#WeAreAllMary
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- Francirosy Campos Barbosa
- 18/02/2019
Na sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019, as Forças de Ocupação de Israel (IOF) continuaram a usar força excessiva contra manifestantes pacíficos palestinos ao longo da cerca de Gaza, ferindo 67, incluindo 19 crianças, dois paramédicos e um jornalista. Os protestos desta sexta-feira viram um número limitado de palestinos que jogaram pedras ou coquetéis Molotov ou acenderam pneus de carros. Os protestos começaram aproximadamente às 14h30 e duraram até as 17h30 do mesmo dia, com milhares de palestinos, incluindo mulheres e crianças, chegando a várias áreas ao longo da cerca de Gaza para acenar bandeiras e gritar slogans nacionais, pedindo seu direito de retornar e o fim da ocupação e fechamento prolongados de Israel (1).
Abro este texto com a nota da Al Haq e complemento que a IOF desde o início da marcha do retorno em 30 de março de 2018 já matou 188 palestinos, sendo 40 crianças, três paramédicos, dois jornalistas e sete pessoas com deficiência. Infelizmente o mundo silencia esta violência cotidiana em território palestino. Talvez, porque, vivemos um mundo marcado por estereótipos em relação aos árabes e muçulmanos. Não é incomum atribuir radicalismo aos muçulmanos, assim como a eterna confusão de que todos os muçulmanos são árabes, mesmo sendo esses o terceiro grupo, antecedido por asiáticos e africanos em relação a esta filiação religiosa.
O desconhecimento que observamos quando se olham para árabes-muçulmanos, observamos em relação à Palestina. Entretanto, o estereótipo mais marcante, sobretudo, está relacionado às mulheres muçulmanas, sejam árabes ou não. Em se tratando das mulheres palestinas podemos dizer que vivem isso no próprio corpo, principalmente aquelas que além de lutar por sua terra, também usam o hijab – lenço islâmica. Muita gente, inclusive algumas mulheres do movimento feminista radical, considera a vestimenta da ‘opressão’; cobrir-se para essas feministas é retirar a própria identidade das mulheres, ao invés de se considerar que a identidade/religiosidade dessas perpassa o uso da vestimenta. A perspectiva é sempre olhar o outro com seus próprios olhos e nunca compreender os significados de entendimento do uso desta vestimenta e desta corporeidade.
Fica evidente que poucas pessoas se dão ao trabalho de conhecer a história de luta dessas mulheres. Nas intifadas – levantes – de 1987-1993 e 2000-2004 (2), por exemplo, as mulheres estavam ombro a ombro com os homens nos movimentos de rua, ou na organização de suas casas, sendo fortes e resistindo a todo tipo de violência cometida pelos seus algozes sionistas. A presença feminina foi tão grande na primeira intifada que um terço das mortes era de mulheres. Não é incomum ouvir relatos de estupros, mortes de mulheres grávidas e jovens pelo Estado sionista. Mulheres judias e muçulmanas se juntaram em 2014 para uma campanha de múltipla colaboração, mas isso não teve o peso que se esperava.
As mulheres são apagadas da história mesmo quando se trata de guerra ou de violências sofridas, como se elas não existissem, não lutassem, pelo simples fato de atribuírem a elas o silêncio que eles consideram que o véu provoca, ao invés de entender que o uso da vestimenta islâmica fala do seu lugar de pertencimento, é um sinal diacrítico de pertença não apenas simbólica, mas que constitui a sua noção de pessoa, para usar uma categoria maussiana. Se não é o uso do lenço, ser militante também incomoda aqueles que não sofrem na pele a violação dos seus direitos.
Nosso exemplo mais recente é Ahed Tamimi, que em 2017, com 16 anos, foi presa durante oito meses acusada de esbofetear soldados israelitas. Em uma das entrevistas Tamimi diz: "A ocupação afeta nossas vidas diárias e nos leva a ser mais ativos. Não sou uma agitadora profissional. Ninguém gosta de ir para a cadeia". Ela sinaliza a necessidade da militância, mesmo que isso não seja o seu desejo. Como venho acompanhando há décadas não há outra forma de lutar, se não resistindo à barbaridade perpetrada pelas violações de direitos ocasionados por Israel. Resistir também é estudar, por isso, Tamimi sinaliza o desejo de estudar Direito a fim de continuar lutando pelo seu povo.
Em 15 de fevereiro o professor Kamalain Shaat reitor da Universidade de Gaza (3), em palestra em São Paulo, disse que “a Universidade de Gaza está entre as melhores do mundo, além de bem colocada no mundo árabe, entretanto, pelo boicote de Israel tem tido dificuldade de formar parcerias para conseguir intercâmbio, pois Israel não permite a entrada de estrangeiros”. Relata que apenas três pessoas de fora concluíram seus estudos, uma belga e duas francesas. É explícito o desejo de Israel pelo apagamento da história do povo palestino, sabemos bem, e que a educação é o meio pelo qual o cidadão se liberta de todo tipo de opressão. Proibi-la é limitar a construção da consciência crítica que pauta a cidadania de um povo, de um grupo social.
Mesmo com toda esta retaliação e dificuldade de acessar Gaza há muitos grupos em solidariedade ao povo palestino. Recentemente, fui convidada por uma ativista integrante do grupo #WeAreAllMary para participar do grupo de apoio às mulheres na Palestina e contribuir na divulgação da campanha que se estende pelo menos até o dia 8 de Março, dia internacional da Mulher. A campanha #WeAreAllMary #SomosTodosMaria é formado por um grupo de pessoas interessadas a ajudar mulheres que sofrem injustiça no mundo, mas que acreditam que a paz mundial virá a partir de al-Quds.
Por isso, o apoio sistemático a essas mulheres que sofrem problemas semelhantes ao de Maria – mãe de Jesus, que teve que sair da sua região de origem por conta da perseguição sofrida. As organizadoras deixam claro que é preciso que todas as mulheres se levantem contra a opressão de Marias existentes na região de al Quads e de toda Palestina invadida.
Em um dos materiais de divulgação está escrito que Maria amava al Quds e al Quds amava Maria, por isso ela tem o direito de viver no lugar que a ama. E completa dizendo que é nosso dever elevar seu sofrimento e protegê-la contra a opressão da ocupação. A campanha tem o nome de ‘Maria Santíssima’, que enfrentou vários tipos de dano junto com seu filho Jesus. Maria tem papel fundamental tanto no cristianismo quanto no Islã; no primeiro é considerada a mãe de Deus, do Salvador, no segundo a mãe do Profeta Jesus, aquele que voltará no final dos tempos. No Alcorão, livro sagrado dos muçulmanos, há uma surata – capítulo – dedicada a ela, tamanha sua importância.
A campanha We Are All Mary foi lançada em 29 de janeiro de 2019 e termina em 8 de março de 2019. Há uma divulgação grande em instituições que anunciaram a campanha e Plataformas de mídia social (Facebook, Instagram, Twitter). Anúncios na televisão, rádio, sites de notícias, banners em espaços públicos, várias aplicações em televisão e rádio, jornais, revistas e transportes públicos.
O objetivo da campanha é chamar a atenção para diversas situações pelo qual passam mulheres, as constantes humilhações que sofrem diante do Estado sionista de Israel. As frases da campanha são escritas em inglês e árabe para que tenham uma maior repercussão na sociedade mundial.
Mary is a symbolic figure inspired by the reality of the women of al-Quds, who faces oppression for following and standing firm to the values and principles she believes in. #WeAreAllMary
We are all Mary’s campaign calls on shedding light on the suffering of women of al- Quds. #WeAreAllMary
A campanha se propõe, segundo material de divulgação, a dar visibilidade ao sofrimento das mulheres de al-Quds. Contribui para apoiá-las criando um estado de interação global com elas. Apoiar a firmeza das mulheres de al-Quds e contribuir para o levantamento da injustiça imposta aos palestinos.
Considero de vital importância apoiar a causa dessas mulheres, pois ao fazê-lo estamos nomeando também outras dores vivenciadas por mulheres em todo mundo, seja na Palestina, no Saara Ocidental, em comunidades curdas, africanas, latinas, enfim, em qualquer região no qual mulheres são vítimas de violência.
As mulheres palestinas precisam ser reconhecidas por sua luta e precisam ter o direito de criar e educar seus filhos livremente, assim como terem o direito a estudar e circular livremente. Pensamos tal qual Desmond Tutu quando diz que ‘Se você é neutro em situações de injustiça, você escolhe o lado do opressor’.
Neste momento em que nos percebemos regredindo anos-luz em se tratando de direitos humanos não podemos silenciar nenhum tipo de violência contra mulheres, crianças e homens. Vidas importam, independente de crença, raça, gênero, classe social, por isso é determinante fazer coro com #WeAreAllMary.
Notas:
1) http://www.alhaq.org, acessado em 170219
2) Conferir artigo de Soraya Misleh https://www.icarabe.org/node/2977, acessado em 150219.
3) O reitor fará falas ainda este mês em Brasília, Porto Alegre.
Francirosy Campos Barbosa é antropóloga e autora do livro: Performances Islâmicas em São Paulo: entre arabescos, luas e tâmaras. São Paulo, Edições Terceira Via, 2017; diretora do documentário: Allah, Oxalá na trilha Malê, 30min, LISA/USP,2015.