Imigrantes: protagonistas de outra integração
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- Paulo Illes e Lorena Bernuy
- 19/04/2007
Em São Paulo, de 13 a 15 de abril, militantes de direitos humanos e migração se reuniram para debater a realidade atual das migrações a partir do tema "Imigrantes: protagonistas de outra integração". Esse encontro marcou a continuidade dos Foros Sociais Mundiais dos Migrantes acontecidos em Porto Alegre, em 2005 e em Madrid, em 2006. Com cerca de oitenta representantes de doze países da América Latina e Europa o encontro se abriu para descrever o amplo leque de situações que vivem os imigrantes.
Na abertura do evento, Dom Demétrio Valentini, Presidente do Serviço Pastoral dos Migrantes, refletiu sobre o fato que migrante não é estrangeiro. "Não somos estrangeiros, disse, porque o mundo é nossa pátria. Os migrantes expressam a solidariedade que foi esquecida no mundo capitalista. Sempre que a migração cresce estamos vivendo mudanças na história; os migrantes são protagonistas da história; eles nos convidam a fazer caminho".
Suzana Schultz, da Fundação Rosa Luxemburgo, da Alemanha, deu também as boas vindas enfatizando o trabalho da Fundação e sua contribuição para o compromisso político: "O tema da integração é novo para Berlim e é grande nosso interesse para introduzir o debate na Alemanha, pois contribuirá para o crescimento da militância".
Luiz Bassegio, coordenador do encontro, enfatizou que a parceria com a Fundação Rosa Luxemburgo nasceu de um longo trabalho em conjunto: "O Encontro, que de inicio pretendia ser da Pastoral dos Migrantes, se ampliou e trouxe pessoas de vários países para discutir as propostas de integração latino-americana das temáticas relacionadas à migração".
Depois foram apresentados vários painéis sobre a situação social dos imigrantes. Natividad Obeso, de AMUMRA, Associação de Mulheres Unidas Migrantes e Refugiadas da Argentina, enfatizou que as situações políticas e econômicas ou as condições de pobreza dos países de origem, obrigam as pessoas a sair em busca de novas oportunidades: "Muitos migram por regimes políticos para salvar sua família". Na Argentina, segundo ela, existe uma tendência de feminização da migração. Muitas mães de famílias migraram antes que seus esposos. Encontram-se com um mundo diferente onde não conseguem nem sequer superar as condições de pobreza que viviam em seus paises" conclui.
Gerardo Alejandro, do Grito dos Excluídos Continental de Costa Rica, falou sobre a situação dos imigrantes nicaragüense nesse país: Na Nicarágua o êxodo surgiu das guerras, dos fenômenos naturais e da falta de oportunidade. Esses migrantes, afirma Alejandro, nem poderiam entrar em outro país por que não tem cédula de identidade e não podem exercer o direito ao voto". A grande luta dos cidadãos nicaragüenses, segundo Alejandro, visa a humanização das leis no país. Não é possível tirar visto de trabalho, não podem pagar 55 dólares pelo passaporte, os filhos nascidos no exterior pagam taxas altas para obter nacionalidade e ainda são vítimas de represália e de xenofobia.
Ir. Ilda Conradi, da Mobilidade Humana do Paraguai, enfatizou que nos últimos dez anos 500 mil pessoas migraram do campo para a cidade. Isso se deve às grandes plantações de soja dos Brasileiros e à concentração da terra. Compram e arrendam as terras. Nesse país 32,4 % da população se dedica à agricultura, mas acreditam que na cidade terão uma vida melhor. Chegando lá sofrem a falta de emprego, vivem do mercado informal, no serviço doméstico ou até na prostituição. Só no dia dez de abril, em Madrid, 10 paraguaios nem saíram do aeroporto por que não tinham passagem de regresso. A maior parte dos migrantes são mulheres que, enganadas, vão em busca de trabalho mas vão direto para casas de prostituição.
As conseqüências são claras: filhos que ficam sem o pai ou a mãe porque um deles arruma outra família no país de destino. "A imigração é um direito, mas existe um direito anterior que é de encontrar no próprio país uma vida digna", afirmou Ilda.
Marta Campagnoni, do Posto de Saúde Barra Funda, em São Paulo, falou sobre o Programa de atenção aos imigrantes naquela Unidade. "Existem varias populações que vivem em condições de vida precárias no centro da cidade, afirmou. Existem favelas no centro de São Paulo. Entre os principais desafios destaca que é necessário que todos vejam que esta população existe". O trabalho realizado na Unidade optou pela "discriminação positiva", mostrando que as populações da região foram mudando com a chegada dos moradores de rua, dos migrantes internos, dos bolivianos, etc. A novidade da Unidade foi apostar nas visitas através dos agentes comunitários de saúde e a criação de grupos permanentes de orientação e prevenção.
O debate que seguiu destacou um elemento que tinha saído nos relatos que é o tráfico de pessoas. O Pe. Mario Geremia, do Centro Pastoral dos Migrantes de São Paulo, disse que o problema é comum a muitos paises, daí a necessidade de criar programas comuns.
Numa segunda sessão de depoimentos o Pe. Mario Santillo, da Argentina, fez uma retrospectiva sobre a migração em seu país. Destacou a luta dos imigrantes por leis mais justas, apontando que desde a década de 90 começou a crescer a emigração para países europeus. No ano de 2000 começou o crescimento do fluxo migratório entre países como Bolívia e Peru para Chile, Argentina e países da América central. Estes, porém, logo começaram a adotar políticas restritivas nas suas fronteiras. A partir disso os migrantes vivenciam o drama de serem tratados como criminosos. Ao mesmo tempo, nasceram e já existem, inúmeras conferências e tratados feitos pela Comunidade Andina de Nações e o Mercosul. "Estas, porém, só têm caráter consultivo", afirmou Santillo. Existe hoje, depois de anos de atividades organizadas, uma visão de integração latino-americana enraizada a partir da criação do MERCOSUL.
Existem, ainda, alguns ganhos principalmente no tema da educação com a eliminação dos artigos que proibiam aos imigrantes o acesso às escolas. "O desafio das organizações sociais consiste, hoje, em reforçar a luta dos direitos dos imigrantes pela unificação familiar na ratificação da convenção Internacional da ONU sobre a proteção dos trabalhadores imigrantes e suas famílias", concluiu Santillo.
Suzana Schultz, da organização Rosa Luxemburgo, Alemanha, informou sobre a luta contra as políticas restritivas que a União Européia impõe em relação ao trato dos imigrantes e refugiados. Isto provoca uma crise social devido ao alto contingente de cidadãos latino-americanos e empurra o migrante a trabalhos como prostituição e até a trabalho escravo. Assim, por parte dos poderes locais, se promovem políticas de controle das fronteiras e se exige dos países que queiram entrar na União Européia a adotar este tipo de políticas, inclusive para os asilados.
Segundo Suzana, na Alemanha, de duas mil solicitações de asilados, só 11% conseguiram asilo. Conseqüência disso é o fato que, a cada ano, mais de 30 mil pessoas são deportadas, apesar da luta das organizações contra as políticas de exclusão social.
Bárbara Miranda, imigrante chilena na Alemanha e líder sindical, falou sobre a nova lei implantada desde 2005, naquele país, que criminaliza os imigrantes e os considera como refugiados e criminaliza a sociedade imigrante. A lei aplica uma política restritiva para erradicar o crescimento massivo da migração e uma integração forçada à cultura local com cursos obrigatórios para quem quer regularizar sua documentação.
A lei para os refugiados, por sua vez, exclui alguns refugiados do acesso ao trabalho, cataloga os imigrantes colocando condições e etiquetas sobre eles. São leis rígidas e intolerantes que impõem datas e prazos para o transito e a residência temporária.
Bárbara lembrou que, na cidade de Berlin, os imigrantes são expostos não só à exclusão, mas à deportação. Eles e seus filhos. Mesmo tendo nascido na Alemanha, não têm direito a possuir documentos. A única opção para obter a documentação seria o casamento com um cidadão alemão.
Segundo Bárbara, o trabalho da Plataforma de Refugiados e Imigrantes, em Berlim, oferece um bom serviço aos imigrantes através de tradução e difusão das leis que estão em vigências e que lhes são favoráveis. Oferece, ainda, acompanhamento jurídico e apóia mobilizações para ações contra racismo e xenofobia.
Paulo Illes e Lorena Bernuy são colaboradores do Centro de Apoio ao Migrante.
Publicado originalmente pela Adital (www.adital.org.br).
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