Correio da Cidadania

Standing Rock: a maior mobilização indígena nos Estados Unidos em mais de um século

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Standing Rock, no estado de Dakota do Norte, forma parte da Reserva Sioux, como se chama comumente aos povos originários Dakota, Lakota e outras tribos das pradarias. O rio Missouri, fonte de água potável de umas 17 milhões de pessoas, atravessa o território, que está sob jurisdição das autoridades indígenas da Reserva Sioux de Standing Rock, segundo os tratados assinados com o governo dos Estados Unidos.

 

Em violação destes tratados e contra a vontade dos Sioux, a corporação petroleira Energy Transfer Partners está construindo um oleoduto que destruirá este lugar sagrado e o cemitério indígena de Standing Rock, cujo caminho subterrâneo passaria por debaixo do leito do rio Missouri. O projeto conta com um investimento de 3,8 bilhões de dólares, financiado pela Goldman Sachs, Bank of America, HSBC, UBS, Wells Fargo e outros grandes bancos. Tem uma extensão de 1880 km e vai desde as jazidas de petróleo de Bakken, na Dakota do Norte, passando por Dakota do Sul e Iowa, até chegar em Illinois.

 

Desde a primavera de 2016 (no hemisfério norte, por volta de março e abril), congregaram-se em Standing Rock milhares de pessoas, muitas delas de diversas nações indígenas, para protestar contra a construção do oleoduto que destruiria locais sagrados e contaminaria a água. Se autodenominam “protetores da água”. Afinal, estima-se que são produzidos cerca de 300 derramamentos de petróleo por ano ao longo dos oleodutos já existentes no país. Portanto, os defensores da água não acreditam nas promessas da empresa, nem do Corpo de Engenheiros do Exército e muito menos nas autoridades que garantem que “este oleoduto é seguro”.

 

Maior mobilização indígena nos EUA em mais de cem anos

 

“Standing Rock é a maior congregação indígena que já ocorreu no transcurso da minha vida; dia a dia foi agregando novas bandeiras das diferentes tribos. A partir da sexta semana, deixou de ser um acampamento para se transformar numa comunidade. Tomamos uma postura contra o oleoduto, e não sabíamos que teríamos esse imenso apoio. Esta terra é um lugar sagrado para o povo Lakota; além do mais, o oleoduto contaminará a água do rio Missouri. O Corpo de Engenheiros do Exército não fez uma consulta apropriada com as tribos. O oleoduto Dakota Acess Pipeline tem trechos subterrâneos sob o leito do rio Missouri que podem ser um desastre, pois os oleodutos neste país têm um histórico de derramamentos e contaminação do solo, do ar e das águas subterrâneas. Se construírem este oleoduto, serão destruídos o solo e as águas desta região, e também o rio Missouri como um todo. As tribos assumem sua responsabilidade como protetoras da água. Precisamos cuidar da terra, da água e do ar. Um dia em nossa caminhada diária até os locais sagrados, as avós e mães disseram aos escavadores que não iriam permitir que destruíssem nosso solo sagrado. Em resposta, os funcionários da segurança privada lançaram cães contra nós. Vários protetores da água foram parar no hospital por conta das feridas. E depois dos cães, trouxeram armas”.

 

Dizia isto, no último mês de outubro, Dennis Banks, 79 anos, histórico líder indígena e cofundador da American Indian Movement (Movimento Indígena da América do Norte).

 

Tal como predisse Dennis Banks, a repressão contra a comunidade de protetores da água foi crescendo nas semanas seguintes, até alcançar seu pico em 20 de novembro. Em temperaturas gélidas de cinco graus abaixo de zero, a polícia reprimiu os manifestantes lançando jatos d’água e provocando centenas de casos de hipotermia. Também usaram gases lacrimogêneos, de pimenta e balas de borracha que lesionaram cerca de 300 manifestantes.

 

O caso mais grave foi o de Sophia Wilansky, de 21 anos, ferida por uma granada que impactou seu braço, destruindo ossos e tecidos. Neste momento, ela se prepara para a terceira cirurgia, e deverá passar por mais umas tantas no esforço de salvar seu braço que foi praticamente separado do resto do corpo pela granada. Esta jovem de Nova Iorque, que como numerosas outras vítimas de abuso de força, exercia seu direito ao protesto, garantido pela primeira emenda da Constituição daquele país. Um direito que está sendo sistematicamente violado pela polícia de Morton (Dakota do Norte) e pela Guarda Nacional.

 

Linda Black Elk, integrante do corpo médico de Standing Rock, que presenciou a repressão do domingo passado, afirmou que “a polícia incrementou o nível de violência contra os protetores da água. Eu vi as diferentes armas usadas contra os manifestantes: gás lacrimogêneo, balas de borracha, granadas. Parece que estão testando suas armas em nós, nesta crescente militarização da repressão”. E agregou: “sentimos uma grande decepção com o presidente Obama. Esteve aqui, fez promessas e não cumpriu nenhuma delas”.

 

Esta conduta governamental contra os direitos dos povos originários não é surpreendente, mas coerente com a conduta histórica do governo dos EUA, que cometeu e/ou permitiu abusos em terras indígenas desde o início da colonização. Um exemplo dos abusos contra os povos Lakota e Dakota foi a expropriação de terrenos em Black Hills (Montanhas Negras) de Dakota do Sul depois do descobrimento de ouro na década de 1870, além da construção de barragens no rio Missouri que causaram inundações nos povoados, em zonas florestais e em granjas nas Dakotas do Norte e do Sul durante a década de 1950.

 

Mni Wiconi: água é vida

 

Na quinta-feira, 24 de novembro, meios de comunicação alternativos como o Unicorn Riot e o Indigenous Rising Media transmitiram ao vivo em Standing Rock. É o dia em que nos EUA se celebra o Thanksgiving (Dia de Ação de Graças). Segundo a história oficial, neste dia os indígenas salvaram os peregrinos da morte, oferecendo-lhes comida – versão classificada como falsa por historiadores como Roxanne Dunbar-Ortiz, que diz que os indígenas jamais receberam com os braços abertos os seus opressores.

 

Como um recordar irônico da data, os protetores da água puseram mesas com comida. A poucos metros deles, várias dezenas de policiais bloqueavam a estrada, de um lado a outro, como um cerco. Havia cartazes dizendo “não alimentem os peregrinos” (don’t feed the Pilgrims). O lema do dia foi: “sem peregrinos, sem oleodutos, sem prisões e sem problemas”.

 

Caía uma neve ligeira na pradaria desértica, as pessoas com seus casacos pesados, a cabeça coberta com gorros e capuzes se mantinham em movimento, alguns começaram a entoar os poderosos cantos tradicionais Lakota, e o grito “Mni Wiconi” (Água é vida).

 

Assim finalizava-se outra jornada na longa batalha por Standing Rock, a maior congregação de povos indígenas dos EUA em mais de um século, desde a Batalha do Pequeno Grande Chifre (Battle of Little Bighorn) – ou Greasy Grass – que aconteceu em 1876. Esta foi uma grande vitória da aliança das tribos das pradarias – Lakotas, Cheyenes e Arapahos – que derrotou o Sétimo Regimento a mando do general Custer.

 

Diz-se que uma visão do chefe Lakota, Sitting Bull (Touro Sentado), foi a inspiração dos guerreiros; um sonho no qual os soldados do exército dos EUA caíam do céu. Esta foi a última vitória dos indígenas das pradarias. Hoje a comunidade de Standing Rock protagoniza uma mobilização histórica, que por sua capacidade convocatória, diversidade, continuidade e espírito de luta está gestando uma nova e grande vitória.

 

Nota

 

Em 29 de novembro, o Corpo de Engenheiros do Exército dos EUA enviou uma ordem de despejo – a cumprir-se em 5 de dezembro – às autoridades da Reserva Sioux. O chefe Sioux, Dave Archambault, como outros representantes da comunidade, respondeu que Standing Rock não se moverá (will stand, em inglês).

 

 

 

Silvia Arana é jornalista.

Publicado originalmente na Agência Latino Americana da Informação.

Traduzido por Raphael Sanz, do Correio da Cidadania.

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