Incêndio em Portugal: pessoas cercadas pelo fogo e sem assistência
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- 27/06/2017
Muitos pedidos de ajuda não tiveram seguimento devido a falhas nas comunicações. Foto: Paulo Pimenta
Pelo menos dez pessoas não tiveram ajuda ou tiveram uma assistência tardia nas primeiras horas da grande expansão dos fogos da semana passada, no Pinhal Interior. O incêndio terá começado em Pedrógão Grande pelas 14h43 de sábado, dia 17, mas foi já ao final da tarde, com o agravar das condições meteorológicas, que as chamas começaram a se expandir a grande velocidade. E a atingir aldeias. Por essa altura começaram a chegar vários pedidos de ajuda de pessoas cercadas pelas chamas. Muitos não tiveram resposta devido às falhas nas comunicações, especialmente da rede SIRESP (Sistema Integrado das Redes de Emergência e Segurança de Portugal, operadora resultante de Parceria Público-Privada).
De acordo com a “fita do tempo” das comunicações registadas pela Autoridade Nacional da Proteção Civil (ANPC), a que o Diário Público teve acesso, as comunicações fracassaram quase por completo, impedindo a ajuda às populações em perigo. E causaram o caos entre as diversas forças envolvidas no combate, que não conseguiam comunicar entre si.
O que diz a caixa preta da Proteção Civil
Esta “fita do tempo” resulta do Sistema de Apoio à Decisão Operacional (SADO) da ANPC, uma espécie de caixa preta que permite registrar, entre outros parâmetros, a sequência ordenada dos principais acontecimentos e decisões operacionais. Estes registos foram disponibilizados ao primeiro-ministro no dia 23, um dia depois de a ANPC ter enviado a António Costa as primeiras explicações sobre as falhas nos incêndios na Região Centro. No primeiro documento, já era deixado de forma clara que a rede SIRESP tinha falhado em várias frentes durante quatro dias — a “fita do tempo” detalha agora os principais fracassos.
O primeiro registro data das 19h45 de sábado, a hora a que começaram os problemas na rede de comunicações de emergência do Estado. E nessas primeiras horas estão registados vários pedidos de ajuda de pessoas cercadas pelo fogo, a que os comandos operacionais não conseguiram dar resposta, ou pelo menos uma resposta imediata, devido às falhas nas comunicações.
Logo na primeira comunicação registada, a ANPC informa que o 112 comunicou existirem “três vítimas no interior de uma habitação”. “São da zona do Porto, estão numa habitação devoluta, cercadas pelo incêndio na localidade de Casalinho, não conseguem sair sozinhas”. E conclui: “tentamos contato com o posto de comando e com 2.º CODIS (Comando Operacional Distrital de Operações de Socorro), sem sucesso”. Cinco minutos depois, o Comando Distrital de Operações de Socorro de Coimbra informa que na localidade de Troviscais “um popular e o pai necessitam de ajuda urgente”. Também aqui falhou o contato com o posto de comando.
Por esta altura (20h55), o nome SIRESP entra pela primeira vez nos registros da “fita do tempo”, com o Centro Nacional de Operações de Socorro (CNOS) a contatar o chefe da Divisão de Informática e Comunicações da Proteção Civil “solicitando o reposicionamento de Antenas SIRESP na zona de Pedrógão Grande e Figueiró dos Vinhos”.
Por dificuldades da rede SIRESP, os bombeiros decidem às 21h22 começar a contatar pelos antigos meios de comunicação da sua rede, dando indicação das frequências que deveriam ser usadas. Estas são as primeiras falhas da rede SIRESP relatadas. Ao longo dos dias seguintes seguir-se-ão muitas mais, como comprovam os relatos feitos na “fita do tempo”.
Seguem-se relatos de pessoas que pedem ajuda em vão. Às 21h28, na localidade de Ramalho, Vila Facaia, é revelado existir uma “habitação a arder e vítima queimada”. Mais uma vez “não se conseguiu estabelecer contato com o Posto de Comando para informar situação”.
O fogo alastra e repetem-se os pedidos de ajuda que não chegam. Às 21h47 é um homem de 75 anos. Está sozinho, tem a casa a arder, não tem água e está com problemas respiratórios. Às 22h45 outro homem “interroga a possibilidade de socorrer esposa que se refugiou dentro da viatura, casa já ardeu”.
Já na madrugada de domingo (1h02), a Estrada Nacional 236-1, onde morreram 47 pessoas, é pela primeira vez referida na “caixa negra” da ANPC: “solicitando apoio para o levantamento das vítimas mortais que se encontram na estrada impossibilitando a circulação dos meios de combate”.
As falhas no SIRESP foram admitidas por dois comandantes operacionais da Proteção Civil nos primeiros balanços dos incêndios. Mas estes sempre as desvalorizaram. Na passada quarta-feira, o responsável pelas operações em Pedrógão Grande chegou a dizer o contrário do que agora é confirmado. Aos jornalistas, o comandante Vaz Pinto garantiu que nenhuma falha tinha sido superior a um minuto.
Por Luciano Alvarez e Tiago Luz Pedro no Diário Público.
Luciano Alvarez e Tiago Luz Pedro