contar com as figuras mais destacadas e de maior patente do exército. Os comandantes das forças terrestres e marinha turcas não se envolveram na tentativa.
10. Ter imobilizado os aviões e navios militares, controlando os aeroportos, estradas principais etc. Os golpistas foram atacados por um avião caça, por tanques e helicópteros!
11. Ter detido ou assassinado o chefe de Estado ou o resto do governo. Conta-se que chegaram a bombardear o hotel onde estava Erdogan, mas só quando ele já o tinha abandonado. Depois aterrissou no aeroporto internacional Ataturk, que não tinha sido ocupado pelos golpistas.
12. Ter-se-ia tomado o controle de todos os meios de comunicação. Salvo a Rádio Televisão turca, onde deram uma penosa imagem de golpistas sem ânimo de triunfar, se esqueceram do resto dos meios, incluídas as redes sociais (que Erdogan costuma bloquear inclusive quando há manifestações pacíficas contra seu Governo). Na televisão não apresentaram um líder decidido e firme, nem leram uma declaração de intenções atraentes, nem deram a imagem de pessoas que fossem tomar o poder a sério. Assim, era impossível recrutar os setores sociais anti-Erdogan, muito menos os indecisos. Ao invés disso, o presidente (ao que parece) só com um celular e com a CNN turca, conseguiu arrastar milhares de seus seguidores às ruas. O resto fizeram-no as mesquitas, animando os fiéis para que fossem à guerra contra “os inimigos do Islã”.
13. Os militares enganaram-se ao julgar que a atual sociedade apoiaria um golpe de Estado. Os cidadãos, os partidos da oposição e inclusive os curdos, que vivem um verdadeiro massacre, lembram ainda as ditaduras sem piedade dos uniformizados: “Nem Erdogan, nem militares”, foi a palavra de ordem dos partidos de esquerda.
14. Não atraíram o apoio de outros países. Nas três primeiras horas que Obama manteve um estranho silêncio, Irã e Catar opuseram-se ao golpe e a Arábia Saudita considerou que era um assunto interno.
15. Não teve nenhuma condição objetiva, nem subjetiva para o triunfo do levantamento. “Alguém” enganou os amotinados, preparou-lhes uma armadilha. O que não impede que, no futuro, o exército turco possa atuar mais a sério. Mas isso quando os EUA não virem a possibilidade de uma transição não violenta para desmantelar o regime de Erdogan.
16. Os militares formam uma casta, a que significa que se protegem em termos de lealdade corporativista. Daí que, quando fracassa sua tentativa de golpe de Estado, os mandatários costumem mudá-los de postos ou aposentá-los, ao invés de os deter ou executar. Assim, evitarão contragolpes. O que fizer Erdogan a respeito mostrará o grau de sua habilidade e o sentido comum.
17. A principal lição destes fatos é que Erdogan não controla a situação, e a sua permanência no poder poderá empurrar a Turquia para uma guerra civil, com as forças reacionárias de protagonistas: ninguém pode garantir que a Turquia estará imune de cair em uma “sirialização” total.
Nazanín Armanian é escritora e cientista política iraniana.
Traduzido pelo Diário Liberdade.