Correio da Cidadania

Palestinos resistem apesar do silêncio

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Em algum momento da minha vida estudantil secundarista li o Diário de Anne Frank e me deparei com a dor de famílias judias perseguidas pelo nazismo, completamente aviltadas de seus direitos como ser humano. A dor dos judeus na Segunda Guerra Mundial é a dor do mundo, que nos envergonha; é como a escravidão no Brasil, que nos envergonha tal qual qualquer violação de direitos humanos.

Mas há uma dor que não comove a atual humanidade. Há um genocídio que não mobiliza as pessoas a se juntarem em uma manifestação. A causa palestina! Fico me perguntando os porquês deste silêncio em relação ao genocídio palestino. Porque é disso que se trata: silêncio, omissão. Basta ver o infográfico que descreve a “ocupação” de terras palestinas por Israel (1946-2014) que é possível perceber o quanto suas terras foram “ocupadas”, e nem precisa perguntar quanto sangue foi derramado para que isso acontecesse.
 
Sugiro que folheiem os jornais da semana em um deles diz: bebê de oito meses morreu intoxicado após inalar gás lacrimogêneo lançado por Israel. Vidas palestinas contam, vidas humanas contam, principalmente quando se tratam de crianças indefesas. Outra cena chocante que vi foi o assassinato de um garoto que levou um tiro na testa. Os palestinos continuam sendo assassinados de forma brutal.

Enquanto os Estados Unidos inauguraram sua embaixada em Jerusalém, pelo menos 64 palestinos foram mortos por soldados israelenses, elevando o número de mortos para 116 em um mês e meio. O que palestinos reivindicam desde 30 de março na Faixa de Gaza é o retorno às suas terras. Há 70 anos em êxodo, chamado de Nakba (catástrofe em árabe).
 
Em seu livro Cultura e Política, Edward Said dizia que teríamos que incluir algumas questões futuras para se pensar a Palestina. O futuro é hoje, é agora, e vale a pena recordar esses pontos, antes que seja tarde demais, já sabendo que é tarde, mas nunca se perde uma guerra enquanto estivermos vivos. O que diz Said (2007, p.151-53):
 
1) ... a Palestina não é uma causa apenas árabe e islâmica – ela é importante para muitos mundos diferentes, contraditórios, mas que se entrecruzam... É uma causa justa, que deve permitir que os palestinos alcancem e mantenham a superioridade moral.
 
2) Existem diferentes tipos de poder, e o poder militar é o mais evidente... não se trata só de manter uma força militar poderosa mas de organizar a opinião pública...Simplesmente nunca aprendemos a importância de organizar nosso trabalho político, de modo que, por exemplo, o norte-americano médio não pense imediatamente em “terrorismo” cada vez que se diz a palavra “palestino”... O fato de isso não ter sido compreendido é parte da tragédia atual.
 
3) ...não adianta operar política e responsavelmente num mundo dominado por uma superpotência sem contar com profundo conhecimento e familiaridade com essa superpotência, os Estados Unidos, sua história, suas instituições, suas correntes... Os EUA não são um monólito. Temos amigos e temos possíveis amigos... a coexistência é a nossa resposta ao exclusivismo e à beligerância israelenses.
 
4) Acho que nós, como palestinos, podemos dizer que deixamos uma visão e uma sociedade que vêm sobrevivendo a todas as tentativas de matá-las.
 
O ponto mais assustador é saber que o senso comum ainda considera palestinos como terroristas. Penso que estamos perdendo a guerra em campo de batalha. Mais que isso, estamos perdendo-a por falta de informação.

Muitos não sabem os motivos que levam os palestinos a lutarem por suas terras. Podemos sugerir o seguinte raciocínio: certo dia você acorda e alguém diz que o seu espaço dentro da sua casa será dentro do banheiro e, que, nos demais cômodos você não poderá circular. Como você se sentiria? Tudo que há nos quartos, sala, cozinha não lhe pertence mais. E tudo isso dito de forma cruel e violenta diariamente, como o infográfico não esconde.
 
A Causa Palestina como diz Said não é uma causa de árabes e muçulmanos, é uma causa de todos aqueles que lutam por justiça, por igualdade de direitos, por irmandade entre os povos. A causa palestina não é contra judeus, é contra um Estado poderoso que viola os direitos humanos. Não é uma causa religiosa, é uma causa econômica, social de disputa de uma “terra santa”, mas que a própria santidade é sangrada em cada morte de palestinos. Não se quer a paz quando as vítimas são crianças, mulheres e velhos. Não se quer a paz quando se tira o direito do outro de se manifestar, se expressar.
 
A sociedade brasileira precisa deixar a omissão de lado e começar a se mobilizar por causas que também são suas. Aquele mesmo Estado que viola os direitos dos “outros”, do diferente, também está violando o nosso direito de querermos paz no mundo. A violência não tem tempo e espaço, é preciso resistir a ela, com coragem e bravura, como fazem os palestinos.
 
Vamos romper o silêncio em prol de uma sociedade justa, em prol da vida dos palestinos. Não se pode silenciar um genocídio, não se pode silenciar a violência contra um povo, como se eles não fossem também parte de nossa humanidade.

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Francirosy Campos Barbosa é antropóloga, docente do Departamento de Psicologia da USP/Ribeirão Preto. Tem pós-doutorado pela Universidade de Oxford sob supervisão do professor Tariq Ramadan. É coordenadora do Gracias (Grupo de Antropologia em Contextos Islâmicos e Árabes) e autora do livro Performances Islâmicas em São Paulo: Entre Arabescos, Luas e Tâmaras pela Editora Terceira Via (São Paulo 2017)

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