Rio Grande do Sul expõe faceta estadual do ajuste econômico
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- Gabriel Brito, da Redação
- 11/09/2015
Enquanto o chamado ajuste fiscal imposto pelo governo federal é pauta permanente, por vezes deixamos de observar suas versões regionais, dado que tais políticas de cortes de investimentos sociais e redução da renda dos trabalhadores são seguidas piamente pelos governos estaduais. Depois de uma longa greve dos servidores paranaenses, agora a tensão entre governo e população foi mais ao sul. É disso que falamos com a professora Rejane Oliveira.
“A marca do Sartori é do caos e da destruição do Rio Grande do Sul. É um governo muito ruim, que se destaca por uma imagem popular, quando na verdade é forte no sentido de atacar direitos, como se vê agora, ao ameaçar trabalhadores. Penso que este governo vai destruir o estado se não tiver reação”, criticou.
Além de descrever as políticas recessivas do novo governador, a exemplo do temerário parcelamento dos salários (uma forma disfarçada de atraso), Rejane, membro do tradicional Centro dos Professores do Rio Grande do Sul, destaca a dinâmica do movimento que pretende fazer eclodir uma greve de maior fôlego, novamente sob a marca de bases mais radicalizadas que suas direções.
“É necessário construir condições de greve geral. Em segundo lugar, é necessário combater qualquer tipo de organização sindical do seio da classe trabalhadora que proteja os governos. Centrais como a CUT e a Força Sindical defendem o governo mentindo pra sociedade, ao dizer que estão lutando ‘pela democracia’ quando na verdade estão tentando defender o governo. Elas não têm autonomia e independência frente a alguns partidos. Precisamos lutar com autonomia, independência e, de fato, defender a sociedade e o trabalhador”, analisou.
A entrevista completa com Rejane Oliveira pode ser lida a seguir.
Correio da Cidadania: Primeiramente, o que pode nos contar sobre a possibilidade de o governo do estado do Rio Grande do Sul parcelar salários do funcionalismo público? Quais as justificativas?
Rejane Oliveira: O governo Sartori iniciou sua gestão com uma propaganda de crise do estado e alegadas dificuldades financeiras para justificar sua política. Enquanto diz que não tem dinheiro pra pagar os servidores públicos, aumenta o salário dos próprios deputados e de si mesmo. Paga aos juízes R$ 4,333,00 de auxílio moradia, R$ 700,00 de auxílio-refeição e beneficia as empresas com R$ 9 bilhões em isenções.
Recentemente, vimos publicadas no Diário Oficial cinco páginas com contratações de novos ocupantes de “cargos de confiança”, mas o governador diz aos servidores que não tem dinheiro e precisa “parcelar os salários”.
A realidade é: tanto no âmbito estadual como no federal os governos escolhem os trabalhadores para pagarem pela crise. Por isso, o caixa do estado beneficia os altos salários e as grandes empresas, e não paga os servidores que recebem salários mais baixos.
Correio da Cidadania: Quais respostas vocês pretendem dar, caso a situação não se altere?
Rejane Oliveira: O governo pagou os salários de agosto, mas segue ameaçando com a política de parcelamento. Estamos organizando todos os servidores públicos diariamente, fazendo atividades de mobilização, com policiais civis, professores estaduais, servidores do Ministério Público e do Poder Judiciário. Todos estão se mobilizando e construindo um processo de unidade entre os servidores públicos.
Nós, do CPERS (Centro dos Professores do Rio Grande do Sul), também fazemos nossas assembleias e atividades, e trazemos a greve à pauta, porque não é possível o governo tentar fazer os trabalhadores pagarem pela crise, nos aterrorizando com ameaça de atraso e parcelamento de salários e colocando projetos na Assembleia Legislativa que atacam direitos históricos dos servidores.
Os servidores públicos, principalmente os trabalhadores em educação, têm um histórico de resistência e luta no estado do Rio do Grande Sul e não vão ficar sem enfrentar o governo, de modo que estamos defendendo a greve por tempo indeterminado se necessário.
Correio da Cidadania: O que pensa de algumas medidas apresentadas como solução para a crise fiscal do estado gaúcho, como o enxugamento da máquina pública e até venda de empresas estatais?
Rejane Oliveira: A política de ajustes, privatização, venda de patrimônio público e ataque a direitos trabalhistas faz parte de um ambiente político que, como já disse, pretende que os trabalhadores paguem pela crise. É o ideário neoliberal e capitalista: esvaziar o papel do Estado como garantidor de saúde, educação e segurança de qualidade, e entregar o patrimônio público para aqueles que cada vez mais tentam se apropriar da economia do país.
É uma política nacional, que vem do governo Dilma e se espraia por todos os estados. Logo, o reflexo que sofremos no RS é autorizado por uma política nacional de desmontar aquilo que é público.
Somos contrários ao desmonte do patrimônio público, somos contra qualquer tipo de privatização, não aceitamos que o ajuste fiscal se direcione ao que a sociedade tem como direito, isto é, serviços públicos de qualidade e valorização do trabalhador.
Quem tem de sofrer com a crise são os empresários, que se beneficiaram até agora, além de ser necessário cortar nos altos salários. A crise existe, mas os governos fazem suas escolhas. E para investir não se decide pela saúde, pela educação, pela segurança pública. Os governos escolheram investir nos grandes em detrimento dos pequenos.
Correio da Cidadania: Acredita que greves são inevitáveis diante desse ano marcado por arrocho e retração econômica?
Rejane Oliveira: Achamos que não basta só a greve nos estados para resistir a tais políticas: precisamos construir uma greve geral e nacional para combater o que está em andamento. É necessário construir condições de greve geral.
Em segundo lugar, é necessário combater qualquer tipo de organização sindical do seio da classe trabalhadora que proteja os governos. Centrais como a CUT e a Força Sindical defendem o governo mentindo pra sociedade, ao dizer que estão lutando “pela democracia” quando na verdade estão tentando defender o governo. Elas não têm autonomia e independência frente a alguns partidos.
Precisamos lutar com autonomia, independência e, de fato, defender a sociedade e o trabalhador. Portanto, é necessária a greve geral. É necessário combater o atrelamento aos governos e partidos. E é necessária, cada vez mais, a unidade daqueles que querem lutar. Essa é a receita de um bom combate para que possamos, de fato, lutar pelos nossos direitos que têm sido atacados.
Por exemplo, de nossa parte, do Movimento de Luta Socialista (MLS), não defendemos o governo Dilma, porque entendemos que ataca o direito dos trabalhadores, a exemplo do Programa de Proteção do Emprego, que reduz a jornada e os salários. Tampouco temos alguma política junto da direita, que tenta ocupar o espaço ao criticar o governo Dilma. De fato, o governo erra, mas essa direita não tem nenhuma possibilidade de representar o conjunto da sociedade.
Precisamos construir uma alternativa de esquerda para que não tenhamos novamente um governo de retrocesso à direita. Uma alternativa que tenha princípios, programas e práticas.
Correio da Cidadania: Considera que a última assembleia pode acabar levando os servidores a perderem o timing de promover essa greve mais ampla como você defende?
Rejane Oliveira: A assembleia da categoria foi massiva, mas deliberou por uma greve de três dias, voltando ao trabalho por uma semana e depois fazendo mais quatro dias de greve, que foram os dias 31 de agosto, 1, 2 e 3 de setembro. Portanto, estamos na tal “greve sanfona”, estica e puxa. Foi a proposta da direção do CPERS, que na nossa avaliação perdeu a oportunidade de aproveitar o momento de mobilização da categoria e fazer o enfrentamento com o governo. A justificativa da direção era de fazermos a luta com os outros servidores.
Defendemos uma greve por tempo indeterminado, sem prejuízo da unidade. Após os três dias, a categoria voltou desmoralizada. Durante os três dias de greve, o governo anunciou o corte do ponto e o parcelamento do salário. Recebemos 600 reais no dia 31. Depois, aprovou-se o projeto “Escola Melhor”, que significa a privatização da educação, e protocolou-se o projeto do aumento do ICMS na Assembleia Legislativa. Dessa forma, ficou demonstrado que greve com dia marcado para terminar não tem poder de pressão.
A categoria fez a experiência e tirou suas conclusões. Ela se volta contra a direção e esta, fragilizada, perde o controle. A categoria, independentemente da direção, realiza atos e ações radicalizadas. Os outros servidores também fazem as suas mobilizações, a polícia civil está em operação padrão, a Brigada Militar está nos quartéis...
Enfim, existe reação dos servidores, mas o CPERS, o maior sindicato do RS, tem um papel a cumprir: fazer um grande enfrentamento contra os ajustes de Dilma e Sartori. Precisamos defender pautas como o piso salarial, reajuste, fim do parcelamento, defesa do IPE etc. Estamos unificando os que querem lutar para apontar um rumo.
Correio da Cidadania: Como professora, o que pode falar da sua categoria especificamente? Acredita que teremos mobilizações com alto nível de unidade, a exemplo do que chegou a ocorrer no Paraná?
Rejane Oliveira: Acreditamos que existam, sim, tais condições. E percebemos que independentemente de direções e lideranças os trabalhadores estão se organizando e indo às ruas espontaneamente. Juntam-se três ou quatro escolas e acontecem caminhadas, pequenos atos etc. Tem um movimento, ao mesmo tempo, espontâneo e organizado, que independe de direções e lideranças. Quando percebemos que o movimento vai perdendo o controle, porque tem mais apoio do que as próprias instâncias deliberam e supõem, é porque existe, sim, vontade da classe trabalhadora de se organizar e mobilizar.
Estamos na luta, guerreando contra uma política de arrocho. Ao mesmo tempo em que se fala em parcelar o salário, logo se paga. Depois, volta a ameaça de atrasos e parcelamento para o mês seguinte. Assim, estamos em guerra com o governo e contra outro setor a ele atrelado: os sindicatos e partidos que tentam evitar a mobilização da categoria. Queremos garantir que os trabalhadores tomem, de fato, o protagonismo.
Estamos trabalhando em tempo reduzido, de modo que pudemos fazer várias atividades de construção. Fizemos assembleias regionais que apontaram para a assembleia geral e a grande maioria delas aponta para uma greve de tempo indeterminado na categoria.
O movimento é importante e temos também outros setores mobilizados. O judiciário acabou de terminar uma greve de mais de 30 dias e houve uma assembleia unitária no dia 18 que reuniu milhares de servidores públicos, o que pode gerar uma grande unidade adiante.
É assim que podemos mostrar que vamos nos unir e enfrentar os desmandos e políticas de governo, inclusive projetos na Assembleia Legislativa que tiram direitos trabalhistas e previdenciários.
Correio da Cidadania: Qual sua avaliação deste primeiro semestre de mandato de Sartori e que conexão faz com o momento da política nacional?
Rejane Oliveira: É um governo que se destaca por ser... Fanfarrão. Tem uma política bem clara de desmonte do Estado. Sempre colocamos uma marca sobre os últimos governos. Marcamos o Germano Rigotto como “coração de escorpião”, a Yeda Crucius “atrás das grades”, o Tarso Genro como “Pinóquio”, por mentir aos trabalhadores...
Já a marca do Sartori é do caos e da destruição do Rio Grande do Sul. É um governo muito ruim, que se destaca por uma imagem popular, quando na verdade é forte no sentido de atacar direitos, como se vê agora, ao ameaçar trabalhadores. Penso que este governo vai destruir o estado se não tiver reação.
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Gabriel Brito é jornalista do Correio da Cidadania e editor do programa Central Autônoma, na webrádio Central3, onde a entrevista foi primeiramente veiculada.