Tribunal condena Israel por crimes contra o povo do Líbano
- Detalhes
- Miguel Urbano Rodrigues
- 05/03/2008
Um Tribunal Internacional de Consciência reuniu-se em Bruxelas entre sábado e terça-feira (27), sob a presidência da juíza colombiana Dra. Lilia Solano, para apreciar os crimes cometidos pelo Estado de Israel contra o povo do Líbano.
A escritora e jornalista libanesa Leila Ghanem, em nome da organização, abriu o evento com um discurso em que expôs os objetivos da iniciativa e saudou as delegações vindas de países da Ásia, da Europa, da África e da América.
Seguiu-se uma declaração do professor belga Jean Bricmont e a leitura por John Catalinotto, dos EUA, de um documento do International Action Center, de Ramsey Clark, ex-Procurador Geral da República dos EUA, sobre a cumplicidade do imperialismo norte-americano na agressão ao povo do Líbano.
Os membros do júri, magistrados de prestígio internacional - Lilia Solano (Colômbia), Adolfo Abascal (Cuba-Bélgica), Cláudio Moffa (Itália) e Rajindar Sachar (Índia) -, abriram a audiência, com breves declarações sobre as normas processuais que seriam adotadas pelo Tribunal.
A sentença condenou o Estado sionista de Israel por crimes contra a humanidade, genocídio e outros punidos pelo direito internacional.
Cobertura silenciosa
A cadeia de televisão Al Jazeera transmitiu os trabalhos do Tribunal na íntegra para os países de idioma árabe. A chamada grande imprensa européia ignorou o acontecimento; os jornais belgas também.
Para esse silêncio contribuíram pressões da Embaixada dos EUA em Bruxelas e, sobretudo, da Embaixada de Israel, que desenvolveu intensa atividade na tentativa de evitar que o Tribunal pudesse reunir-se na capital belga.
O lugar inicialmente previsto para a realização da audiência teve de ser alterado em conseqüência de manobras de intimidação. Pressões israelenses tornaram também inevitável uma mudança do hotel inicialmente previsto para as delegações estrangeiras.
Membros destacados da comissão organizadora receberam repetidas ameaças pelo telefone. Foi transparente que elementos da Mossad, a polícia política israelense, estiveram muito ativos antes e durante o acontecimento.
Cabe ainda esclarecer que a recusa de vistos impediu a presença de advogados e magistrados que deveriam ter participado no Tribunal. As tentativas de sabotagem não conseguiram, porém, impedir que o Tribunal cumprisse a sua missão com êxito.
Depoimentos pungentes
O sábado, dia 23, foi preenchido por depoimentos das testemunhas, isto é, de vítimas da agressão do Estado sionista, e por intervenções de especialistas em armamentos proibidos e questões relacionadas com o ambiente .
Advogados, procedentes também de diferentes países, interrogaram as testemunhas e os peritos. O tempo reservado para a defesa não foi utilizado. A embaixada de Israel se negou a qualquer contato com a organização.
A apresentação de vídeos e de slides sobre as atrocidades israelenses contribuiu para a atmosfera de intensa emoção que envolveu a audiência. Uma onda de quente solidariedade inundou o grande salão da Casa das Associações Internacionais de Bruxelas, onde funcionou o Tribunal.
Raramente, em acontecimentos similares, senti como ali a transformação em solidariedade coletiva dos sentimentos de revolta e dor, suscitados pela revelação de crimes tão monstruosos como os cometidos no Líbano pela barbárie neonazi israelense.
E revelação por que, se os fatos são conhecidos?
Vivemos numa época tão desumanizada, sob o bombardeio de um sistema midiático de tamanha perversidade, que mesmo militantes veteranos das lutas antiimperialistas têm dificuldade em captar todo o horror de crimes como os que atingiram o povo do Líbano.
Ouvir as pessoas que perderam filhos ou pais, algumas toda a família, recordarem em depoimentos comoventes as horas trágicas do verão de 2007 – por vezes com a ajuda de imagens - é diferente do acompanhamento pela imprensa e pela televisão do que então ali ocorreu.
Mães cujos filhos nasceram deformados pelos efeitos do urânio empobrecido, camponeses cujos familiares tiverem braços ou pernas serrados por armas monstruosas, ou o fígado ou o pâncreas destruídos por partículas minúsculas de bombas de fragmentação quase desconhecidas, desfilaram pela tribuna como testemunhas e vítimas de ações de barbárie concebidas e executadas pelas forças armadas de um Estado neonazi, que se apresenta como democrático e conta com o apoio irrestrito de Washington.
O Tribunal ouviu médicos e autarcas das cidades do Sul do Líbano, esventradas pela metralha israelense, evocarem o cenário de horrores das semanas da agressão. Tomou conhecimento das conseqüências da maré negra provocada por Israel, o flagelo que cobriu de petróleo mais de 100 quilômetros do litoral de um pequeno país. Milhares de pescadores foram lançados na miséria pela destruição por muitos anos da vida animal e vegetal nessas águas agora envenenadas. O turismo nas praias libanesas tornou-se impossível por muito tempo.
Objetivo frustrado
Como avaliar o sofrimento dos que entre ruínas ainda fumegantes encontraram os corpos de filhos degolados pela soldadesca israelense? Porque o objetivo da violência irracional não foi apenas destruir aldeias e matar civis desarmados. O Estado sionista, ao semear um terror apocalíptico no Sul do Líbano, pretendia também que as populações abandonassem para sempre as regiões fronteiriças. Não conseguiu!
De 12 de julho a 24 de agosto, data do cessar fogo tardiamente imposto pelo Conselho de Segurança, o povo do Líbano foi alvo de uma agressão monstruosa . A heróica resistência dos combatentes do Hezbollah e dos que a seu lado se bateram contra os invasores, transformou em derrota militar – a primeira infligida ao Estado sionista - aquilo que Tel Aviv e Washington haviam concebido como prólogo de uma estratégia mais ambiciosa para o Oriente Médio.
Os sofrimentos do povo libanês não são quantificáveis. Os prejuízos materiais devem rondar os 2.8 trilhões de dólares.
A leitura da sentença foi precedida de uma Mesa Redonda na qual intelectuais revolucionários da Europa e da América, entre os quais Georges Labica e John Catalinotto, fizeram a apologia da uma solidariedade internacionalista militante contra a barbárie imperialista e sionista.
Identificado com ambos, recordei uma evidência trágica: o rumo de uma comunidade religiosa perseguida durante séculos, a judaica, alvo do genocídio nazi, e que no espaço de décadas se transformou, numa metamorfose dramática, passando do papel de vítima ao de agressora, assumindo no Estado de Israel contornos neonazis.
A solidariedade contra os crimes desse Estado monstruoso, instrumento do imperialismo no Médio Oriente, tornou-se dever para a humanidade progressista.
Miguel Urbano Rodrigues é escritor, jornalista e membro do Partido Comunista Português.
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