A vergonha é pelos que acham que ingresso caro acaba com violência no estádio
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- Paulo Motoryn
- 17/07/2014
Torcedor sai sangrando da arquibancada do Mineirão (Foto: Reprodução/Facebook)
A transmissão televisiva da derrota que a imprensa nacional definiu como um “vexame histórico” não deu conta de mostrar uma vergonha maior ainda. “Mineirão tem tarde para esquecer com vaias e briga”, estampou um dos jornais de São Paulo.
Antes mesmo do apito final, tão rápido quanto a goleada alemã, diversas brigas pipocavam pela arquibancada. Brasileiros inconformados brigavam entre si, como o humorista Marcelo Adnet, agredido por um torcedor. Brigavam com os alemães, como o caso do germânico que perdeu a audição por tomar um soco ao comemorar um dos gols de sua Seleção.
A delegacia que funciona dentro do estádio registrou 15 ocorrências. Mas muitos brigões não fizeram o registro, apesar de saírem do estádio machucados, segundo a Polícia Militar de Minas Gerais.
As brigas nas arquibancadas no jogo que tirou a seleção brasileira da final aconteceram algumas vezes também durante a Copa do Mundo. Croatas, mexicanos, uruguaios, chilenos e torcedores de várias nacionalidades foram flagrados em situações de combate, para “surpresa” da imprensa nacional.
O curioso é que a Copa impôs um preço muito maior ao que o brasileiro costuma pagar para entrar nos estádios e torcer pelos seus clubes nos campeonatos estaduais e nacionais.
O fato desmonta o preconceituoso argumento de que o aumento do valor dos bilhetes e consequente elitização das arquibancadas é solução para acabar com o violento cenário do futebol no Brasil.
Surpreendentemente, figuras carimbadas da perseguição às torcidas organizadas nos programas esportivos estiveram muito longe de manifestar seus comentários raivosos olhando diretamente para a câmera. É praxe na imprensa esportiva, sem que haja uma discussão mais profunda, a criminalização imediata de torcedores brigões.
Dentre as figuras que mais batem na tecla da punição de torcedores, principalmente os organizados, está o jornalista Flávio Prado, da Rádio Jovem Pan e da TV Gazeta, aclamado por seu conhecimento de escalações de times de futebol da metade final do século passado e por um coleguismo tosco com algumas ex-grandes figuras do futebol nacional.
Sempre que ocorre um episódio de violência entre torcidas organizadas e a polícia, ou entre torcidas rivais, Flávio Prado berra, salivando, quase babando, o mantra que deve ter aprendido com seu ex-companheiro José Luiz Datena: “Vagabundos, bandidos, vândalos”. Ele não esconde sua oposição às torcidas organizadas. Mais que isso: é defensor confesso da extinção dos grupos.
Outro ferrenho opositor dos torcedores brasileiros, que personifica nas torcidas organizadas todo o seu ódio e ignorância política, destilando impropérios aos quatro ventos, é o “craque Neto”. Fã confesso da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), facção da Polícia Militar que configura um dos maiores esquadrões de extermínio do Brasil, Neto acredita que com o aprofundamento de um Estado penal e militarizado, haverá uma solução para a violência nos estádios do país.
O ídolo do Corinthians talvez não perceba que incentiva uma realidade que castra o sonho de muitos jovens que nasceram pobres como ele, mas que também gostariam de vestir a camisa 10 alvinegra. Um manto que é sagrado para muitos, mas com certeza muito valioso para Neto e sua conta bancária.
Neto e Flávio Prado são apenas exemplos de uma imprensa esportiva que sempre fortalece uma campanha raivosa e punitiva contra as torcidas organizadas durante os 35 meses que antecedem as realizações de Copas do Mundo. Agora, com os vexatórios episódios de violência da elite brasileira e de estrangeiros em nossos estádios, todos se calam.
Com o fim da Copa do Mundo no Brasil, é necessário que pensemos, sim, em seu legado, por mais clichê que possa parecer. Se há algum legado fundamental para a luta contra o futebol moderno e elitizado e por uma manifestação cultural novamente legítima e popular, é o fim da perseguição às torcidas no país do futebol. Organizar-se é um direito. Defendê-lo é uma obrigação.
Paulo Motoryn é jornalista e editor da Revista Vaidapé, onde este texto foi originalmente publicado.