E a Colômbia? Paz ou Conflito?
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- Eduardo Silveira Netto Nunes
- 06/03/2008
O recente episódio de violação do território equatoriano por parte da Colômbia, o que configura uma agressão às regras das relações entre os Estados Soberanos – capazes de se autodeterminar e de ver respeitada a integridade do espaço territorial nacional (dois elementos elevados à condição de princípios invioláveis)–, e a forma pela qual tal assunto ganhou o debate público no Brasil nos colocam a necessidade de propor à discussão fatores propositalmente esquecidos, obscurecidos, silenciados, mas que compõem a complexidade envolvida nesse momento de tensão na região.
Antes mesmo da "aparição" do Equador nesse imbróglio produzido entre Colômbia e Venezuela, a tensão entre os governos colombiano e venezuelano estava constantemente sendo aquecida por declarações e ações cada vez mais agressivas tanto de Álvaro Uribe (Colômbia), quanto de Hugo Chávez (Venezuela), expressando crescentes hostilidades diplomáticas que sinalizavam, de um e de outro lado, preparativos para um possível conflito bélico.
O mote principal do governo colombiano seria uma possível ligação de apoio da Venezuela dirigida às FARC. Pelo lado venezuelano, o mote seria o das sucessivas tentativas do governo dos Estados Unidos (EUA) de desestabilizar o governo de Hugo Chávez através da Colômbia e do apoio a setores da oposição interna, que inclusive realizaram um golpe de Estado (fracassado), com o apoio dos EUA, alguns anos atrás, contra Chávez.
Deve-se lembrar que a Colômbia, em 2007, reconheceu oficialmente, num encontro público e televisonado, o governo de Chávez (que se colocou à disposição) como interlocutor autorizado entre o Estado colombiano e as FARC, a fim intermediar articulações humanitárias visando, primeiramente, a negociação para a libertação de pessoas seqüestradas nas mãos das FARC, e, num segundo momento, a possibilidade de se chegar a um acordo de paz entre o Estado colombiano e os colombianos das FARC.
Meses depois, com o êxito das primeiras negociações autorizadas pela Colômbia, entre a Venezuela e as FARC, aconteceram libertações de alguns seqüestrados. Sendo que após isso o governo da Colômbia passou a acusar Hugo Chávez de associação com terroristas, de patrocinar o "genocídio", de não querer a paz, de estar ligado e comprometido com a "desestabilização" da região.
As conseqüências dessas atitudes foram o rompimento de relações diplomáticas, a profusão de hostilidades verbais e diplomáticas e a movimentação bélica, no caso da Colômbia recebendo o apoio público do governo de George Bush, quando este afirmou, mais de uma vez, que Chávez era um problema para a estabilidade da região e que a Colômbia tinha todo o apoio dos EUA nesse embate contra o "terrorismo" e agora contra Chávez.
Nessa conjuntura, Chávez fora sagaz e maquiavelicamente reconhecido e identificado como associado ao terrorismo, ao narcotráfico e, portanto, elevado à condição de "inimigo" de uma suposta, anunciada, mas cada vez mais distante, "paz".
Chávez, por sua vez, e conhecendo o histórico currículo do governo dos EUA no que diz respeito à ingerência e à interferência em países considerados impertinentes aos seus interesses geopolíticos, efetivamente mobilizou-se midiática e belicamente, para fins de denunciar e se preparar para uma possível ação militar contra o seu país, contra o seu governo legítima e legalmente eleito pelo voto popular. Ainda mais se a Colômbia, o maior aliado dos EUA na América do Sul, num ato pouco ingênuo e carregado de segundos sentidos para as circunstâncias atuais, invadiu o território do Equador, sob a presidência de Rafael Corrêa.
Corrêa tem defendido uma integração mais profunda e sólida entre os povos e os países da América Latina, e, no caso específico da Venezuela, coloca-se como aliado e simpático às reformas sociais e econômicas conduzidos por Chávez, principalmente no que se refere à inversão aos cofres públicos, para investimentos do Estado, dos recursos ganhos através do petróleo.
"Casualmente" essa postura de reverter ao Estado, e não às transnacionais, a maior parte dos lucros advindos da exploração do petróleo, comum à Venezuela e ao Equador, e também a atitude de promover uma maior integração entre as nações da América Latina atingem frontalmente os interesses geopolíticos dos EUA.
Tal como Chávez, Corrêa e o Equador são acusados de facilitar, acolher e apoiar os guerrilheiros das FARC, logo de serem coniventes e associados ao "terrorismo". Por isso, a Colômbia teve de, através das próprias mãos, em nome do combate ao "terrorismo internacional", invadir unilateralmente esse país vizinho.
"Casualmente" essa invasão promovida pela Colômbia acontece nesse momento em que as suas relações externas com um outro país vizinho, a Venezuela, estão num tal grau de fricção, num estado de iminência de um conflito armado, de uma guerra. "Casualmente", os motivos para invadir o Equador e para aguçar as relações com a Venezuela são equivalentes: associação, permissividade, facilitação das ações das FARC.
E a Colômbia?
Bom, novamente, pouco se fala, pouco falamos dela. Podemos dizer, contudo, que ela enfrenta dilemas históricos que não iniciaram com Chávez e muito menos com Corrêa. Se pensarmos nas décadas e décadas de instabilidade e violência institucional, de resistência armada de grupos de esquerda (na qual surgiram também as FARC), de milícias armadas com a conivência do governo central (os grupos paramilitares ilegais, que, "casualmente", no atual governo de Uribe, ainda estão provocando crise no governo pela presença de pessoas muito próximas ao presidente ligadas a esses grupos), dos narcotraficantes (se é verdade que as FARC utilizam-se do narcotráfico como instrumento de financiamento de suas ações, é importante dizer que, na Colômbia, o narcotráfico existia antes de esse grupo se envolver com essas atividades; o narcotráfico não se restringe às FARC; e o narcotráfico sucederá a um suposto fim das FARC), da violência social em índices alarmantes e da militarização do cotidiano (presença e contínuas ações militares no dia-a-dia), podemos pensar que a Colômbia, que os colombianos, nossos irmãos latino-americanos, desejam encontrar caminhos de pacificação social.
O governo colombiano, pelo seu lado, com essas suas últimas atitudes, parece querer complicar ainda mais as possibilidades concretas para se atingir a concordância social.
Creio que o povo colombiano, o povo equatoriano, o povo venezuelano e seus irmãos da América Latina não desejam guerra: almejam paz, justiça social e solução política para possíveis conflitos, sejam internos, sejam externos aos seus países, às suas nações.
É preciso se encontrar arranjos institucionais para os dilemas do nosso presente.
Abaixemos as baionetas e vamos à mesa. É o clamor dos sensatos.
A América Latina, nesse momento, não precisa de vilões, nem de heróis.
Eduardo Silveira Netto Nunes é doutorando em História Social na Universidade de São Paulo – E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.
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