Correio da Cidadania

Eleições na França: projeto de esquerda tenta se fortalecer para fazer oposição a governo Macron

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A França vive suas eleições legislativas, que, em caso peculiar dos sistemas eleitorais, se realiza em dois turnos. No domingo, 11, o grupo de Emmanuel Macron, presidente eleito em abril, a República em Frente, amealhou maioria que lhe permite mudanças constitucionais. Às vésperas da segunda rodada, o Correio da Cidadania publica entrevista com Sergio Coronado, deputado do partido Europa Ecologia - Verdes pela América Latina e Caribe, novidade recente na representação política.

“As eleições mostraram que o Partido Socialista não é mais a única referência de esquerda no país, já que Jean-Luc Mélenchon (Movimento França Insubmissa) foi três vezes mais votado que Benoît Hamon (Partido Socialista) nas presidenciais e terá uma quantidade equivalente de deputados. Por outro lado, uma parte dos caciques do PS está atraída pelo programa de Macron. Os próximos cinco anos serão determinantes para a recomposição de uma esquerda social que deverá ter como eixo central a ecologia e a transição energética”, afirmou.

Eleito na primeira legislatura que concedeu vagas na Assembleia Nacional para representantes dos franceses que vivem no exterior, o Coronado, nascido em Osorno (sul do Chile), comenta alguns temas importantes dentro e fora do país. Alerta que Macron fará a tradicional aposta neoliberal de demitir funcionários públicos e flexibilizar leis trabalhistas - o que já foi feito também pelo ex-presidente Hollande. Ademais, comenta alguns temas de interesse dos franceses que vivem fora do país.

“A Guiana Francesa pede há décadas maior presença institucional por parte do Estado Francês. As recentes revoltas que ali aconteceram mostram que a situação social e econômica é preocupante. É a região francesa com maior taxa de violência e nível de desemprego de 22%. É mais do que urgente que as regiões francesas ultramarinas tenham um tratamento igualitário em relação às regiões metropolitanas”, explicou.


Foto: Divulgação

A entrevista completa com Sergio Coronado pode ser lida a seguir.

Correio da Cidadania: Qual avaliação você faz das eleições legislativas realizadas na França neste último domingo e com segundo turno marcado para o próximo domingo, 18 de junho?

Sérgio Coronado: Na verdade, são resultados preocupantes por causa do recorde de abstenção de 50%. Assim, mesmo que só um em cada três franceses tenha votado em seus candidatos, Emmanuel Macron poderá contar com certa de ¾ de representantes na Assembleia Nacional.

Com 400 até 450 deputados e provavelmente boa parte dos senadores que serão eleitos em setembro, o presidente terá o poder de alterar unilateralmente a Constituição. Isso é muito perigoso quando sabemos que planeja suprimir milhares de cargos de servidores públicos, reduzir as aposentadorias, tendo ainda um primeiro-ministro que defende a energia nuclear.
 
Correio da Cidadania: O que devemos esperar do governo de Emmanuel Macron, configurado o parlamento francês?

Sérgio Coronado: O papel de um parlamentar é também de fiscalizar as políticas propostas pelo governo. Podemos nos perguntar, portanto, qual controle poderá ser exercido com um Parlamento totalmente atrelado ao Executivo. Na semana passada, a imprensa divulgou um anteprojeto de lei permitindo que o governo altere via decreto o código do trabalho. Tais alterações não serão avaliadas seriamente pelo Parlamento, por isso é tão importante que sejamos capazes na eleição legislativa de alertar os franceses sobre as medidas que estão sendo tomadas pelo presidente.

Correio da Cidadania: Que análise você faz da presidência de François Hollande? O que deixou de bom e de ruim?

Sérgio Coronado: O governo de François Hollande escolheu a educação como prioridade do seu mandato e aumentou as verbas públicas para a área na França, o que é um ponto positivo, mas deixou as verbas se reduzirem fortemente para a educação dos franceses no exterior.

Outras medidas como a revogação da nacionalidade para os cidadãos binacionais e a utilização abusiva do artigo 49.3 da Constituição (que permite ao governo adotar uma lei contra posição do Parlamento), a prorrogação do Estado de urgência após os atentados e a reforma trabalhista foram realmente péssimas.

Correio da Cidadania: Depois da campanha de Jean-Luc Mélenchon, como fica posicionada a esquerda francesa?

Sérgio Coronado: Essas eleições mostraram que o Partido Socialista não é mais a única referência de esquerda no país, já que Jean-Luc Mélenchon (Movimento França Insubmissa) foi três vezes mais votado que Benoît Hamon (Partido Socialista) nas presidenciais e terá uma quantidade equivalente de deputados na Assembleia Nacional.

Por outro lado, uma parte dos caciques do Partido Socialista está atraída pelo programa de Macron e em conflito de se alinhar ou não com a nova maioria. Os próximos cinco anos serão determinantes para a recomposição de uma esquerda social que deverá ter como eixo central a ecologia e a transição energética.

Correio da Cidadania: Voltando à eleição, como funciona o sistema francês que prevê dois turnos para a eleição de deputados?

Sérgio Coronado: As eleições legislativas na França são distritais com pleito uninominal majoritário de dois turnos. São 577 distritos, contando 11 distritos para os franceses do exterior. Em cada distrito, se elegem para o segundo turno os candidatos que recolhem no mínimo 12,5% dos inscritos. Na maioria dos casos podem ser dois, às vezes três. No segundo turno, só um se elege. Portanto, esse sistema não representa realmente as escolhas políticas dos franceses. Por isso vários parlamentares como eu defendem um pleito proporcional que permita a representação de todas as famílias políticas na Assembleia Nacional.

Correio da Cidadania: Poderia explicar o mecanismo de eleição de representantes dos franceses que residem fora da França?

Sérgio Coronado: Temos 12 senadores representando os franceses residentes fora da França desde 1958. A representação dos franceses residentes no exterior na Assembleia Nacional foi instaurada em 2012. Eu fui o primeiro deputado eleito para o distrito da América Latina e dos Caribes, que conta com 100.000 franceses inscritos.

Temos as mesmas funções que os demais parlamentares e podemos, além disso, trazer à tona alguns temas específicos dos franceses do exterior que são mal conhecidos pelos parlamentares e até então eram discutidos mais especificadamente no nível dos ministérios. Isso é um ganho de democracia para os franceses que existe em poucos países do mundo.

Correio da Cidadania: Quais as grandes questões que podem envolver esses representantes, em especial fora do território francês?

Sérgio Coronado: A França tem uma forte presença na América Latina tanto no nível educativo como cultural e economicamente. Mas apesar de um crescimento da população francesa no continente, assistimos à constante redução dos postos diplomáticos, o que afeta a vida desses franceses.

Fui fortemente contra a redução das verbas para educação dos franceses do exterior. Temos no mundo uma rede de 500 escolas e colégios que recebem verba pública do Estado. O custo desse ensino, sem apoio do Estado, pode obrigar algumas famílias com renda baixa a afastar suas crianças do aprendizado e da cultura francesa. Também muitos professores são ameaçados de perder seus contratos. Existem também algumas injustiças no âmbito da fiscalidade e da proteção social, que precisamos consertar no sistema atual.

Correio da Cidadania: No âmbito da América Latina, como, por exemplo, se poderia lidar com as revoltas e greves recentes na Guiana Francesa? 

Sérgio Coronado: A Guiana Francesa pede há décadas maior presença institucional por parte do Estado Francês. As recentes revoltas que ali aconteceram mostram que a situação social e econômica é preocupante. É a região francesa com maior taxa de violência e nível de desemprego de 22%. É mais do que urgente que as regiões francesas ultramarinas tenham um tratamento igualitário em relação às regiões metropolitanas.
 
Correio da Cidadania: Para finalizar, quais os principais desafios da democracia francesa que os novos mandatos terão de enfrentar? O terrorismo e a imigração seriam os grandes temas nacionais do momento? Não seria muito pouco considerando o contexto de crise de um modelo econômico que já completa uma década?

Sérgio Coronado: A migração não é uma ameaça e associá-la ao terrorismo é um erro, como fazem vários políticos para amedrontar a sociedade. Nos próximos anos a quantidades de migrantes no mundo vai aumentar por causa do aquecimento climático e todos os países deverão se adaptar a essa realidade.

Sobre o terrorismo, de fato é preciso fortalecer nosso sistema de vigilância, mas sem privar os franceses de suas liberdades de crença, de ir e vir, de manifestar suas opiniões e controlar seus dados digitais. Por em risco os valores da nossa nação é precisamente o objetivo dos que estão nos atacando.

No entanto, concordo que esses temas tendem a nos afastar de algumas mudanças centrais que precisam ser feitas. Há décadas que o sistema de previdência social e as políticas públicas de bem estar estão sendo desmontadas pelos governos, colocando sempre mais franceses em situação de pobreza. Precisamos fortalecer esse sistema e adotar um verdadeiro amparo contra a evasão fiscal e desregulamentação do mercado, em nível mundial, e mudar nosso sistema de consumo e produção para garantir uma economia mais sustentável.

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Tradução: Florence Poznanski.
Gabriel Brito é jornalista e editor do Correio da Cidadania.

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