Correio da Cidadania

Maduro ou o príncipe? Do que não se diz

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Trump e Mohammed. A democracia na Arábia Saudita não parece importante.

O governo dos Estados Unidos insiste em criar na América Latina um espaço de guerra e destruição. Vem tentando desestabilizar a Venezuela desde 2002, sem sucesso. Agora, com o novo secretário de Estado, o tiranossauro “Rex”, começa com as ameaças de intervenção militar. Quer, com isso, fazer brotar uma “primavera” latino-americana aos moldes da que plantaram no Oriente Médio, quando destruíram vários países em nome do que chamam hipocritamente de “democracia”.

Muitos desses países tinham governos nacionalistas e avançavam no bem estar à sua população. Hoje, as cidades estão em escombros. A derrubada desses governos fez eclodir a ação de grupos fundamentalistas – financiados pelos EUA e países europeus – e, um deles, o Estado Islâmico, ficou tão forte e poderoso que conseguiu arrebanhar milhões de adeptos, promovendo o terror, assassinando pessoas e arrasando cidades inteiras no Afeganistão, Iraque, Líbia, Síria, Turquia e Iêmen, além de tentar incursões sobre a Arábia Saudita, parceiro querido dos EUA.
 
Toda essa ação estadunidense e europeia no Oriente Médio tem provocado, além da já falada destruição das cidades, a tragédia da migração. Milhões de pessoas fugindo, em desespero, dos campos de batalha, morrendo nos mares por conta dos naufrágios, sendo violentadas nos campos de refugiados, sofrendo toda a sorte de violências e preconceitos nos países onde conseguem entrar. Um grotesco circo de horrores que passa na televisão como uma notícia qualquer, sem provocar nada mais do que um espanto circunstancial, afinal, os que morrem ou são negros, ou são árabes, gente que o ocidente branco e burguês considera de segunda linha.

Mas, quem se debruça sobre a realidade sabe o que está em questão não é a etnia, nem a religião e muito menos a democracia. O que define as ações dos governos dos países centrais é a expansão do capitalismo. Ocupar novos territórios para acumular mais capital. A guerra é fundamental para isso. Além de garantir os novos espaços, ainda incentiva a expansão das empresas transnacionais que trabalham na “reconstrução” do desastre. Tudo muito bem pensado para continuar enriquecendo os ricos. Já as gentes, quem se importa?

Um exemplo do que falamos é o caso da Arábia Saudita. Lá, existe um regime ditatorial, lá é um Estado teocrático, lá não há liberdade para as mulheres, para os jovens. Mas, ainda assim, o pequeno país – rico em petróleo – não é bombardeado pelos secretários estadunidenses em cruzadas pela democracia. Não. A Arábia Saudita é aliada dos EUA, então, tudo bem. Que se esconda tudo de ruim que acontece por lá. Ditadura mesmo é a Venezuela, que já passou por mais de 20 eleições, e nas quais a maioria da população vota e decide, não de maneira ritual, mas sistematicamente em plebiscitos e referendos.  

No ano passado, enquanto a mídia mundial mostrava a guerra na Síria, tentando fazer do presidente Bashar Al Assad um louco ditador, na Arábia Saudita, o príncipe – sim, é uma monarquia -  Mohammed ben Salman assassinou praticamente todos os seus parentes que poderiam pleitear o trono e mandou encarcerar mais de 1300 desafetos políticos.

Quanto a isso silêncio total. O que a mídia fala é da “modernidade” do novo monarca que agora liberou os cinemas e clubes para os jovens e autorizou as mulheres a dirigir carros. Muita gente boa clama “vitória, vitória” por essas duas cortinas de fumaça criadas pelo príncipe para
esconder o banho de sangue que provocou.

Pois os eventos que levaram Mohammed ben Salman a ser o governante de fato - o rei Salman ainda vive - começaram com a renúncia do primeiro-ministro libanês, feita em rede de televisão, estranhamente em Riad, capital da Arábia saudita, com a presença do príncipe. Nesse ato, Saad Hariri atribui ao Irã a culpa pela desestabilização do mundo árabe.

Segundo o jornalista Thierry Meyssan, especializado em Oriente Médio, essa renúncia reativa um novo conflito racista na região: os árabes contra os persas. Ele ainda conta que Saad é a pessoa mais endividada do mundo, tendo uma dívida pessoal que gira em torno de quatro bilhões de dólares. E, com quem? Com a Arábia Saudita. Logo, o show da sua demissão, acusando o Irã (inimigo dos EUA) com a presença do príncipe não foi por acaso.  

O anúncio de Saad provocou a vertiginosa série de acontecimentos que estabeleceram o príncipe Mohammed bin Salman no poder. Logo após seu pedido de demissão, o ainda rei Salman arrancou dos postos o chefe do estado maior da Marinha de Guerra, o Ministro da Economia e o chefe da guarda real, também da família real. Logo em seguida criou uma comissão de combate à corrupção (a nova onda mundial), para a qual nomeou seu filho, o Príncipe Mohamed bin Salman como presidente.

Também decretou uma nova lei contra o terrorismo que incluía prisão para quem ousasse difamar o rei ou seus herdeiros (bem democrático).
Pois uma hora depois do anúncio da criação da comissão, iniciou o golpe, com a divulgação de que onze príncipes, quatro ministros e dezenas de ex-ministros estavam sendo acusados de desfalque e malversação de recursos. Todos foram imediatamente presos e as contas bancárias confiscadas.

Conforme informações do analista Thierry Meyssan, as acusações foram apenas formais, visando dar um ar de “legalidade” para o que veio a seguir. O discurso moral de combate à corrupção foi apenas uma desculpa para eliminar os possíveis obstáculos à ascensão do príncipe. As mortes começaram a acontecer, com a maioria dos membros da família real decapitados, e em pouco tempo tudo estava controlado.

Assim, assumiu o comando do país o príncipe Mohamed, saudado pela mídia estadunidense como um “jovem arrojado e moderno”. Aos 32 anos, esse jovem moderno é um dos responsáveis pela guerra contra o Iêmen, que tem sido mais um desses crimes de lesa-humanidade escondidos pela mídia comercial. O que aparece nos meios de comunicação é que o lindo príncipe agora está garantindo liberdade às mulheres, ainda que seja só a de dirigir carros.

Ao que parece, o golpe articulado pelo príncipe sempre foi do conhecimento do governo de Washington, pois, conforme levantamentos feitos pelo jornalista Thierry Meyssan, naqueles dias de terror na Arábia Saudita, o governo do príncipe Mohamed fechou acordo com o governo dos EUA para que a Aramco - empresa estatal saudita de petróleo e gás – tivesse seu capital aberto na bolsa de Nova Iorque. O discurso anti-Irã da demissão do primeiro ministro libanês, feito em Riad, fez então, todo o sentido. Tudo isso é parte da velha dominação geopolítica dos EUA.

Mas toda a trama familiar, repleta de assassinatos, decapitações, sangue e lágrimas não encontrou eco na mídia comercial. Malvado mesmo parece que é o Maduro, chamado de ditador sanguinário. Esse “malvado” é o que tem enfrentado a guerra econômica iniciada pela elite local, que tira comida da mesa do povo. E é esse “malvado” que insiste em continuar garantindo poder ao povo para que decida os destinos do país. Maduro tem um defeito grave. Ele vem da classe trabalhadora e aponta para a democracia participativa, para o socialismo. Já Mohamed é um príncipe, rico de doer, que esbanja o dinheiro amealhado com sangue. Mas, é amigo dos EUA. Esse sim é legal!

Ler análise completa de Thierry Meyssan

Como o jornal O Globo mostra as notícias de Riad

Elaine Tavares é jornalista e colaboradora do Instituto de Estudos Latino-Americanos da UFSC, onde este artigo foi originalmente publicado.
 

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