Correio da Cidadania

Um Estado terrorista no tempo: de Ben Gurion a Netanyahu

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Em 31 de maio de 1948, um homem nascido na Polônia chamado David Ben Gurion transformou os grupos terroristas sionistas – Haganah, Stern, Irgun e Palmach – no que seria chamado de “Forças de Defesa Israelenses” (IDF). Esse homem se tornaria o primeiro primeiro-ministro de Israel, e suas ações lançaram as bases para o que muitos descrevem como um Estado colonial de assentamento na Palestina.

Este fato resume a própria essência do Estado de ocupação hoje, oferecendo uma ilustração gritante das raízes indiscriminadamente violentas sobre as quais o Estado e seu exército foram construídos. Hoje, as operações militares israelenses continuam em Gaza e na Cisjordânia ocupada, onde tanques esmagam os corpos dos mortos e feridos e onde moradores são atirados de telhados ou mortos a tiros em suas casas.

“Causar morte ou danos corporais graves a civis com o propósito de intimidar uma população” é a própria definição de terrorismo, nas palavras da Assembleia Geral das Nações Unidas.

Prédios residenciais inteiros são reduzidos a escombros em nome do “assassinato” de combatentes da resistência, seja em Gaza, na Cisjordânia ou mesmo em Beirute. O governo israelense normalizou ataques sangrentos a hospitais, igrejas e mesquitas e armou a tecnologia de comunicações para aniquilar pessoas em casas, escritórios e ruas em massa – para causar medo em civis e forçá-los à submissão.

O Estado de gangue

Se há uma única palavra que melhor define o modus operandi de Israel, é terrorismo. Desde sua criação como uma entidade política, passando por suas primeiras campanhas de limpeza étnica até suas contínuas imposições militares em Gaza, Cisjordânia, Líbano, Síria, Iraque, Irã e Iêmen — sem mencionar suas ações anteriores no Egito, Jordânia, Tunísia e Sudão — a história de Israel é marcada por um flagrante desrespeito ao direito internacional e aos princípios morais.

O terrorismo é a arma mais poderosa para Israel, o "Estado de gangue" que agora é apelidado de "gangue de Netanyahu", e seus aparatos de segurança e militares. Essa mentalidade de gangue há muito faz parte da ideologia sionista, que encobre seus objetivos em retórica religiosa elevada, enquanto simultaneamente desencadeia atos depravados de violência e dominação.

Quase um século depois, Israel ainda luta para obter posição legítima, com sua existência perpetuamente marcada por seu nascimento violento e pela opressão contínua dos palestinos.

Esqueça todo o engano ocidental usado para convencer a opinião pública de que o Estado de ocupação é a “única democracia no Oriente Médio”. Como diz o provérbio árabe: “O que é construído sobre falsidade é mentira”.

O próprio “pai fundador” polonês deste estado, Ben Gurion, estava imerso em campanhas de limpeza étnica criminosa e deslocamento, muito parecido com as gangues terroristas sionistas que fundaram o Estado de ocupação com base nas ideias do ucraniano Ze'ev Jabotinsky. Este último foi o primeiro a pedir a militarização do sionismo para confrontar os palestinos nativos e estabelecer o projeto colonial no Levante.

Um legado de terrorismo

Os primeiros sionistas que lutaram ao lado das forças britânicas na Primeira Guerra Mundial dentro do que era conhecido como a Legião Judaica, que Jabotinsky cofundou, contribuíram fortemente para a formação gradual do Estado sionista. Muitos historiadores acreditam que, em troca dos serviços desta legião, esses judeus ocidentais receberam de presente a Declaração Balfour Britânica, que prometia estabelecer um Estado para eles na Palestina.

Israel é, portanto, o produto de um casamento ilegítimo entre uma potência colonial em declínio e uma potência ocupante emergente. É natural que o “bad boy” ilegítimo nascido desse casamento duvidoso carregue muitas das características de colonos, ocupantes, bandidos e gangues terroristas.

Tomemos, por exemplo, um incidente que ocorreu antes do estabelecimento do Estado de ocupação. Em julho de 1938, a gangue terrorista Irgun detonou dois carros-bomba no mercado de Haifa, martirizando e ferindo 70 palestinos.

O alcance violento do Irgun se estendeu além da Palestina, como em 1946, quando terroristas judeus bombardearam a embaixada britânica em Roma, frustrados pelo que viam como hesitação britânica em acelerar a imigração judaica para a Palestina.

Este ataque ajudou a atiçar o sentimento antijudaico na Grã-Bretanha e encorajou mais imigração judaica para a Palestina, uma tática que lembra as conspirações sionistas no Egito, Iraque e Síria para atacar e aterrorizar minorias judaicas, incitando violência e conflitos sociais que acabariam por forçá-las a fugir para a Palestina.

O termo “terrorismo sionista” era comum no discurso oficial britânico, incluindo na retórica e na correspondência da autoridade mandatária na Palestina. Este foi especialmente o caso na década de 1930, antes da Segunda Guerra Mundial, e após a eclosão da Grande Revolta Palestina de 1936–1939, quando a população árabe indígena se levantou contra as autoridades de ocupação britânicas e o fluxo descontrolado de colonos judeus estrangeiros.

Tomemos, por exemplo, a gangue sionista Lehi, também conhecida como Stern, que assassinou o ministro britânico Lord Moyne no Cairo em 1944. A gangue Irgun, liderada pelo militante Menachem Begin – outro futuro primeiro-ministro israelense – explodiu o Hotel King David em Jerusalém em 1946, quando ele abrigava a sede do governo do Mandato Britânico, matando e ferindo cerca de 150 pessoas, incluindo dezenas de britânicos, palestinos e até judeus.

Após a saída britânica da Palestina, gangues terroristas sionistas voltaram sua atenção para as Nações Unidas. Em setembro de 1948, a gangue Lehi assassinou o mediador da ONU, Conde Folke Bernadotte, sob acusações de apoiar os árabes.

Mas o foco principal dos terroristas sionistas continuou sendo a população árabe indígena da Palestina, que era composta por muçulmanos, cristãos e judeus. Suas campanhas violentas tinham como alvo mercados, mesquitas, espaços públicos e vilas inteiras, incluindo ataques horríveis em lugares como Haifa, Deir Yassin e Tantura, onde moradores locais foram brutalmente assassinados, estuprados e torturados.

De gangue terrorista a exército 'convencional'

O estabelecimento de Israel em 1948 fez pouco para acabar com essa mentalidade de gangue. Em vez disso, ela se institucionalizou dentro da recém-formada “IDF”, que Ben Gurion ajudou a moldar. Os massacres e a opressão continuaram, agora em uma escala maior e mais sistemática.

Qibya em 1953 viu 200 palestinos mortos, Qalqilya em 1956 perdeu 70 vidas, e Kafr Qasim no mesmo ano testemunhou mais 49 mortos. Esses são apenas alguns exemplos das atrocidades, que continuaram a se expandir ao longo do tempo.

O Estado de gangue operou na Ásia Ocidental sob imunidade internacional e rapidamente passou da mentoria britânica para uma estadunidense. Os britânicos pavimentaram o caminho com a promessa de estabelecer o Estado sionista e facilitaram a imigração judaica, enquanto os EUA foram os primeiros a reconhecer Israel como um "estado independente" em 14 de maio de 1948.

Tanto o partido Democrata quanto o Republicano concordaram em não tocar nas relações com o Estado desde seus primeiros dias. Em 1972, Washington usou seu poder de veto no Conselho de Segurança da ONU em favor de Israel pela primeira vez para bloquear uma reclamação libanesa, um veto que Washington usou mais de 50 vezes desde então.

De acordo com dados da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional, Israel é o maior beneficiário da ajuda dos EUA, com mais de US$ 260 bilhões entre 1948 e 2023, aumentando para US$ 310 bilhões até março de 2024. Dois terços dessa ajuda eram de natureza militar, simplesmente para permitir que o país matasse à vontade.

Mas a máquina de guerra sionista tem funcionado descontroladamente desde a década de 1930 até hoje, tentando matar 4.000 pessoas em um minuto bombardeando dispositivos sem fio e pagers em Beirute e perseguindo palestinos até a morte em áreas que deveriam ser "zonas seguras". Se a brutalidade era uma tática para demonstrar o poder e a superioridade de Israel, ela falhou em trazer paz ou estabilidade ao estado.

Hoje, um crescente sentimento de desamparo está se infiltrando no discurso israelense. O lançamento da Operação Al-Aqsa Flood e os confrontos subsequentes com todas as partes do Eixo de Resistência da Ásia Ocidental abalaram o Estado israelense. Quando o Hezbollah bombardeou o norte da Palestina ocupada, chegando até Haifa, a mídia israelense relatou que mais de um milhão de cidadãos estavam agora dentro do alcance dos mísseis do Hezbollah.

A instabilidade de Israel e a resistência da região

Até mesmo generais e analistas israelenses reconheceram a precariedade da situação de Telavive. O general da reserva Itzhak Brik diz: “As conquistas táticas de Israel são capacidades sem precedentes, mas não mudam a perigosa realidade ao redor dela”.

Uri Misgav escreve no Haaretz israelense que “esta é uma guerra sem fim, sem objetivos, plano ou benefício. O único objetivo, plano e benefício é continuar a guerra para preservar o governo de Netanyahu. Não devemos ir como um rebanho para o matadouro”.

O especialista militar e de segurança israelense Yossi Melman escreve sobre o “cenário assustador”, dizendo: a guerra contra o Hezbollah não é apenas um ataque, mas precisamos de uma ampla presença militar no Líbano. Isso significa uma guerra de atrito como a que o exército sofreu no sul até a retirada em 2000. Se assumirmos que o exército e a frente interna resistirão a uma guerra em duas frentes, não há garantia de que a guerra não se moverá para a Cisjordânia fervente. Uma guerra multifrente também significa lançar mísseis das frentes do Iêmen, das Colinas de Golã e do Iraque.

As recentes invasões israelenses de aldeias palestinas e campos de refugiados em Jenin, Qabatiya, Tulkarem e Gaza foram marcadas por uma brutalidade chocante, com relatos de soldados abusando de civis feridos, profanando corpos de mártires e atacando trabalhadores humanitários.

Esses atos, capturados pela câmera, revelam a mesma mentalidade de gangue terrorista que persiste desde os dias da fundação de Israel. Da execução de prisioneiros feridos e estupro de detentos à destruição de estradas, casas e lojas sem causa, o comportamento das forças israelenses espelha o de grupos criminosos em vez de um Estado moderno.

O jornalista palestino Hilmi Musa escreve das ruínas de Gaza depois que a resistência libanesa respondeu bombardeando Haifa: “é claro que a alegria do inimigo com o que foi alcançado nos últimos dias não durou muito, e há grande esperança de que ele verá sua decepção muito mais cedo do que esperava. A agressão será derrotada e a ocupação terminará”.

Mas, apesar de todos os sinais de alerta, Israel, assim como as gangues terroristas que o construíram, parece incapaz de entender as lições da história. Seu ciclo de violência continua, cego às consequências inevitáveis de suas ações.

Khalil Harb é jornalista libanês e ex-editor chefe do jornal Al-Safir.
Publicado originalmente em The Cradle.
Traduzido por Amyra el Khalili, colunista do Correio da Cidadania.

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