Correio da Cidadania

Miguel de Barros, o mais influente na África Ocidental

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O sociólogo guineense Miguel de Barros, de 39 anos, foi considerado a personalidade mais influente na África Ocidental em 2018 pela Confederação da Juventude da África Ocidental. O diretor executivo da ONG Tiniguena vai receber, a 30 de Março, no Togo, um prêmio que “honra” a ele, aos jovens guineenses e ao seu próprio país.

A carta de distinção de Miguel de Barros aponta-o como “alguém de quem se celebra as muitas conquistas, como modelo para jovens líderes”. O diretor executivo da ONG Tiniguena disse à RFI que esta é uma distinção especial.

“É um distinção que me honra. Honra o meu país e honra, sobretudo, a uma geração de jovens que se tem mobilizado para não só enfrentar, mas propor modos de vida e, ao mesmo tempo, capacidade de resiliência em relação a todo um contexto desfavorável, mas no qual alimentam esperanças e também trazem ensinamentos desse processo. Isso permite construir uma nova abordagem do espaço público e das possibilidades de transformação reais de um país pequeno, mas com enorme potencial e que tem um papel fundamental para contribuir ao desenvolvimento econômico, cultural e durável da região onde se encontra e de todo o continente africano”.

A luta pela emancipação das mulheres na Guiné-Bissau

Miguel de Barros é autor de "A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau: da consciência, perceção à prática política" (2013), "Manual de Capacitação das Mulheres em Matéria de Participação Política com base no Género" (2012), ambos em coautoria com Odete Semedo.

O sociólogo é diretor-executivo da Tiniguena, uma das mais destacadas organizações não-governamentais guineenses em questões de proteção e conservação do meio ambiente.

O mais recente estudo da Tiniguena concluiu que “quase tudo o que se come” na Guiné-Bissau é produzido pelas mulheres, sobretudo as do mundo rural, e que no dia em que saírem da atividade produtiva a própria economia do país morre.

Em entrevista à RFI, Miguel de Barros indicou que “no caso da Guiné-Bissau, a juventude é aquele ativo mais criativo” e “as mulheres constituem o ativo mais produtor” e “o potencial do ingresso das mulheres tanto na transformação desses produtos como na circulação e comercialização no mercado não formal acaba por jogar o papel decisivo na estabilização da economia familiar, mas também na própria cadeia de distribuição alimentar, de serviços e também de saberes”.

“Aquilo que temos compreendido, não só no caso da Guiné-Bissau, mas em toda a África subsaariana, é que o potencial da produção que vem do segmento feminino, no setor produtivo, vai desde a questão do acesso até à transformação dos produtos, da produção dos alimentos à sua colocação na mesa”, continuou.

Para o sociólogo, “a juventude e as mulheres constituem o maior ativo do continente africano”, mas “infelizmente não há uma compreensão das autoridades políticas e também do próprio empresariado africano que colocam um foco na exploração do modelo dos recursos naturais, esquecendo todo o potencial de talento humano e criativo de que a juventude e as mulheres são portadores”.

“Se os nossos Estados criarem melhores condições de abordagem à emancipação social, passando em primeiro lugar pela emancipação feminina, o nosso potencial de crescimento não só vai aumentar, mas também a possibilidade de construirmos sociedades mais justas, mais democráticas, com instituições mais credíveis, com prestadores de serviços públicos mais capazes, honestos e determinados”, sublinhou.

A defesa da juventude: do rap aos movimentos populares juvenis na Guiné-Bissau

Miguel de Barros é pós-graduado em sociologia e planejamento pelo ISCTE, em Portugal, do qual é investigador associado do Centro de Estudos Africanos e investigador do Instituto Nacional de Pesquisas (INEP) da Guiné-Bissau. É também membro do Conselho para o Desenvolvimento de Pesquisa em Ciências Sociais na África (CODESRIA). É, ainda, fundador da Corubal, uma cooperativa de produção e divulgação de trabalhos científicos e culturais na Guiné-Bissau.

Tem desenvolvido pesquisas e publicado em revistas científicas internacionais nos domínios da juventude, voluntariado, sociedade civil, mídia, direitos humanos, governança comunitária, segurança alimentar, migrações, feiras livres, literatura e música rap. Miguel de Barros é, também, um símbolo de “uma geração pioneira” no movimento social juvenil na Guiné-Bissau.

“Eu sou fruto de uma geração que foi pioneira, ao nível da Guiné Bissau, da experimentação e do exercício da liberalização política concretizada no movimento associativo juvenil e também faço parte de uma geração que inaugurou aquilo que seria o movimento social juvenil com uma dinâmica própria voltada para os jovens, com agenda sobre os jovens e com lideranças juvenis. As reivindicações dessa altura eram coisas muito básicas: o direito à educação, o direito à liberdade, à mobilidade e, sobretudo, o direito ao emprego como forma de construção da própria autonomia pessoal”,  disse.

Miguel de Barros publicou várias obras, entre as quais “De Pioneiros a Rappers: dinâmicas protagonizadas pelos jovens na Guiné-Bissau”, na qual aponta o rap como um instrumento de resistência. “Entre a transição do contexto de bancada para a abertura das universidades em 2004, a música rap ganhou uma dimensão fundamental, sobretudo em não fazer uma forma de protesto silenciosa, mas utilizando a narrativa, a voz, a palavra, a poesia cantada, articulando essa poesia com o protesto”, explicou.

A “nova estética urbana e juvenil” teve “a capacidade de denúncia, teve a capacidade de protesto e teve a capacidade de apontar caminhos”.

Miguel de Barros aponta, agora, a “emergência de movimentos sociais juvenis com diferentes formas de organização”. “Em 2018, houve um conjunto de movimentos populares juvenis que trouxeram para o espaço público uma agenda sobre educação, uma agenda sobre a energia, uma agenda sobre a infraestrutura e uma agenda sobre a própria democracia”, enumerou.

“No domínio do empreendedorismo econômico têm surgido várias iniciativas tanto de transformação de produtos locais, tanto ao nível da reorganização daquilo que são as filosofias comerciais com iniciativas de comércio eletrônico que têm demonstrado que os jovens guineenses estão ao nível do patamar daquilo que são os desafios da sub-região”, continuou.

Miguel de Barros falou ainda de “toda uma onda de economia criativa proporcionada pelos jovens, tanto no campo das artes, no domínio da própria economia, mas também na articulação entre diferentes serviços que têm permitido colocar a Guiné-Bissau como um espaço de produção cultural”.
 
Leia entrevista de Miguel de Barros ao Correio da Cidadania, em dezembro de 2017

Guiné Bissau e a gestão comunitária de florestas como oposição às pilhagens público-privadas

Carina Branco é jornalista do Portal RFI, de onde a matéria foi retirada.

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