Correio da Cidadania

Socialista se lança à presidência nos EUA 'por independência da classe trabalhadora'

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O ano de 2024 é decisivo para a democracia estadunidense. Em 5 de novembro acontecerá a histórica eleição que decidirá quem será o 47º presidente dos Estados Unidos. Apesar de tradicionalmente reunir apenas dois partidos, o Republicano e o Democrata, candidatos independentes e de partidos menos tradicionais, costumam concorrer nos pleitos presidenciais.

Essas candidaturas alternativas geralmente têm como meta - mais do que buscar uma improvável vitória nas urnas - chamar a atenção para pautas determinadas, expor ideias políticas diferentes das apresentadas pelos candidatos dos dois partidos principais.

Neste ano, Claudia De la Cruz, do Partido para o Socialismo e a Libertação (PSL), é uma destas presidenciáveis. Filha de pais imigrantes da República Dominicana, De la Cruz tentará subverter a ordem das eleições estadunidenses e, acima de tudo, fortalecer as bases de um movimento popular socialista.

"Abordar o processo eleitoral para criar um momento, ganhar força e redirecionar a energia", disse ela. "Criar uma plataforma à qual os trabalhadores possam se voltar, e da qual possam se apropriar".

Os nomes dos candidatos independentes e de terceira via pouco são relacionados nas pesquisas eleitorais. Com levantamentos atualizados constantemente por órgãos de imprensa locais, o ex-presidente republicano Donald Trump aparece à frente do atual presidente, o democrata Joe Biden. Na pesquisa revelada pela revista The Economist, são dois pontos percentuais de diferença entre os dois - 45% a 43% respectivamente - mas essa diferença tem aumentado nas últimas pesquisas.

“Participar do processo eleitoral me deu uma percepção tão clara de como [o sistema] está estruturado para impedir qualquer opção de terceira via. É quase impossível para um terceiro partido colocar seu nome nas cédulas”, explica De la Cruz.

“Cada estado tem um determinado número de requerimentos que devem ser cumpridos. Além disso, é preciso pagar taxas variadas em cada estado. Por exemplo, em Nova York, é preciso ter, pelo menos, 45 mil assinaturas filtradas e verificadas, e para conseguir isso você provavelmente precisa do dobro de assinaturas”, completa.

Além de integrar o PSL, De la Cruz é uma das diretoras da organização nova iorquina People’s Fórum, responsável por ações de educação popular, cultural e que também serve como laboratório de mídia para a classe trabalhadora da cidade mais rica do mundo.

Nos últimos anos, organizações como essa ganharam protagonismo na sociedade estadunidense. Em uma realidade pautada pelo liberalismo, progressistas e conservadores não se diferenciavam tanto assim na política nacional dos Estados Unidos. No entanto, desde a eleição de 2016, é crescente a busca de filiações a organizações socialistas.

Segundo De la Cruz, as primárias daquele ano, entre os democratas Bernie Sanders e Hillary Clinton, foram um marco importante para socialistas e comunistas nos Estados Unidos.

“Houve um debate entre ele [Sanders] e Hillary Clinton que ficou famoso, em que a pessoa que mediava disse: "Você é um socialista democrata?". E ele responde: "Sim, isso significa defender a saúde pública...". E começou a definir o que significava isso. E muitos jovens foram para a internet e o termo mais buscado após o debate foi "socialismo". Porque os jovens queriam entender o que era esse sistema que garante saúde para todos”, explica a candidata.

Na entrevista, De la Cruz também fala sobre a prisão do jornalista Julian Assange. No dia 19, organizações em todo o mundo se uniram para protestar contra a arbitrariedade de sua condenação e tentar impedir sua extradição para os EUA, onde poderá enfrentar uma condenação ainda mais dura, por conta de sua atuação no site Wikileaks, que denunciou uma série de papéis secretos dos Estados Unidos. Os papéis apontavam relações do país com espionagem de líderes globais e crimes de guerra.

“Eu queria viver em uma sociedade em que não precisássemos de informantes. Eu queria viver em uma sociedade em que os jornalistas pudessem dizer a verdade sem enfrentar perseguição. Foi só isso que Julian fez”, explica.

“Ele disse a verdade sobre essas guerras, sobre o jeito que o sistema político e econômico funciona. Ele é como muitos outros presos políticos, como Mumia Abu-Jamal, Leonard Peltier, são tantos. O único crime deles foi dizer a verdade e lutar pelas pessoas e garantir que a maioria da sociedade soubesse que devemos lutar por nossa libertação, que não será concedida pelo sistema”.

Confira a entrevista na íntegra:

Brasil de Fato: Você está lançando sua candidatura à presidência dos EUA. É uma candidatura que traz demandas dos movimentos sociais dos EUA. Mas o que te inspira a encarar esse desafio?

Claudia De la Cruz: É um desafio enorme que faz parte da tradição dos socialistas deste país. Temos raízes socialistas e comunistas profundas aqui. O desafio é concorrer sabendo que a democracia burguesa não é, necessariamente, uma democracia a favor da classe trabalhadora.

Mas participamos de processos eleitorais burgueses exatamente para levantar as demandas da classe trabalhadora e criar uma plataforma à qual os trabalhadores possam se voltar, e da qual possam se apropriar.

Esta campanha representa, e tem a participação da comunidade trabalhadora, que entende que os processos eleitorais burgueses não foram feitos para ela. Vivemos em um contexto nos EUA em que as pessoas estão compreendendo, aprofundando sua consciência de classe e se mobilizando.

Foram muitos meses de mobilização pela Palestina. E, relacionado a isso, uma noção clara de que o dinheiro dos nossos impostos é usado nas guerras do imperialismo estadunidense. As pessoas estão percebendo que os democratas e os republicanos não servem aos interesses delas.

De fato, democratas e republicanos estão aí apenas para cumprir as ordens da classe dominante. É nesse contexto que estamos criando uma campanha socialista para oferecer soluções socialistas para os nossos problemas.

Como você disse, aqui no Brasil vimos a ascensão de movimentos e ideias socialistas na sociedade estadunidense. Como essas ideias se desenvolvem na sociedade?

Da necessidade de construir uma nova sociedade. Acredito que o capitalismo nos pressiona e, em última instância, gera aqueles que irão destruí-lo. É um sistema brutal. O capitalismo criou uma situação em que o país mais rico do mundo tem quase 2 milhões de crianças que perderam acesso à saúde.

Há quase 70 mil famílias, e uma maioria feminina, que perderam o serviço de creche. Como essas mães podem trabalhar sem alguém para cuidar das crianças? Há milhões de pessoas sofrendo as consequências da crise imobiliária. Não há moradia acessível. Há prédios vazios neste país.

Há mais de 500 mil pessoas sem-teto, em barracas nas ruas. E este é o país mais rico do mundo. Essas condições reafirmam que o capitalismo não funciona para a maioria das pessoas do país. Que só uma elite minoritária se beneficia do capitalismo às custas da maioria.

As ideias socialistas, após a campanha do Bernie Sanders... Houve um debate entre ele e Hillary Clinton que ficou famoso, em que a pessoa que mediava disse: "Você é um socialista democrata". E ele: "Sim, isso significa defender a saúde pública..." E começou a definir o que significava e muitos jovens foram para a internet e o termo mais buscado após o debate foi "socialismo". Porque os jovens queriam entender o que era esse sistema que garante saúde para todos. "Não tenho que lidar com seguro médico nem pagar um plano de saúde? Que sistema é esse que me dá acesso à educação sem me endividar?"

Nos EUA, a dívida coletiva dos que decidiram cursar universidade é de US$ 1,7 trilhão (cerca de R$ 8,5 trilhões) E o país gastou em 20 anos de guerra no Oriente Médio US$ 21 trilhões. Significa que a prioridade da classe dominante, seja com republicanos ou democratas, não é a prioridade da classe trabalhadora, é a guerra.

Como é a corrida eleitoral para uma candidata de terceira via? Para as candidaturas de democratas e republicanos, o único caminho são as primárias e os caucus, certo?

Sim, participar do processo eleitoral me deu uma percepção tão clara de como ele é estruturado para impedir qualquer opção de terceira via. É quase impossível para um terceiro partido colocar seu nome nas cédulas. Cada estado tem um determinado número de requerimentos que devem ser cumpridos. Além disso, é preciso pagar taxas variadas em cada estado. Por exemplo, em Nova York, é preciso ter, pelo menos, 45 mil assinaturas filtradas e verificadas, e para conseguir isso você provavelmente precisa do dobro de assinaturas. Isto é, umas 100 mil, para que os nomes, números, endereços sejam verificados. E aí você tem que pagar para apresentar essa documentação. Vinculado a essas validações e taxas, você precisa ter mais de 130 mil assinaturas. E você tem que dobrar esse número para garantir o mínimo de assinaturas verificadas.

E você tem que pagar. E não se exige nada disso dos democratas ou republicanos. É uma exigência exclusiva para candidatos de outros partidos. Também não temos acesso aos debates. Se você não atingir uns 5% de votos em uma eleição, você não tem acesso aos debates que são transmitidos nacionalmente.

Como divulgar sua plataforma política? Como divulgar suas ideias, seu programa de governo sem ter uma base igualitária com os democratas e os republicanos? Eles têm formas de usar a mídia - a mídia deles, New York Times, Washington Post - para atacar e perseguir candidatos de outros partidos.

Você usou a palavra "desafio" e é realmente desafiador. E acho que não é justo... É criado intencionalmente para que os republicanos e democratas sejam as únicas opções para a maioria das pessoas. É difícil... Nem todo mundo no país realmente vota. Tem uma grande maioria que não vota, por muitos motivos. Tem pessoas cujos direitos foram ceifados, tirados delas. Pessoas em situação de cárcere, por exemplo, não têm direito a voto. A ilha de Porto Rico inteira, que é uma colônia dos EUA e são considerados seus cidadãos, não têm direito a votar em seu presidente. É uma relação colonial, são cidadãos, mas não podem votar.

Mas no Havaí as pessoas votam, certo?

No Havaí, sim. E é uma relação colonial. Assim, dada a realidade e o contexto atual, onde as pessoas estão cada vez mais conscientes, existe uma oportunidade de criar um instrumento político da classe trabalhadora.

Abordar o processo eleitoral, não para entrar, embora fosse ótimo, na Casa Branca, conquistar a vitória e virar presidente, mas sim para criar um momento, ganhar força e redirecionar a energia que costuma ser cooptada e retirada através do processo eleitoral, quando as pessoas dão seu poder a quem quer que ganhe a eleição.

Trata-se de como recuperar esse poder e usá-lo para construir um movimento independente da classe trabalhadora e um instrumento político independente da classe trabalhadora. A partir da base, é importante crescer a partir da base.

Vamos falar sobre o Trump, mas antes sobre o Partido Democrata. Assim como todos os democratas anteriores a ele, Biden tem uma forte retórica imperialista. O último episódio foi o cheque em branco para o genocídio perpetrado por Israel contra os palestinos. Esse é um dos motivos para se ter uma terceira via, como disse na última pergunta? É um problema para a política dos EUA ter somente dois partidos oficiais?

É um desafio e, em última instância, os dois partidos estão ali para sustentar o projeto imperialista. Se dermos um passo atrás e observarmos a história dos EUA, tanto democratas quanto republicanos cerraram fileiras para defender o imperialismo. Cerraram fileiras para defender o capitalismo estadunidense. Em todos os níveis: local, regional, nacional e internacionalmente. Foi o que fizeram.

O que está acontecendo na Palestina, os ataques que os palestinos sofreram, não nos últimos quatro meses mas nos últimos 75 anos, servem exatamente aos interesses dos EUA de ter Israel como um destacamento seu no Oriente Médio.

Em 1983, Biden disse: "Se Israel não existisse, teríamos que criá-lo", e criaram mesmo. Porque, para eles, é uma questão de despesas. Gastam US$ 4 bilhões por ano em Israel, para que Israel cumpra suas ordens contra os palestinos e o resto do Oriente Médio.

E ele disse que não é preciso ser judeu para ser sionista, não é?

Isso mesmo, ele é um sionista autodeclarado. Se você olhar para o Congresso, muitos dos parlamentares estão mais dispostos a defender Israel do que defender seus próprios cidadãos e comunidade. Não lutam para dar acesso à saúde ao seu povo, nem para defender o direito a se sindicalizar, mas lutam para criar uma resolução dizendo que apoiam Israel e o genocídio que está acontecendo.

E fazer qualquer oposição a eles é lido como antissemitismo. Temos de ter claro que o bipartidarismo é assim. Veja que acabaram de aprovar uma lei bipartidária que vai financiar Israel, Ucrânia e Taiwan. Serão US$ 95,3 bilhões, enquanto há pessoas neste país literalmente morrendo por questões relacionadas à pobreza.

E querem mandar US$ 95,3 bilhões para financiar guerras? Isso significa que o interesse deles não é o da classe trabalhadora, nem a deste país nem a de lugar nenhum. O interesse é o capital. É isso que defendem. Quando vemos que os EUA se sentem confortáveis em expressar a ideia de ampliar a OTAN e, literalmente, instigar isso.

Foi isso que fizeram, instigaram a guerra na Ucrânia. Instigaram a guerra. A Rússia tinha todo o direito de dizer que não queria mísseis ao seu redor. Se isso tivesse acontecido nos EUA, se um grande conglomerado de nações se unissem para criar algum tipo de ameaça militar, com todos os mísseis apontando aos EUA, acha que os EUA não reagiriam?

Foi o que a Rússia fez. Mas eles querem fingir que se preocupam com os ucranianos. Não se importam com eles! Aliás, eles também são mão de obra barata para os EUA. Todos os ucranianos que vêm morrendo em uma guerra por procuração para a expansão da OTAN e os contínuos ataques à Rússia e também à China.

Precisamos entender a questão dos democratas e republicanos de uma perspectiva e um projeto político mais amplos. O problema não são eles individualmente, são dois lados da mesma moeda. Isso vai continuar assim, enquanto o imperialismo estadunidense estiver conduzindo esses dois partidos políticos.

Ainda sobre Biden, ele recebeu ataques de aliados e opositores por suas perdas de memória. Algumas pessoas dizem que ele não está em condições para um 2º mandato. Sem julgar ninguém por sua idade, você concorda com o que dizem?

Ele nunca esteve em condições de ser eleito presidente!

Desde que ele era vice-presidente…

É, desde aquela época. Acho que não podemos julgar as pessoas por sua idade porque isso valeria também para candidatos jovens. O problema não é ser mais novo ou mais velho.

É uma questão de quem se beneficia com você ocupando esse cargo. Essa é a questão. Há pessoas que dirão que Biden e Trump são iguais, que são dois idiotas incapazes. E eu discordo dessa sensação por um motivo: eles sabem exatamente o que estão fazendo. Não são tão loucos. Sabem exatamente o que estão fazendo em benefício da classe dominante. E estão ali justamente para fazer esse trabalho e estão fazendo exatamente o que deveriam fazer.

Eu não costumo questionar o que ele deveria ou não ter feito porque ele está ali para atender aos interesses da classe dominante. O mesmo vale para Obama. Se formos mais atrás, para Bush também. E Bill Clinton. Todos eles desempenharam seus papéis.

Fomos ludibriados, levados a pensar que Obama seria diferente. Obama, o primeiro presidente negro, foi o presidente que terminou o governo com as maiores taxas de deportação da história do país.

Quem construiu as jaulas usadas na fronteira com o México para imigrantes que vêm para cá em busca do que foi roubado deles e do Sul Global. Aqueles seres humanos foram colocados em jaulas construídas pelo governo de Obama e Biden. As pessoas esquecem disso e só querem culpar o Trump por usá-las. Mas foram construídas por Biden e Obama.

O nível de mediocridade nesses dois partidos está chegando a um limite. As pessoas estão enxergando. Estão vendo as deficiências, a mediocridade e a incompetência que sempre estiveram ali. Não é novidade. É que agora ninguém aguenta mais, mas sempre esteve ali.

Então acho que é preciso abandonar essa narrativa da perda de memória. Esse argumento da perda de memória tem tudo a ver com o fato de que Biden roubou documentos após a sua vice-presidência com Obama, relativos ao Afeganistão e ao Oriente Médio.

Documentos da Casa Branca?

Sim. E ele, na verdade, não quer ser visto como alguém que perdeu a memória, porque é um ser humano bastante egocêntrico. Não quer que pensem que está perdendo a memória, mas é um jeito de se inocentar de atividades criminosas. O homem é um criminoso. Não podemos cair nessa história.

Quando alguém disser isso, temos que destrinchar as camadas. Por que a mídia está dizendo isso? Basicamente, para salvá-lo. Salvá-lo de ser visto pelo que ele realmente é.

Por outro lado, a política interna não está tão fracassada, certo? Vou explicar. O governo de Biden criou empregos, estabilizou a economia, mas as pessoas não estão felizes com ele. Você mencionou algumas coisas sobre essa presidência que chatearam as pessoas. Mas como esses números se relacionam com a avaliação da gestão do Biden?

Acontece que os números não refletem a vida real. A economia melhorou para os ricos. Melhorou para quem tem ações e títulos. Mesmo assim, há bancos pequenos indo pelo ralo. Há pequenos bancos falindo. A ideia de que eles melhoraram a economia também ocorreu às custas da classe trabalhadora, do retrocesso de direitos e benefícios sociais.

Durante a covid-19, foram criados muitos programas que não buscavam salvar as pessoas, mas sim o capitalismo, manter as pessoas em atividade, trabalhando. Mas eram programas que realmente ajudavam as pessoas, como o Child Tax Credit, o crédito fiscal por filhos. Foram capazes de cancelar, quer dizer, capazes de ajudar as pessoas a não ter que pagar aluguel. Congelaram os aluguéis. As pessoas não tinham que pagar aluguel por um certo tempo. Ou não seriam multados. Foram vários programas que deram um pouco de dinheiro às pessoas.

E depois tudo isso foi tirado delas. O perdão da dívida estudantil valeu por um curto período. Em outubro de 2023, quando essas dívidas foram reativadas e as pessoas agora tinham que pagar, mais de 60% dos estudantes não pagaram suas dívidas, porque eles não conseguem. Não conseguem.

As pessoas não estão conseguindo sustentar a vida. Elas têm de decidir entre comprar comida para os filhos e para si ou pagar a gasolina para ir ao trabalho, ou à creche. São decisões difíceis que a classe trabalhadora precisa tomar, mas a classe dominante e seus políticos estão totalmente desconectados delas.

Eles se perguntam por que as pessoas se sentem assim sobre a economia, mas não é um sentimento! Não é um sentimento negativo sobre a economia. As pessoas estão experimentando uma das piores crises econômicas em muito tempo, arrisco dizer mais de 30 anos. É uma das mais profundas crises econômicas. E, ainda por cima, sem uma regulação corporativa, o que acarreta aumentos abusivos de preços.

Claudia, Trump vem liderando as primárias dos republicanos. Nikki Haley, a última candidata que competiu com ele, perdeu as últimas primárias para a opção "nenhum desses candidatos". O candidato republicano será Trump. Com tantos processos contra ele, acredita que estará livre para concorrer nessas eleições?

É uma boa pergunta. Ele recorreu à Suprema Corte recentemente porque um dos estados levou sua campanha à Justiça e votou que ele não estava apto a ter acesso válido e concorrer à presidência dos EUA naquele estado.

Ele recorreu à Suprema Corte e todos aqueles juízes, exceto [Sonia] Sotomayor, uma liberal, se inclinaram a favor de Trump. Se pensarmos em todos os outros casos contra ele a respeito do 6 de janeiro e como tudo se desenrolou, é provável que seja considerado culpado de algumas daquelas acusações.

Mas isso significa que ele não vai ganhar? Não sei. E digo que não sei porque, novamente, não houve uma derrota da tendência neofascista nos EUA, uma derrota do que o Trump representa. E não houve avanços nas demandas da classe trabalhadora do país.

Portanto, chegaríamos à conclusão de que essa tendência de apoiar o Trump só está ficando mais forte. Porque os democratas não fizeram nada para combater isso. Aliás, fizeram tudo o que puderam para fortalecer.

Porque não cumpriram as promessas e expectativas das pessoas que disseram: "Vamos nos unir, apoiar o Biden e garantir que o Trump não volte". A estratégia falhou. Não funcionou. Então, se ele poderá ou não ser eleito, minha sensação é que sim.

Na mais alta Corte de Justiça, já estão dizendo que ele é elegível e o que aconteceu no Colorado é algo que talvez não devesse acontecer no resto dos estados, porque não dá a ele uma chance justa. Repito, este sistema não opera a partir de uma base moral ou do que seria melhor para a maioria das pessoas, ou do que seria melhor para a democracia popular.

Isso não está no centro de nenhuma dessas decisões políticas. O que está no centro é como manter e alimentar o capitalismo estadunidense, os interesses dos EUA e as guerras imperialistas. É isso, infelizmente.

Claudia, as pessoas estão chamando o dia 19 de fevereiro de "Dia D" para o processo de Julian Assange. É o dia da audiência pública do jornalista. A ideia é evitar a extradição aos EUA, onde ele provavelmente enfrentaria uma séria condenação. O processo contra ele está permeado de más decisões tomadas conjuntamente pelos EUA e a Inglaterra, não?

Eu queria viver em uma sociedade em que não precisássemos de informantes. Eu queria viver em uma sociedade em que os jornalistas pudessem dizer a verdade sem enfrentar perseguição. Foi só isso que Julian fez.

Ele disse a verdade sobre essas guerras, sobre o jeito que o sistema político e econômico funciona. Ele é como muitos outros presos políticos, como Mumia Abu-Jamal, Leonard Peltier, são tantos. O único crime deles foi dizer a verdade e lutar pelas pessoas e garantir que a maioria da sociedade soubesse que devemos lutar por nossa libertação, que não será concedida pelo sistema.

Sinto que essa luta pela liberdade de Julian Assange, que se resume a isso, lutar pela liberdade dele, lutar para ele poder voltar para a sua família, continuar vivendo uma vida que ele e todos nós merecemos. E não ser punido por criminosos. Acabamos de falar do Trump, que vai sair impune com tudo o que fez.

É o que vai acontecer. Provavelmente vai levar uma palmada na mão. E vai continuar fazendo o que sempre fez. Enquanto um homem que, repito, contou a verdade e já foi provado que contou a verdade, está sendo criminalizado por fazer seu trabalho jornalístico.

Como estadunidenses, temos uma responsabilidade com o Julian. Precisamos fortalecer nossas campanhas para garantir a liberdade dele e para impedir um processo de extradição, sabendo que os EUA vão atacá-lo com tudo. Não podemos ser coniventes com isso.


José Eduardo Bernardes é jornalista do Brasil de Fato, onde esta entrevista foi originalmente publicada.

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