O que quer Obama?
- Detalhes
- Atilio A. Boron
- 11/11/2011
Por que Barack Obama queria se reunir com a presidenta Cristina Fernández de Kirchner? Sobram elucubrações, mas as escassas – e também críticas – declarações procedentes de Washington remetem a uma agenda contendo temas como a suposta presença de grupos terroristas iranianos operando na América Latina e particularmente na Argentina, e a excessiva vulnerabilidade da legislação nacional em relação à lavagem de dinheiro, o que havia originado o bloqueio estadunidense a créditos concedidos pelo BID e o Banco Mundial.
Na verdade, tais assuntos carecem de substância: sobre os iranianos é em parte a clássica paranóia de Washington e em parte uma tática para pressionar nossos países e isolar, satanizando-o, o Irã.
Quanto à lavagem de dinheiro, é outra acusação que carece de fundamento, principalmente quando parte de quem tem a 100 quilômetros da Casa Branca um dos paraísos fiscais mais importantes do mundo: o estado de Delaware, que publica por todos os meios que qualquer empresa que instale ali sua matriz, mesmo um diminuto escritório, será eximida do pagamento de impostos por toda a renda produzida por suas subsidiárias que desenvolvam suas atividades fora dos pequenos limites deste estado, dentro ou fora dos EUA. Por isso, 60% das 500 maiores transnacionais listadas pela revista Fortune têm seus escritórios centrais neste estado, que além do mais se vangloria de ter uma legislação que “não coloca limites à usura”.
Dados esses antecedentes e tendo sempre em conta que jamais se pode confiar na mentirosa benevolência do imperialismo e seus porta-vozes (quem tiver dúvidas é melhor refletir sobre o ocorrido com Kadafi), a hipótese que se apresenta com mais força para compreender o sentido do convite de Obama dirá que foi motivado pelo desejo de sabotar, por ora diplomaticamente, o projeto integracionista representado pela Unasul e isolar os governos de esquerda da região, principalmente a Venezuela de Chávez.
O acordo do Pacífico, recentemente promovido pelos Estados Unidos e secundado pelo México e os sul-americanos Colômbia, Chile e Peru, equivale a colocar o Cavalo de Tróia dentro da Unasul. Não é casual que a inesperada solicitação para se reunir durante a Cúpula do G-20 em Cannes tenha chegado pouco depois de a presidenta pronunciar dois discursos enfaticamente ‘unasulistas’ na noite de domingo de sua retumbante vitória eleitoral. A doentia obsessão de Washington é acabar com a experiência bolivariana e se apoderar do petróleo da Venezuela, como já fez no Iraque e na Líbia. Para os falcões estadunidenses – dos quais Obama é um solícito mordomo – a estreita relação consolidada ao longo destes anos entre Argentina e Venezuela é um incômodo obstáculo que deve ser removido o quanto antes.
A estratégia para 2012, ano em que se celebrará a crucial eleição presidencial na Venezuela, é chegar a este momento com um Chávez debilitado por uma intensa campanha desestabilizadora – já começada! – que inclui desabastecimentos seletivos de artigos de primeira necessidade, assassinatos a esmo cometidos por paramilitares colombianos infiltrados ilegalmente no país ou lúmpens recrutados para instalar a sensação de absoluta insegurança cidadã e a permanente gritaria da “imprensa independente” (na verdade, a única instância organizacional que possui a direita, tendo em conta a fragilidade de suas expressões partidárias), denunciando supostas restrições à liberdade de imprensa. Isso tudo orquestrado por um país onde um jornal, uma rádio ou uma televisão pode fazer apologia ao genocídio ou incitar a violência com total impunidade.
Dentro dessa estratégia global, isolar a Argentina do projeto de integração sul-americano é um passo tático da maior importância. Avançar rumo a esse objetivo parece ser o único sentido possível do convite feito pelo mandatário estadunidense.
Atilio Borón é doutor em Ciência Política pela Harvard University, professor titular de Filosofia Política da Universidade de Buenos Aires e ex-secretário-executivo do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (CLACSO).
Traduzido por Gabriel Brito, jornalista do Correio da Cidadania.