Correio da Cidadania

Nova Guerra Fria? A China como alvo principal da nova ofensiva imperialista dos EUA

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Com a retirada das guerras no Oriente Médio, agora o alvo estratégico dos Estados Unidos é a Ásia, em particular a China. Recentemente, Obama afirmou que os cortes orçamentários do Pentágono não vão atingir a zona asiática: "Disse à minha equipe de segurança nacional que, encerradas as guerras atuais, ou seja, a saída do Iraque e do Afeganistão, as missões na região Ásia-Pacífico serão nossa prioridade". Hillary Clinton declarou que, na seqüência do Iraque e do Afeganistão, "o centro de gravidade estratégico e econômico do mundo está se mudando para o leste, e que (os EUA) estão se focando mais na região da Ásia e Oceania".

 

Um dos focos de tensão é o Mar da China Meridional, das ilhas Spratly e Paracel, que se acredita ser uma das maiores reservas mundiais de petróleo ainda não exploradas. Os EUA também deslocaram a maior parte de seus porta-aviões do Atlântico para o Pacífico, que recentemente fortaleceram acordos militares com Cingapura e Austrália. Esta mudança do alvo estratégico dos Estados Unidos provavelmente marcará profundamente os conflitos geopolíticos da próxima década, representando não apenas uma enorme drenagem dos recursos imperialistas, mas também uma potencial carga explosiva extremamente instável para as relações internacionais contemporâneas.

 

Mesmo com o declínio da hegemonia dos Estados Unidos, não se pode falar da perda de seu poder militar. A capacidade estadunidense de intervenção militar é única na história e pode usar o recurso da imprevisibilidade do envio rápido de tropas pela extensão de suas bases pelos quatro cantos do mundo, encorpando também seu poder ao ciberespaço, ao espaço sideral e utilizando novas formas de intervenção em conflitos com as empresas militares privadas. Esta capacidade bélica, entretanto, não assegurou a vitória incisiva dos Estados Unidos e de seus aliados no Oriente Médio. Pior, em meio a este processo, presenciou a acelerada e crescente ascensão da China como um dos centros econômicos, políticos e militares do mundo.

 

De qualquer forma, é certo que os Estados Unidos continuam sem uma política coerente com a China. Giovanni Arrighi listou três razões principais para isso. Primeiro, que o governo Bush via a guerra do Iraque como a batalha decisiva para conter o poder crescente da China. Como o sonho de uma vitória fácil que permitiria aos Estados Unidos lidar com a China de uma posição vantajosa azedou, restou o objetivo de sair do Iraque com o mínimo de perda para a credibilidade norte-americana. A segunda razão para a constante inexistência de uma política norte-americana coerente para a China é a dificuldade de se definir o interesse nacional dos Estados Unidos. E a terceira é a dificuldade de perceber as tendências atuais e futuras da economia política chinesa.

 

Agora o primeiro ponto está sendo reformulando. O fracasso no Oriente Médio está obrigando o salto estratégico rumo à China, sem o acúmulo de poder que seria propiciado pela guerra do Iraque. Isto é, a mudança estratégica dos Estados Unidos agora acontece num contexto de enfraquecimento político e maior dependência econômica da China. A alternativa militar parece ser a única forma de conter o poder chinês diante do aprofundamento de sua crise – por mais irracional que seja.

 

Mas como e por que os Estados Unidos iriam aumentar seu engajamento militar na Ásia? Afinal, se a questão de Taiwan for deixada de lado, é difícil construir uma hipótese realista para um conflito entre China e Estados Unidos. Uma das justificativas dadas pelo Pentágono para o novo enfoque estratégico é o crescimento do poder militar chinês. Entende-se que a China já há algum tempo começa a se apresentar como a maior desafiadora em potencial da hegemonia norte-americana, devido ao seu crescimento econômico e, principalmente, militar.

 

Em 2011, o orçamento chinês de defesa chegou a US$ 93,5 bilhões, algo muito pequeno comparado ao orçamento de US$ 553 bilhões aprovados para o ano fiscal de 2012 dos Estados Unidos. É certo que a China tem uma base territorial e demográfica imensa, dispõe de armas nucleares, forças militares sofisticadas, diversos satélites de monitoração e relativa preparação para as ciberguerras. Possui tecnologia militar de ponta em vários setores e seu poder diplomático é grande, inclusive com assento no Conselho de Segurança da ONU.

 

As forças armadas chinesas já são capazes de defender seu país de uma invasão do exterior e podem projetar poder na região, especialmente frente a Taiwan. Mesmo assim, elas não são uma ameaça à supremacia militar americana no mundo. Peng Guanggian, General do Exército Popular de Libertação, declarou que a menção freqüente da “ameaça militar da China” tem pelo menos três objetivos verdadeiros: possuir uma desculpa para o Departamento de Defesa dos Estados Unidos manter sua escalada militar e seus exorbitantes gastos, favorecer a venda de armas e ajudar os Estados Unidos a interferir na política regional da Ásia.

 

Talvez o que mais assuste os Estados Unidos é a aproximação entre China e Rússia. Esta última herdou todo o poderio bélico da extinta União Soviética, recuperou-se beneficiada, em larga medida, pela alta dos preços de energia e matérias primas, tornando-se uma das principais economias do mundo. Ambos os países não estão dispostos a permitir que os Estados Unidos ampliem sua presença na Ásia Central e no Cáucaso e ameacem sua segurança.

 

Provavelmente, a experiência mais intrigante neste processo seja a Organização de Cooperação de Xangai, organização que não é dirigida contra nenhum país ou bloco e aparece como uma entidade institucionalmente flexível, capaz de conjugar diversos interesses de seus participantes da Ásia Central. A OCX adentra numa área de mais de 30 milhões de quilômetros quadrados, um contingente humano de cerca de 25% da população mundial – sem contar os membros observadores. Na parte econômica, essa cooperação ganha dinamismo, impulsionada pela riqueza de hidrocarbonetos, recursos minerais e agrícolas.

 

Em termos de “capital humano” das forças armadas, desenvolvimento tecnológico da área militar e máquina econômica capaz de sustentar conflitos, é possível que a OCX coloque em jogo, no médio prazo, a liderança dos Estados Unidos como a única superpotência militar do mundo.

 

Como notou argutamente Pepe Escobar, “o que os movimentos do Pentágono/OTAN – todos inscritos na doutrina da Dominação de Pleno Espectro (Full Spectrum Dominance) – estão realmente fazendo é manter Rússia e China cada vez mais próximas – não apenas dentro dos BRICS, e sim, sobretudo, dentro da Organização de Cooperação de Xangai expandida, que rapidamente vai se convertendo não só em bloco econômico, mas também em bloco militar”.

 

A estratégia para dominar a China pode ser a mesma que procura conter a Rússia: cercar, cobrar explicações sobre gastos militares, oferecer “proteção” contra a China, apoio informal a disputas internas. Ao que parece esta estratégia se concentra em integrar os exércitos do Sudeste Asiático pela via da OTAN. Busca-se enquadrar as relações com a China nos marcos da Guerra Fria, por mais que a China não seja a União Soviética. Essa ambigüidade foi bem expressa por Obama: “A China não é nem nossa inimiga e nem nossa amiga”. Seria uma nova Guerra Fria?

 

No Brasil, estas transformações caminham de maneira extremamente confusa. Muitos “nacionalistas” e órgãos de imprensa culpam hoje a China pela desindustrialização brasileira, falam que o gigante asiático é uma “ameaça à soberania” de nossos recursos naturais. Como bem salientou Wladimir Pomar, estes “nacionalistas” entendem que a China possui uma estratégia neocolonizadora que busca tornar a periferia mundial em fonte de matérias-primas e alimentos.

 

Com isso, a China passa a ser o inimigo principal para esses nacionalistas. Dócil e obediente aos interesses do império norte-americano, a elite brasileira incorpora a ‘sinofobia’ para escamotear sua falta de compromisso com os interesses nacionais. Em meio às novas e turbulentas transformações geopolíticas mundiais, combater a sinofobia é urgente. Ela esconde o conservadorismo e a ignorância, além de dar carta branca às novas estratégias imperialistas dos Estados Unidos e da OTAN.

 

Leia também:

 

Afinal, quem é nosso inimigo? – artigo de Wladimir Pomar citado pelo autor.

Fernando Marcelino é analista internacional.

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