“Desculpem os transtornos, estamos construindo algo melhor”
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- Grupo São Paulo
- 24/09/2011
O aprofundamento da crise econômica nos países da Europa e nos EUA e seus impactos sobre o emprego têm gerado reações sociais antagônicas nos países centrais do capitalismo.
Pela extrema direita, os atentados perpetrados por um jovem na Noruega, em nome de uma “cruzada” contra o multiculturalismo e, em particular, o Islamismo, são expressões radicais da manifestação de intolerância que culpa os imigrantes, vindos, sobretudo, do Oriente Médio e da África, pela crise.
Diametralmente oposto é o movimento que tomou as praças e ruas em toda a Espanha e ficou conhecido como 15-M ou Puerta del Sol em referência à praça de Madri em que a multidão se reuniu. Começou com o convite para a manifestação do dia 15 de maio (15-M), lançado por uma rede social chamada “Democracia Real Já”: “Não somos mercadoria nas mãos de políticos e banqueiros”. A manifestação, realizada em mais de 60 localidades de toda a Espanha pelos vários núcleos do movimento, foi amplamente convocada através da internet. É de um cartaz visto na Puerta Del Sol que tiramos o título deste artigo.
A manifestação foi feita uma semana antes das eleições municipais e regionais com o objetivo de expressar a rejeição à democracia atual, ao bipartidarismo e à impossibilidade de opções por conta da ditadura dos mercados e instituições financeiras. Como diziam outros cartazes na praça: “Se não nos deixam sonhar, não os deixaremos dormir”. Questionando o sistema político e o cinismo partidário, eles proclamam: “nossos sonhos não cabem nas urnas”.
O movimento foi capaz de construir uma plataforma democrática e popular para apresentar ao governo e à sociedade, possibilitando uma rápida adesão de entidades da classe trabalhadora e movimentos populares. Lutam por uma democracia real, com a eliminação dos privilégios dos parlamentares e governantes e a equiparação do salário dos representantes eleitos ao salário médio espanhol. Também lutam contra o desemprego, exigindo redução da jornada de trabalho e aposentadoria aos 65 anos. Além disso, o programa inclui o direito à habitação e serviços públicos de qualidade.
Expressão da luta pelo direito à democracia participativa é a exigência de uma legislação que facilite a convocação popular de referendos e plebiscitos. Outras três bandeiras merecem destaque: o controle das instituições bancárias, incluindo a devolução de todos os investimentos públicos feitos para o capital financeiro; o aumento de impostos para as grandes fortunas e bancos e a redução dos gastos militares.
A onda da revolução árabe é uma clara inspiração para o 15-M. A idéia da criação de acampamentos de tendas vem diretamente da Praça Tahir, no Cairo. Muitos também se inspiraram nos trabalhadores e nos jovens gregos em suas mobilizações por todo o último ano, no movimento de greves de massa na França e ainda no movimento da juventude em Portugal. Em um cartaz em Madri se lia: “A França e a Grécia lutam. A Espanha vence... no futebol”. A despeito da total falta de liderança, que deveria ser oferecida pelos dirigentes das organizações oficiais, a juventude espanhola está em movimento, e ela tem a simpatia de largas camadas de trabalhadores.
O manifesto aprovado por dezenas de milhares de pessoas presentes na Puerta del Sol em 18 de maio foi certamente um passo a frente. Entre outras coisas, reconheceu o caráter político do movimento: “Nós perdemos o respeito pelos partidos políticos principais, mas não perdemos nossa capacidade de criticar. Pelo contrário, não temos medo da política. Expressar uma opinião é política. Buscar formas alternativas de participação é política”. O manifesto também esclareceu que não exige abstenção nas eleições, mas exigiu que “o voto tivesse um impacto real em nossas vidas”. O manifesto também identifica claramente os responsáveis pela “situação que enfrentamos: o FMI, o Banco Central Europeu, a União Européia, as agências de classificação de risco”, entre outros. Alguns também estão questionando a monarquia como instituição, argumentando que deve ser submetida a um referendo.
Tanto as reações violentas da extrema direita como as manifestações utópicas da juventude ocorrem diante da constatação de que os Estados Nacionais na Europa submeteram-se inexoravelmente aos interesses do capital financeiro, ou seja, o dinheiro aglomerado aos bilhões pelos grandes bancos e que financiam as gigantescas corporações industriais e os governos.
Caso emblemático desta rendição são os EUA. Ao longo do mês de julho, o mundo acompanhou com ansiedade o desfecho das tratativas entre republicanos e democratas em torno da extensão dos limites de endividamento da União estadunidense, ou seja, a capacidade à disposição do governo dos EUA para se endividar. O acordo final resultou em pequeno aumento da capacidade de endividamento e fortíssimos cortes de gasto, que chegarão a US$ 3 trilhões ao longo dos próximos 10 anos, representando a retirada dos gastos públicos que visavam ativar a economia estadunidense após a crise de 2007-2008, e provavelmente repercutirão em menores índices de crescimento, numa economia que já beira a recessão, e no aumento do desemprego, hoje já superior a 9%.
A economia da Europa segue estagnada. Em função disso, o desemprego continua bastante elevado, acima dos 20% em alguns países, como a Espanha. E a situação se agrava na Itália, terceira maior economia do Continente. O problema é que estas economias estão em condições cada vez mais difíceis de refinanciar suas dívidas públicas, que se ampliaram exatamente por conta dos programas de salvamento dos bancos no período inicial da crise, em 2007 – ou seja, a mesma crise se arrasta.
O problema, agora, não é apenas dos países altamente endividados, mas de seus credores, os grandes bancos franceses e alemães. Caso se confirme a projeção de que a Itália será a próxima economia a necessitar socorro da União Européia, é bem provável que o Euro esteja encalacrado e em grande risco de colapso.
Por isso, a política vai ficando sem saída, com uma sucessão de governos sendo derrubados por promover programas de ajustamento, e que são substituídos por outros governos que quase imediatamente assumem exatamente os mesmos programas de ajustamento por conta da crise. Ou seja, as margens políticas estão se estreitando. Os sindicatos também se encalacraram, pois são grandes defensores da integração européia e, com o fracasso desse processo, ficarão fragilizados. Nos movimentos sociais, para além dos sindicatos, existe enorme descrença nas institucionalidades nacionais e européias (daí os chamados “indignados” na Espanha e na Grécia, e que se espalham pelos países europeus).
Mas paira o temor de que ações como as ocorridas na Noruega também ganhem força. E aí, a crise econômica terá sido estopim para o aprofundamento da barbárie. Felizmente, ações como a dos jovens espanhóis são pedagógicas de como a construção do poder popular é o caminho alternativo, de superação do sistema econômico excludente que é a raiz de toda barbárie.
Thomaz Ferreira Jensen, Andrea Paes Alberico, Marietta Sampaio, Carlos Alberto Cordovano Vieira, Elisa Helena Rocha de Carvalho, Guga Dorea, João Xerri e José Juliano de Carvalho, do Grupo de São Paulo - um grupo de pessoas que se revezam na redação e revisão coletiva dos artigos de análise de Contexto Internacional do Boletim da Rede, editado pelo Centro Alceu Amoroso Lima para a Liberdade, de Petrópolis, RJ. Este endereço de e-mail está protegido contra spam bots, pelo que o Javascript terá de estar activado para poder visualizar o endereço de email
Artigo publicado na edição de agosto de 2011 do Boletim Rede.