Correio da Cidadania

A Batalha de Gênova (2): Os senhores da guerra e o povo antiglobalização

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O Correio da Cidadania republica uma série análises de Gregório Maestri sobre a violenta repressão da polícia italiana aos protestos antiglobalização em Gênova (Itália), no encontro do G-8 realizado na cidade há 15 anos – entre 19 e 22 de julho de 2001 (e publicado à época dos acontecimentos). O autor elaborou suas análises, à época, a partir de uma incursão na história do país.

 

A derrotada Oliveira conclui suas providências. Lembrando as mobilizações de Davos, Nice, Praga, Seattle, Washington, militariza Gênova, criando uma zona vermelha de exclusão. Gasta 150 milhões de reais em um imponente esquema militar – policiais, comandos, paraquedistas. O prefeito da Gênova e o presidente da Província, socialdemocratas, aplaudem as medidas.

 

Um mês após o fórum de Porto Alegre, a Oliveira testa o esquema repressivo. Sob o comando de Bianco, ministro do Interior, a polícia intervém duramente no Global Forum Digital Divide, de Nápoles. A violência não teve maior repercussão devido à menor importância do evento, à proximidade das eleições, à cor política da repressão.

 

Após a posse do novo governo, a tônica dos primeiros discursos é a demagogia sobre Gênova. Globalização. Diálogo. Pobreza. Abolição da dívida. Sensibilidade mundial. Tratava-se da "Casa" e não da "Caserna das liberdades", como se ironiza. Arma-se o circo da globalização com alma solidária.

 

Em Roma, em uma semana, o belíssimo palácio renascentista do Campidoglio recebe mais personalidades negro-africanas do que nos seis séculos anteriores de existência. Eleito pela Oliveira e pela "Casa das liberdades", o presidente da República Ciampi comanda a redescoberta italiana da África.

O homem certo

Prisioneira da encenação que pensara protagonizar, a Oliveira permite que a direita se apresente como sensível às misérias mundiais e disposta ao diálogo. Isolado, o pequeno Partido da Refundação Comunista (PRC), anticapitalista, formado por operários, sindicalistas, pacifistas etc. denuncia a farsa.

 

Berlusconi tranquiliza a todos: "respeitaremos o direito de manifestação". Porém, nomeia Claudio Scajola ministro do Interior, assim, responsável pela "paz" em Gênova. Sinal dos tempos. Com 53 anos, é o primeiro responsável pela pasta a ter visto o sol nascer quadrado! Nada grave. A prisão fora por... Corrupção!

 

O ministro provém de uma família democrata-cristã que deu três prefeitos à cidade de Imperia. Seu irmão Carlo sucedeu o pai, apeado do cargo por corrupção. Nos anos 80, quando democrata-cristãos e socialistas roubavam soltos, foi a vez de Claudio ser preso, em 1983, por ordem do Tribunal de Milão.

 

A Justiça, que indagava sobre os cassinos italianos, onde mafiosos, capitalistas e políticos davam-se as mãos para encherem os bolsos, comprovou que, na Suíça, Scajola recebera do prefeito de San Remo, sede de cassinos, e do conde Borletti, empresário da roleta, uma nota preta.

 

Fascistas nojentos!

 

Preso 70 dias na famosa prisão milanesa de San Vittore, Scajola foi solto, pois não se provou que o dinheiro fora recebido para fins partidários. Em liberdade, reelegeu-se prefeito. Em 94, democrata-cristão, denunciou a Aliança Nacional como "fascistas nojentos".

 

Em 95, com a crise do PDC, Scajola reelegeu-se apoiado pela Força Itália. E pelos nojentos fascistas. A pedido do chefe, transformou o partido de Berlusconi de sigla virtual em máquina eleitoral. Como o patrão queria os ministros diplomados, formou-se advogado treze dias antes da posse.

 

Logo, o neogoverno mostrou as garras. Fechou a principal estação ferroviária, o aeroporto, o porto de Gênova. Suspendeu o tratado de Schenghen de livre circulação. Agora, para entrar na Itália, há que se dizer para quê. Casas de militantes são violadas. Pressionam-se os imigrantes pobres genoveses.

 

Os prisioneiros comuns do noroeste italiano são mandados para o Sul, ninguém sabe ainda a razão. Compram-se mais carros de jato d’água. Os hospitais genoveses são esvaziados e encomendam-se centenas de leitos hospitalares e caixões de defuntos!

 

A estética do poder

 

Sem explicações, Scajola nega passe para a Zona Vermelha para D'Avossa Lussurgiu, do jornal Liberazione (PRC – Partido da Refundação Comunista). Nos anos 70, ele fora dirigente estudantil. As associações profissionais e os meios de divulgação – à exceção dos berlusconianos, é claro – exigem explicações. A licença é concedida.

 

Berlusconi visita Gênova a toda hora. Quer tudo nos trinques. Então, proíbe o secular hábito genovês de secar roupas nas janelas. A Itália ri. Os italianos mais velhos gelam. Para a visita de Hitler a Roma, Mussolini fizera o mesmo. Gênova responde. Durante o G8, uma profusão de ceroulas, calcinhas e sutiãs enfeitam as fachadas da cidade rebelde.

 

Chocado com a velhice da não restaurada via Gramsci, o capo encomenda limpeza e pintura relâmpago das fachadas. Comenta que "infelizmente" não pode fazer o mesmo com o nome da artéria. Herói antifascista Gramsci morreu após dez anos de dura prisão.

 

Berlusconi determina que edifícios que acha feios sejam escondidos por painéis com fachadas antigas, como o Duce encobrira as ‘feiúras’ da Cidade Eterna ao Führer com ruas de tinta, tecido e papelão. Manda "colar" limões, amarelíssimos, nos limoeiros do centro. Os verdadeiros não são suficientemente coloridos para as imagens televisivas, explica.

 

Há mais de um ano, milhares de associações – jornais, rádios, partidos, ONGS – organizam uma grande manifestação para que se transformasse o G-8 em uma enorme festa antiglobalização. o Gênova Social Fórum – GSF –, principal protagonista do evento, formou-se com 324 organizações, sobretudo italianas.

 

Branco e vermelho

 

A cultura operária possui raízes profundas na terra do Novecento. A mobilização cresce, as contradições aumentam. O cenário e o momento contribuem para que as propostas socialdemocratas, católicas, integracionistas choquem-se com as comunistas, anarquistas, operárias, autonomistas.

 

Polemiza-se sobre o movimento. Luta simbólica ou combate de classe? Turismo politicamente correto ou novo internacionalismo? Movimento inorgânico ou embrião de partido mundial? Espetáculo de rua ou ocupação da rua? Mercado ecoassolidário ou antimercado? Capitalismo humano ou humanismo anticapitalista?

 

Denuncia-se fortemente a ilusão da reforma ética do capitalismo. Exige-se que os fóruns fortaleçam e não substituam a mobilização popular e operária. O próprio PRC divide-se. Uma ala minoritária demarca-se da orientação católico-ecológica, forte entre o "povo de Gênova". A majoritária abraça a "modernidade" de movimento fortemente influenciado por organizações conservadoras – Pax Christi, WWF, a Rede Lilliput etc.

 

Na frente anticapitalista, destacam-se os organizados centros sociais autônomos. Foram formados nos anos 1970 por jovens, estudantes, desempregados, imigrados, anarquistas, comunistas que ocuparam imóveis abandonados. Possuem restaurantes, livrarias, teatros, oficinas, microplantações de maconha. Os "macacões brancos" se protegem da polícia durante as manifestações vestindo roupas e defesas da cor que lhes dá o nome.

 

Os centros sociais praticam a "desobediência civil". Em Gênova, para eles, é questão de honra violar simbolicamente a zona vermelha e as interdições do capital sobre a cidade. Sob as pressões do GSF, renunciam ao objetivo e a se vestirem de branco. O espetáculo deveria ser apenas uma alegre festa multitudinária. Não será.

 

Leia também:

A Batalha de Gênova (1): uma cidade-símbolo da globalização

 

 

Gregório Maestri, arquiteto, é belga, italiano e brasileiro.

Leia a publicação original em nossa edição 259.

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