Correio da Cidadania

Obama e a nova América Latina

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O mundo ainda está absorvendo o fato de que os EUA elegeram para presidente uma pessoa que promete mudar a relação de seu país com o resto do mundo – e dar um tempo na arrogância dos anos Bush. Ainda. Isso está longe de esclarecer o que a América Latina pode esperar de Barack (abençoado em árabe) Obama.

 

A região pode não estar no topo da agenda do novo presidente, que deverá dar prioridade a duas guerras (Afeganistão e Iraque) assim como à recessão econômica e ao pânico financeiro.

 

No entanto, Obama apresentou elementos de sua provável abordagem na região em 23 de maio de 2008, num discurso em Miami antes de uma audiência que incluía a presença de vários expatriados da comunidade cubana. À época, prometeu erguer suas políticas em torno das Quatro Liberdades de Roosevelt (liberdade de expressão, religiosa, de soberania e do medo, que nos termos atuais significa redução do número de armamentos).

 

"É hora de uma nova aliança nas Américas. Depois de oito anos de políticas fracassadas do passado, nós precisamos de uma nova liderança para o futuro. Depois de décadas pressionando por reformas de cima para baixo, nós precisamos de uma agenda que faça avançar a democracia, a segurança e oportunidade de ascensão. Portanto, meu governo será guiado pelo simples princípio de que ‘o que for bom para os povos das Américas será bom para os Estados Unidos’. Isso significa medir o sucesso não somente através dos acordos entre governos, mas também pelas esperanças das crianças nas favelas do Rio, pela segurança dos policiais da Cidade do México e pela diminuição da distância entre Miami e Havana".

 

Indicações mais concretas de suas políticas irão surgir na Cúpula Presidencial da América Latina, marcada para Trinidad e Tobago, em abril. Tal ocasião, sua primeira viagem para a região, também marcará seu primeiro encontro com os líderes políticos latino-americanos. Se Bill Richardson, atual governador do Novo México, foi selecionado como seu Secretário de Estado, é sinal de que Obama pode dar à região uma maior, e mais simpática, atenção. Uma razão adicional para conceder tal atenção ao sul de sua fronteira seria o esmagador apoio dos eleitores hispânicos, que foram decisivos em alguns dos estados tradicionalmente republicanos.

 

A experiência, estilo e personalidade de Obama, em exibição total durante os últimos 18 meses, oferecem alguma idéia da direção de sua ação futura. Sem dúvidas, ele é inteligente e altamente articulado. Sua família é humilde, filho de mãe branca e companheiro queniano, que logo abandonaria sua mulher e filho. Obama foi educado em maior parte pela sua avó materna no Havaí. Formou-se na Columbia University em Nova York e depois na Escola de Direito de Harvard, onde foi o primeiro negro eleito editor da prestigiosa Law Review, a editora da instituição. Ao invés de ir para Wall Street com tais credenciais, Obama se tornou um líder comunitário da baixa renda, majoritariamente no sul negro de Chicago, onde conheceu sua esposa Michelle, também formada na Escola de Direito de Harvard. Depois de muitos anos por essas comunidades, elegeu-se para a legislatura de Illinois e quatro anos atrás senador dos EUA.

 

Em resumo, Obama parece ser um moderado e cauteloso progressista, indisposto a tomar decisões precipitadas e preparado para abordar políticas de áreas que lhe são pouco familiares, o que inclui a América Latina, com cautela.

 

A supracitada declaração de Obama em Miami reconhece um novo clima político na América Latina, onde movimentos populares e partidos políticos agressivos rejeitam o consenso de Washington imposto pelos favorecidos governos norte-americanos nos anos 80. Desde que se destronaram as ditaduras latino-americanas, a onda de engajamento cidadão e participação política por parte dos pobres e das camadas menos representadas mudou o cenário político. Novos movimentos sociais mobilizaram os cidadãos a lutar contra abusos aos direitos humanos, conquistar direitos para os pobres e indigentes, assegurar terra para quem não possui, construir casas para os sem teto, salvar comunidades do desastre ecológico e exigir governos honestos. Muitas das políticas de dominação unilateral dos partidos políticos e suas alianças estão com significado menor, e partidos populistas de diversos tipos predominam agora. É cedo demais para saber se e como a nova administração estadunidense irá conduzir as relações com populistas mais agressivos, mas certamente será mais simpático a eles do que foi o governo Bush.

 

Uma antecipação do que será a política de Obama para a região pôde ser vista nas declarações emitidas durante a campanha. Dos vários candidatos a presidente em 2008, Obama ofereceu a abordagem mais conciliadora para tais debates. Especificamente, eis as posições declaradas de Obama:

  • Na globalização e no mercado, o novo presidente segue os democratas liberais, procurando revisar o NAFTA e um acordo de mercado com a Colômbia, ao menos até os assassinatos de dissidentes e trabalhadores sindicalistas cessarem por lá.
  • Pretende reduzir ou eliminar a ajuda militar americana à Colômbia e provavelmente se oporá a instalações militares em qualquer outro lugar da região.
  • Ele não oferece muitas declarações sobre a redução ou eliminação dos subsídios à agricultura dos EUA, como tentado pelo Brasil e outros participantes da Rodada Doha de negociações (é relevante que o estado de origem de Obama seja Illinois, um dos maiores produtores agrários).
  • Ele anunciou planos de fechar a prisão de Guantánamo, em Cuba. Também expressou vontade em abrir diálogo com Raul Castro e relaxar as restrições para viagens e remessas de dinheiro a Cuba. Entretanto, ainda não se manifestou sobre levantar o embargo à Ilha.
  • Nas leis de imigração, apóia maiores oportunidades para a conquista da cidadania e tratamento menos draconiano que o de Bush em relação a trabalhadores sem documentos.
  • A respeito da política anti-drogas dos EUA, não propõe inovações. Oferece mais ajuda ao México e à América Central na luta contra a violência gerada pelas drogas. Entretanto, algum esforço no sentido de mudar a desacreditada e contraproducente política de criminalização do consumo de drogas é improvável. Dessa forma, o tráfico e os crimes a ele associados continuarão a aumentar.
  • Ele não comentou diretamente nada sobre o tratamento aos países de tendências esquerdistas, como Bolívia, Equador, Nicarágua e até Honduras, país ignorado e difamado pela administração Bush. Durante a campanha, porém, propôs abrir diálogo com o karma de Bush, Hugo Chávez, e também com o Irã.

 

A vida e o trabalho de Obama nas comunidades pobres de Chicago como líder e organizador comunitário deverão ser importantes na formatação de suas políticas relativas à América Latina de hoje. Essa experiência permite a ele que aprecie as emergentes realidades políticas e sociais da região e entenda que seus governos estão buscando uma distribuição mais eqüitativa das oportunidades e das riquezas. Sua própria história enquanto cidadão negro permite a ele reconhecer que raça e etnia ainda são barreiras para a governança democrática e o desenvolvimento econômico por toda a América Latina. Seu persistente slogan de campanha foi de "mudança", que deve caracterizar a conduta de sua administração na América Latina.

 

Arthur Domike é editor, autor de "Sociedade civil e movimentos sociais: construindo democracias sustentáveis na América Latina", Editora do Banco Interamericano de Desenvolvimento, Washington DC, 2008 (com versões em inglês e espanhol).

 

Traduzido por Gabriel Brito, jornalista.

 

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