Correio da Cidadania

Palestina em foco: território, tecnologia e refúgio

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Este dossiê é uma seleção de textos, entre artigos, um poema e um documento, que trata de questões palestinas contemporâneas, passando por um balanço dos 25 anos dos Acordos de Oslo, os usos das tecnologias da informação e comunicação (TICs) nos territórios ocupados, mídia e representação, modos de governança humanitária e vida econômica em Gaza, além de, por fim, o refúgio palestino.

Segundo estimativas da United Nations Relief and Works Agency for Palestine Refugees in the Near East, UNRWA, em 2017, há cerca de 5,9 milhões de palestinos vivendo em campos de refugiados na Cisjordânia, Gaza, Síria e Líbano. Um levantamento do Palestinian Central Bureau of Statistics mostra como os palestinos em situação de refúgio se deparam com muito mais dificuldades de inserção no mercado de trabalho, acesso a bens e serviços, vivendo na pobreza ou extrema pobreza, do que os não refugiados.

A apatridia, vivida em um dos mais longos refúgios da história moderna, é um fato vivenciado por gerações de palestinos na região, sem possibilidade real de retorno às suas terras e propriedades, direito garantido pela lei internacional e extensamente reivindicado pela população palestina.

Este dossiê foi pensado e escrito por pesquisadores brasileiros com formações acadêmicas e profissionais distintas, como jornalismo, relações internacionais, história e ciências sociais, os quais estão envolvidos com a temática tanto em pesquisa científica quanto em propostas ativistas, participando de programas educacionais, movimentos sociais e plataformas de intercâmbio e visibilização cultural. Também contribuem para o corpo deste trabalho dois palestinos refugiados no Brasil, com formações e atuações políticas distintas.

Seus textos introduzem e concluem este dossiê, trazendo em diferentes registros parte da experiência recente dos refugiados no Oriente Médio: as guerras do Iraque e da Síria. Suas produções tratam do exílio, mas também da incessante reivindicação dos refugiados pelo retorno à Palestina.

A nossa intenção foi compor variados escritos estéticos, políticos e científicos, num esforço conjunto de refletir sobre questões contemporâneas a respeito da Palestina dos territórios e do refúgio.

Abrimos o dossiê com um documento produzido por Isam Ahmad Issa, palestino nascido no Iraque que precisou se refugiar após a intervenção norte-americana no país, em 2003. O texto foi escrito por ele e outros palestinos em Al Ruweished, um campo de refugiados localizado na fronteira desértica com a Jordânia. Issa faz parte dos 103 palestinos reassentados no Brasil, em um programa coordenado pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, ACNUR, o governo brasileiro e a Cáritas, entidade de apoio social em favor dos direitos humanos.

O documento foi elaborado como um manifesto, uma afirmação do direito de retorno palestino em um momento em que Issa e seus vizinhos estavam sendo reassentados em países diferentes – feito para lembrar e afirmar o direito de voltar ao seu país.

Em seguida está um artigo que elucida esses e outros processos impactantes na vida palestina contemporânea. Arturo Hartmann escreve sobre os 25 anos dos Acordos de Oslo, conhecidos como “acordos de paz”, cuja consolidação significou a expansão do controle territorial e populacional israelense sobre os palestinos, algo que, aliado à gestão internacional, sufocou os direitos conectados à questão palestina. As últimas ações do atual presidente dos EUA, Donald Trump – com a mudança da embaixada de Telavive para a Jerusalém ocupada e o fim da contribuição estadunidense para a UNRWA – são os sinais mais recentes dessa sequência desenhada por Oslo.

Júlia Tibiriçá debate as Tecnologias de Informação (TICs) nos territórios palestinos ocupados, e como a promessa de mobilidade e livre circulação converte-se em mais um mecanismo de controle político por parte de Israel, ainda que abra espaço para comunicações, compartilhamento de imagens, memórias e acontecimentos cotidianos aos palestinos ilhados por checkpoints, muros e outras formas de controle.

Já Henrique Sanchez trata do colapso econômico e societário de Gaza, sempre à beira da iminência, e como o humanitarismo, por meio da assistência humanitária, torna-se, sob o cercamento, imprescindível e, ao mesmo tempo, o mantenedor de um regime de vida com narrativas e práticas que neutralizam a agência e os rumos da vida econômica dos palestinos de Gaza.

Maura Silva traz uma discussão sobre mídia e o orientalismo, fazendo referência ao trabalho seminal de Edward Said, uma forma de conhecimento criada e usada como instrumento de dominação pelas potências europeias nas chamadas “colônias orientais”. A narrativa orientalista veicula certos estereótipos sobre o “árabe-muçulmano” como “terrorista”, “fanático religioso”, “antiocidental”, repetidos pelas mídias ocidentais.

Esse modo de representar os povos árabes, assimilado pelos discursos midiáticos, fornece o material através do qual os espectadores imaginam os povos árabes, incluindo os palestinos, como violentos e bárbaros, assim obscurecendo suas realidades e as relações de poder geopolíticas que atravessam a região.

Chegando ao final do dossiê, eu, Helena Manfrinato, apresentei as formas de solidariedade e apoio à “causa palestina” na esquerda, a partir da experiência política da ocupação urbana Leila Khaled, em São Paulo. O inusitado arranjo político e cultural foi mediado por noções de “solidariedade internacional” e “solidariedade de classe”, aliadas à luta pelo direito de moradia.

Para concluir o dossiê, um poema do palestino Wessam Othman, nascido na Síria, narra o processo de mais uma diáspora palestina, e a busca – dilatada no tempo do exílio – por um país perdido pelas inúmeras guerras, ocupações e a omissão dos governos árabes. Othman está há menos tempo no Brasil do que Issa, e seu poema faz ressoar a mesma pergunta que os palestinos repetem há 70 anos: quando voltaremos à Palestina?

Acesse o Dossiê, publicado na Revista Diáspora

Helena de Morais Manfrinato Othman é doutoranda no Programa de Antropologia Social da Universidade de São Paulo e ativista da causa palestina na ONG Rabet.

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