Correio da Cidadania

Em Portugal, a mesma ladainha

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Ciclicamente assistimos à apresentação de mais um “estudo” sobre a sustentabilidade do sistema público de pensões. Recentemente foram apresentados mais dois, um da OCDE e outro da Fundação Manuel dos Santos que em comum têm a pressão para pôr fim às reformas antecipadas (proposta do Bloco de Esquerda fazendo justiça a quem trabalhou uma vida inteira e tem uma longa vida contributiva) e para prolongar a idade da reforma de maneira a garantir a “sustentabilidade” do sistema.

“Trabalhar até morrer” (80 anos) ou aumentar a idade da reforma para os 69 anos como o estudo nos aponta, não só não é solução para a sustentabilidade do sistema ou para o problema demográfico das sociedades, como colocaria em causa a solidariedade intergeracional.

A direita, PSD e CDS-PP, (talvez com a saudade da sua proposta de governo de cortarem pensões a pagamento em 600 milhões de euros) tem vindo a opor-se a todas as propostas de diversificação das fontes de financiamento do sistema, à redução de idade da reforma sem penalizações, preconizando, antes, o “acesso à livre escolha” e aos mercados, através do plafonamento das pensões.

O nosso sistema de pensões tem a sua sustentabilidade baseada na solidariedade intergeracional e muito assente na relação entre ativos e pensionistas, nas relações de trabalho (combate à precariedade, emprego/desemprego e em consequência no volume de contribuições para o sistema, nas políticas públicas amigas da economia e da diversificação das fontes de financiamento do sistema e na valorização financeira decorrente das aplicações dos ativos fundos da segurança social).

A reforma Vieira da Silva do sistema português de segurança social de 2007 é muitas vezes apontado como exemplo para outros países, quando foi introduzido o fator de sustentabilidade, alterou-se a fórmula de cálculo da pensão, ligou a esperança média de vida à idade da reforma, penalizou quem se reformar antecipadamente (agravada com o governo de Passos Coelho/Paulo Portas), projetou uma taxa de substituição da pensão em progressiva degradação, ao mesmo tempo em que foi criado um fundo de sustentabilidade (FEFSS) para acautelar dificuldades futuras do sistema público.

No momento atual, a previsão do esgotamento do fundo de sustentabilidade está apontada para 2048 (mais que duplicou a previsão de sustentabilidade), face à criação de emprego, à melhoria dos rendimentos e à diversificação das receitas da segurança social que marcam a evolução das contribuições nos últimos três anos, atingindo como foi recentemente anunciado, os 18 bilhões de euros.

Fica assim demonstrado que a ofensiva do Banco Mundial, FMI, OCDE e da Comissão Europeia bem como dos seus “estudos” não nos apontam nada de novo, indicam-nos sempre o mesmo caminho: adequar a idade de reforma à esperança média de vida, restringir o acesso à antecipação da reforma, apoiar o prolongamento da vida profissional e desenvolver o pilar da poupança-reforma complementar privada (1).

O momento escolhido para o aparecimento deste “estudo” da Fundação também não é um acaso! Por um lado, o capital e os mercados não desistem de se apropriarem das contribuições dos trabalhadores para os sistemas de segurança social pública (como recentemente foi aprovado pela comissão europeia e pelo parlamento europeu) de se criar o “PPR europeu, um negócio à medida do mercado de capitais” (2). E, por outro, estamos num ponto de transição da economia para a denominada economia digital ou 4.0, onde se preconiza alterações na organização e nas relações de trabalho e no emprego e se questiona qual o papel e o futuro da segurança social e em consequência do Estado social.

Alguns países experimentaram, como na Finlândia, a introdução do Rendimento Básico Incondicional colocando na sociedade as responsabilidades sociais que cabe assumir para a sustentabilidade do Estado social. Na Alemanha, debate-se, por exemplo, a taxação dos robôs (a questão da taxação dos robôs é uma questão "emblemática" de substituição do trabalho humano pela máquina, o que é necessário taxar é o maior lucro alcançado precisamente pela introdução da máquina e pela redução do número de trabalhadores), procurando aliviar a parte do capital nos seus encargos sociais. O objetivo é só um, destruir os Estados sociais permitindo um maior aprofundamento da financeirização da economia e uma maior acumulação do capital.

Este é um debate que teremos de travar no quadro de regulação sobre o “futuro do trabalho”, onde o combate ao código de trabalho e a todas as formas de precariedade devem estar presentes e o futuro da segurança social pública estará igualmente, assim como o seu reforço.

Vale a pena insistir na diversificação e reforço das fontes de financiamento do atual sistema público de segurança social, continuando o Orçamento de Estado a financiar o sistema não contributivo, e em que o sistema contributivo deve continuar a ser solidário e intergeracional, reforçado pela via fiscal, instituindo uma contribuição de solidariedade, através da criação de um Imposto sobre as grandes fortunas, e da taxação sobre os lucros das empresas, nomeadamente onde o capital intensivo predomina sobre o trabalho humano.

Notas:

1) LIVRO BRANCO da Comissão Europeia - “Uma agenda para pensões adequadas, seguras e sustentáveis”.

2) Criado o “PPR europeu, um negócio à medida do mercado de capitais

José Casimiro é da Coordenadora Nacional do Trabalho do Bloco de Esquerda de Portugal.

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