Correio da Cidadania

‘Ministério de Dilma acelera o tempo histórico e reduz horizonte do petismo’

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Na segunda entrevista pós-eleitoral com os porta-vozes da esquerda anticapitalista, o Correio da Cidadania conversou com o cientista social e militante do PSOL José Correa. Em sua avaliação, o partido vem dando importantes passos na consolidação como alternativa de outro projeto societário, o que, em sua visão, também pode se reforçar com um segundo mandato de Dilma ainda mais conservador, dilacerando aquelas que talvez sejam as últimas esperanças sobre o PT.

 

“Isso rebate num aspecto: o petismo não evidenciou qualquer projeto progressivo de transformação do sistema produtivo; ao revés, promoveu a reprimarização da pauta exportadora do Brasil e aprofundou a desindustrialização iniciada com Collor e Fernando Henrique. Depois de 12 anos desta política sob Lula e Dilma, o resultado é o fortalecimento do capital financeiro e rentista no país, como evidencia o ministério tucano de Dilma”.

 

Com isso, Correa também alerta que sem uma nova leitura sobre o que é o desenvolvimento no século 21, com todo o passivo ambiental que se agiganta, a esquerda não terá condição alguma de apresentar um projeto de sociedade alternativo e contra-hegemônico. Além de tratar das particularidades que permeiam o partido e suas divergências internas, o socialista também analisou as possibilidades de uma reforma política e explicou a impossibilidade de um partido renunciar às eleições.

 

“Em situações de ‘normalidade’, é muito difícil para um partido justificar, hoje, não participar das eleições. Na medida em que o Estado se ampliou (e retomo aqui a análise do nosso saudoso Carlos Nelson Coutinho), a disputa eleitoral se tornou mais importante, e não menos. Isso vale para a direita e para a esquerda. Quando a oposição ao Chávez boicotou as eleições, ela se enfraqueceu muito. As atuais instituições expressam uma hegemonia e uma correlação de forças que queremos superar, mas parte importante da disputa política na sociedade flui por elas; as eleições não são, neste sentido, uma farsa, mas disputas em condições desiguais”.

 

A entrevista completa com Jose Correa pode ser lida a seguir.

 

Correio da Cidadania: Qual a sua avaliação sobre o resultado obtido pelo PSOL nas urnas?

 

José Correa: O PSOL teve, em 5 de outubro, um milhão e seiscentos mil votos dados à candidatura da Luciana Genro (1,55% dos votos validos), contra 886 mil todos dados a Plínio Sampaio (0,87%) em 2010. Praticamente dobrou a votação, e dobrou a bancada de deputados (de três para cinco deputados federais e de cinco para 11 deputados estaduais). Para uma agremiação da esquerda socialista, que atua em uma conjuntura na qual muitos dos ativistas que emergem das novas lutas são céticos quanto à importância da atuação partidária, este não é um resultado menor. Representa a consolidação do PSOL como o espaço de recomposição da esquerda socialista no Brasil, depois da debacle e fragmentação que representou, há pouco mais de uma década, para os setores progressistas a integração do PT ao aparato de Estado.

 

Se supomos que uma alternativa de esquerda não surge de nenhuma auto-proclamação de um grupo político como partido revolucionário (como parece ser o caso dos outros partidos de esquerda no Brasil), a expansão do PSOL é a ampliação deste espaço de recomposição – espaço de aproximações, experiências em comum, fusões e sínteses, mas também de diferenciações, de clarificação da estratégia e das práticas dos distintos núcleos de militantes que compõem o partido ou que com ele se movem. O PSOL tem setores ainda muito polarizados pelo neodesenvolvimentismo petista (o partido coligou com o PT e o PCdoB no Amapá!) e setores que levam uma prática política muito pouco distinta do PSTU. Todavia, a candidatura da Luciana Genro foi capaz de consolidar um centro de gravidade para a intervenção do partido que demarcasse estas perspectivas e pode projetar um projeto estratégico de caráter socialista no Brasil.

 

Dentro desta visão estratégica de construção do partido a partir da recomposição dos movimentos, das lutas sociais e de um novo projeto político e de sociedade, não há atalho para a expansão do PSOL – como representou, em um primeiro momento da construção do partido, a figura de Heloisa Helena, que tinha uma densidade eleitoral sem correspondência com o que era naquele momento a força e a estruturação orgânica do PSOL. A votação do PSOL deverá avançar com o surgimento de novas lutas e novos movimentos, que estabeleçam novas referências para setores populares e desloquem setores que hoje estão no campo do petismo.

 

Nesta eleição, o PSOL foi capaz de capitalizar parcialmente alguns elementos das mobilizações de junho de 2013 – e uma capitalização eleitoral é sempre parcial. Podemos observar isso nas boas votações do partido que, nos grandes centros urbanos, expressam posicionamentos de setores da juventude, dos movimentos contra as opressões (mulheres, LGBT, anti-proibicionismo, anti-racismo...) e de alguns movimentos sociais mais radicalizados. Estes foram os setores capazes de realizar um primeiro balanço desta experiência (o bloqueio do projeto que criminaliza a homofobia, a atuação reacionária de Feliciano e da bancada evangélica, a hipocrisia generalizada na política sobre drogas etc.) e consolidar em sua consciência a necessidade de uma ruptura com o petismo. Mas este não foi, em absoluto, resultado do sindicalismo, para dar um exemplo oposto. Junho foi uma mobilização muito heterogênea e com um claro corte geracional, expressão de um descontentamento e um distanciamento amplo da juventude com o sistema político e seu sequestro pelo dinheiro.

 

Correio da Cidadania: Mas considerando a já relativamente longa participação nas eleições, por que o PSOL não alcança um resultado eleitoral ainda mais substancial?

 

José Correa: Isso decorre, na minha opinião, da discordância de três tempos (para retomar a fórmula do Daniel Bensaid), cada qual com seu ritmo e velocidade próprios: o tempo da crise do capital no Brasil; o tempo para que o projeto lulista evidencie seus limites históricos; e o tempo para a construção de uma alternativa capaz de fundar um projeto de superação do capitalismo na atualidade. No que diz respeito ao primeiro aspecto, o petismo no poder foi capaz de expandir o mercado interno de forma significativa, promovendo uma redistribuição de renda muito pequena em favor da base da pirâmide (via política do salário mínimo e programas sociais), mas incorporando várias dezenas de milhões de pessoas ao mercado, o que sem dúvida amplia a força política deste projeto junto a contingentes sociais numerosos. Foi uma mudança societária importante para o Brasil, que provoca inclusive uma reação de setores intermediários, que veem a melhora de vida daqueles antes excluídos como seu declínio relativo. Mas, para a recomposição da esquerda, esse é um tempo lento.

 

Isso rebate no segundo aspecto: o petismo não evidenciou qualquer projeto progressivo de transformação do sistema produtivo; ao revés, promoveu a reprimarização da pauta exportadora do Brasil e aprofundou a desindustrialização iniciada com Collor e Fernando Henrique – hoje um quarto do que consumimos é importado, inclusive todo tipo de quinquilharia comprada da China e de outros países asiáticos, produtos que poderiam sem dificuldade ser fabricados no Brasil. Depois de 12 anos desta política sob Lula e Dilma, o resultado é o fortalecimento do capital financeiro e rentista no país, como evidencia o ministério tucano de Dilma. O Boulos tem razão na crítica mordaz que fez a ele: só falta Kassab nas cidades e Bolsonaro nos direitos humanos. Creio que aqui o tempo se acelera e o horizonte do petismo não é promissor. Mas esta percepção, por enquanto, só é relevante para os setores mais politizados da sociedade.

 

E creio que há uma debilidade importante, uma fragilidade política monumental do PSOL em visualizar uma ruptura com o desenvolvimentismo, que compromete muito sua capacidade de formular uma alternativa ao capitalismo contemporâneo. Sem superar isso, o PSOL não pode se credenciar como portador de um projeto distinto de sociedade e disputar os corações e as mentes de parte importante da juventude, que já percebe – mesmo que de maneira confusa – que esse é um problema chave a ser enfrentado. Como o partido pode fazer um discurso coerente sem ligar o desmatamento não só da Amazônia, mas do Cerrado e da Mata Atlântica, à crise hídrica no Sudeste, à matriz energética e de transportes, ao perfil das metrópoles e ao conto do vigário do pré-sal?

 

São Paulo é um labirinto exemplar de projetos tecnocráticos de modernização: os cursos dos rios Tietê e Pinheiros foram desviados para a represa Billings, para aumentar a geração de energia hidroelétrica na Usina Henri Borden em Cubatão, e essa represa, que tem mais água que todo o sistema Cantareira, não pode ser usada para o abastecimento! Gastam-se bilhões na Transposição do São Francisco e as nascentes do rio estão secando, não somente pela seca, mas pela agricultura predatória, sacramentada por Dilma quando sancionou o Código Florestal!

 

A análise da realidade de cariz economicista e produtivista, originária de uma leitura positivista e cientificista da obra de Marx, e amplamente hegemônica na cultura do sindicalismo, da socialdemocracia e do comunismo, podia se justificar há um século, mas é caricata no mundo de hoje. Como se mais usinas e mais portos, mais carros e mais aparelhos de ar-condicionado, mais PIB e mais acumulação de capital especulativo criassem melhores condições para superar as mazelas do capitalismo e transitar para outra sociedade!

 

Para se usar uma linguagem tradicional, parcelas cada vez maiores das forças produtivas se convertem em forças destrutivas. Isso está desestabilizando o sistema climático e destruindo enormes parcelas da biosfera do planeta, dos biomas e da sua biodiversidade e dos fluxos fisíco-químicos essenciais à vida para a sobrevivência da humanidade. Essa visão positivista e economicista do projeto socialista é, parafraseando Marx, uma tradição das gerações mortas, que oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos. Superá-la é uma pré-condição para qualquer partido de esquerda disputar um projeto de sociedade com as visões hoje hegemônicas.

 

Correio da Cidadania: O monopólio da mídia e a mobilização de grandes recursos pelos partidos burgueses é parte essencial das eleições. A priorização da opção eleitoral nas corridas para os cargos majoritários e para o parlamento burguês não cria, nessas circunstâncias, handicaps negativos, reforçando chamada a ‘farsa eleitoral’? O que fazer para superá-los?

 

José Correa: Há três questões distintas envolvidas nesta pergunta. Vamos tomar, inicialmente, a mais geral e inverter a pergunta. É possível, para uma força política buscando o reconhecimento de parcelas amplas da sociedade, não participar das eleições? Sim, mas somente em situações bem específicas (ditaduras, golpes de Estado, proibição de um partido com muita adesão funcionar e coisas do tipo). Em situações de “normalidade”, é muito difícil para um partido justificar, hoje, não participar das eleições. Isso poderia fazer sentido em sociedades agrícolas, mas não faz nenhum sentido em sociedades urbanas e industriais, com Estados amplos e regimes liberais, com a quase totalidade da população tendo direitos políticos e sendo chamada periodicamente a votar e eleger seus governantes.

 

Grande parte das condições de vida da população decorre diretamente da gestão do aparelho de Estado, que não é mais apenas um aparelho repressivo, mas é também o responsável por toda uma miríade de políticas públicas que determinam o acesso a direitos e a qualidade de vida da população. Vamos dizer para ela que não vamos tratar destes assuntos “administrativos”? Não faz sentido. Na medida em que o Estado se ampliou (e retomo aqui a análise do nosso saudoso Carlos Nelson Coutinho), a disputa eleitoral se tornou mais importante, e não menos. Isso vale para a direita e para a esquerda. Quando a oposição ao Chávez boicotou as eleições, ela se enfraqueceu muito. As atuais instituições expressam uma hegemonia e uma correlação de forças que queremos superar, mas parte importante da disputa política na sociedade flui por elas; as eleições não são, neste sentido, uma farsa, mas disputas em condições desiguais.

 

A forma como tratamos com as restrições às manifestações da livre vontade da população é buscando desbordar estes limites, rompê-los, e aí estão as duas outras questões que vocês colocam. Em vários países da América do Sul, governos progressistas estão procurando redefinir as características entre a mídia e a política. Como, nestes países, alguns poucos grandes grupos de mídia funcionam como partidos políticos, disputando a adesão das massas a suas posições e buscando condicionar os resultados eleitorais, a esquerda tem procurado regulamentar este poder ou fatiá-lo (na tradição antimonopolista dos EUA). Mas esta é uma disputa política entre adotar uma legislação mais liberal ou mais democrática sobre a concentração da mídia.

 

E esta é ainda a disputa sobre o sistema político. A forma atual que ele adquire no Brasil nada tem de acidental. O chamado presidencialismo de coalizão foi montado, na Constituição de 1988, principalmente para potencializar o poder político das oligarquias regionais e ampliar seu acesso aos fundos públicos, não só dos governos estaduais, mas também do Estado central, controlados pelo Executivo. O presidencialismo de coalização significa que, para garantir a governabilidade, o mandatário no Executivo deve conceder o acesso à parte dos recursos que gere para grupos de poder no Legislativo, em troca de seu apoio. Deste ponto de vista, o atual federalismo facilita a continuidade do saque do Estado por interesses privados e representa uma regressão face ao centralismo vigente entre 1930 e 1988, dando uma fachada democrática à reprodução do poder de oligarquias seculares.

 

Este sistema foi o vetor resultante – na correlação de forças do final da década de 1980 – de um Estado desenvolvimentista centralizado em crise, oligarquias regionais vorazes que se moviam com desenvoltura na crise da Ditadura e movimentos sociais dinâmicos e muito reivindicativos, mas sem qualquer projeto de Estado e muitas vezes hegemonizados pelo pensamento político liberal. As leis então redigidas e que continuam regendo a política no Brasil foram feitas principalmente para que elites políticas locais – que funcionam em uma afinidade eletiva com o capital – tivessem seu poder amplificado (por exemplo, pela quebra do princípio de igualdade de peso para todo voto, sob o argumento de preservar o princípio federativo) e pudessem capturar parcelas maiores do que anteriormente dos fundos estatais. A reforma política é um tema importante para a esquerda, e central para a disputa na atual conjuntura porque ela pode discutir a questão do poder.

 

Correio da Cidadania: Vocês têm alguma reflexão quanto à possibilidade de uma reforma política conservadora colocar fora do páreo partidos menores, como poderia ser o caso do próprio PSOL?

 

José Correa: Como tratar a reforma política? Não acredito que o melhor caminho para isso seja conduzi-la para dentro das instituições que estão aí, como fazem quase todas as propostas hoje em circulação, em especial as que partem de setores vinculados ao PT. Efetivamente, se realizássemos hoje a eleição para uma Assembleia Constituinte segundo as regras eleitorais vigentes, ela teria uma ampla hegemonia conservadora e poderia produzir uma perda de direitos ou retrocessos na democracia (como a adoção de cláusulas de barreira ou do voto distrital misto).

 

Para enfrentar este problema, eu creio que a iniciativa mais sábia é a animada pela Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas, chamada pela CNBB, que está propondo um conjunto simples de questões para mudar alguns fundamentos do sistema eleitoral (inclusive bloquear as iniciativas de restabelecimento do financiamento empresarial de campanha, que está sendo derrubado pelo Supremo). Essa é a batalha possível hoje.

 

Se formos bem sucedidos, poderemos modificar a correlação de forças e estabelecer um sistema eleitoral mais democrático, podendo então disputar uma reforma política pela esquerda. Normalmente, só é possível modificar as instituições centrais do Estado em situações de crise política muito ampla e aguda – algo que boa parte dos petistas parece ter esquecido. Mas este é o objetivo central da esquerda, estabelecer outro poder político alicerçado em instituições efetivamente democráticas.

 

Correio da Cidadania: A defesa do PSOL do voto nulo ou em Dilma no segundo turno deu força a que uma ala do partido seguisse a ideia do voto útil, e obviamente votasse em Dilma, como o ‘mal menor’. O que você pensa disto? Essa postura não debilita a organização de um partido, que é parte da esquerda revolucionária?

 

José Correa: Considero correta a resolução adotada pela Executiva Nacional do PSOL por ocasião do segundo turno, que trabalhava no sentido de que nenhum voto fosse dado ao Aécio. A imensa maioria dos eleitores, ou mesmo dos militantes, é pouco influenciada por este tipo de declaração – votam de acordo com suas convicções.

 

É claro que, para muitos setores muito golpeados pelos governos do PT (como, por exemplo, os movimentos que combatem a construção de represas na Amazônia ou o funcionalismo público do Rio Grande do Sul conflitado com o governo estadual de Tarso Genro), o voto nulo faz todo sentido. Mas setores populares favorecidos pela elevação do salário mínimo ou pelas políticas de transferência de renda, ou ainda setores com uma definição ideológica de esquerda nas universidades, teriam muita dificuldade de lidar com uma campanha de voto nulo do PSOL e poderiam, se isso acontecesse, romper eventuais laços que começam a construir com o PSOL – ainda mais se isso contribuísse para eleger Aécio presidente.

 

O posicionamento de segundo turno de um partido de esquerda com uma implantação social real deve permitir que este partido continue a dialogar com diferentes setores e inserções sociais. É por isso que, quando estes partidos na Europa ficam fora do segundo turno, eles costumam chamar o voto crítico nos partidos progressistas para derrotar os partidos de direita.

 

Correio da Cidadania: Face aos bons resultados obtidos pelo PSOL no Rio de Janeiro, qual a estratégia do partido para este estado?

 

José Correa: A ambição do PSOL é ser o espaço de recomposição de um projeto de esquerda na sociedade brasileira. Esta recomposição se processa em ritmos diferentes nas diferentes realidades regionais de um país continental como o nosso. O estado do Rio foi aquele onde o PSOL conseguiu, em seu processo de formação, atrair setores da antiga esquerda petista com maior influência de massa (como, por exemplo, o Chico Alencar e o Marcelo Freixo) e ganhar uma expressão eleitoral. É também onde temos um partido que mais se aproxima das definições políticas que a esquerda vem sustentando.

 

Que a candidatura do Tarcisio Motta para governado tenha tido quase 10% dos votos válidos (712 mil votos) é uma expressão disso, que já tinha se manifestado antes na campanha do Marcelo para prefeito em 2012. Em alguns estados importantes, a presença eleitoral do PSOL é bem menor, mas já permite a eleição de parlamentares; ela é, por outro lado, muito pequena ou quase inexistente em outros. E no Amapá, a maioria do PSOL funciona como uma sublegenda do PT (tanto que o senador Randolfe Rodrigues está de saída do PSOL). A intervenção nacional do partido é o resultado da interação dialética de tudo isso, o que resulta em uma vida interna muito conflitiva, resultado da presença no partido de visões de esquerda muito distintas.

 

A seção do PSOL no Rio funciona, neste sentido, como uma vitrine do que o partido propõe e pode fazer. Ela está sendo levada a disputar cada vez mais espaço institucional – por exemplo, nas próximas eleições municipais de 2016, Marcelo Freixo deve ser novamente candidato a prefeito na cidade do Rio de Janeiro e não é descartado que possa ganhar. Isso é perigoso, mas desafiador. Perigoso porque ganhar uma prefeitura como a da cidade do Rio traria para dentro do PSOL, que ainda está em seus estágios iniciais de construção, uma série de tensões estruturais da sociedade brasileira, que poderiam complicar muito a vida do PSOL. Mas se o partido enfrentar com sucesso este tipo de desafios, ele se credencia muito mais como alternativa.

 

Creio que esta é uma percepção muito antiga na política. Se a oportunidade se apresenta (a fortuna, diria Maquiavel), é necessário que o partido mostre a capacidade de aproveitá-la em seu benefício, exerça suas qualidades, sua virtude.

 

Correio da Cidadania: Finalmente, como você enxerga a atuação do PSOL em 2015, sob o novo governo Dilma?

 

José Correa: A revelação dos esquemas de corrupção na Petrobrás mostra o grau de promiscuidade entre os governos dos partidos da ordem (PT incluído) e os interesses empresariais. E a indicação por Dilma de ministros muito conservadores para a área econômica (e Katia Abreu para a agricultura) mostra o loteamento de seu governo pelo capital financeiro e pelo agronegócio. O Guilherme Boulos publicou uma crônica muito mordaz na Folha de S.Paulo, onde perguntava por que, nessa lógica, não indicar Kassab para o ministério das Cidades, Bolsonaro para a secretaria de Direitos Humanos e o Lobão para a cultura? Essa é uma indagação legítima. Se o PT se reivindica um partido de esquerda, o que será a política de esquerda sob Dilma em 2015?

 

Podemos supor que 2015 se desenrolará sob os auspícios das políticas de austeridade da nova equipe econômica e sob os escândalos de corrupção envolvendo uma parte importante da bancada governista no Congresso, graças às ramificações do Petrolão. Não podemos descartar nem mesmo a retomada de uma crise política aguda se os escândalos levarem a novas mobilizações massivas nas ruas (e as prefeituras do PT já estão estudando aumentos das passagens de ônibus, o que deflagrou os protestos de 2013...).

 

Tanto por sua presença em boa parte dos movimentos que conduzem lutas no país, como por ter sido o único partido com parlamentares que não receberam dinheiro das empreiteiras, o PSOL pode buscar construir um polo de oposição de esquerda ao governo Dilma. Mas sua evolução está condicionada pelo desenrolar da luta popular no país, com tudo que isso tem de espontaneidade e imprevisibilidade.

 

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Valéria Nader, jornalista e economista, é editora do Correio da Cidadania; Gabriel Brito é jornalista.

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