A sustentabilidade dos mananciais e a ética do uso da água
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- Roberto Malvezzi (Gogó)
- 22/01/2015
Quando a Lei Brasileira de Recursos Hídricos 9.433/97 incorporou em seu texto o uso prioritário da água para consumo humano e a dessedentação dos animais (Art. 10, Inc. III), ela estava assimilando uma escala de valores. Quando falamos em valores – e numa hierarquia de valores -, então estamos falando de ética.
Esses princípios já existiam a partir de uma reflexão global (Princípios de Dublin), quando setores da humanidade deram-se conta de que estávamos mergulhando numa crise da água. Ela faz parte de uma crise civilizacional maior, que sobre-utiliza os bens naturais acima do que a natureza pode oferecer, ou num ritmo mais veloz do que ela é capaz de repor. É o que se chama de insustentabilidade.
Mas, há um vácuo na ética da água no Brasil. Não existe na Lei Brasileira de Recursos Hídricos nenhum parágrafo que normatize o cuidado com os mananciais, a não ser um princípio geral da referida lei que afirma ser necessária a gestão dos recursos hídricos integrada à gestão ambiental (Art. 30, Inc. III).
Em 2004, quando a Campanha da Fraternidade da CNBB questionou esse vazio, a resposta das autoridades é que essa dimensão estava implícita em outras leis ambientais, sobretudo no Código Florestal. Porém, o Código foi modificado.
Sem a vegetação, a penetração da água que forma os lençóis freáticos se reduz de 60% para 20%. Sabemos que é o rio aéreo da Amazônia que abastece todo Sul e Sudeste brasileiros, dependendo da evapotranspiração da floresta.
Entretanto, quem pretende ter água nessa região, tem que respeitar também os parâmetros ecológicos locais para que ela esteja ao alcance. Logo, a compra de áreas de preservação na Amazônia em troca do desmatamento em nível local não soluciona o problema da recarga dos aquíferos. É preciso preservar a Amazônia e a vegetação local.
Os dois principais programas do governo federal para a água são no sentido de expandir o consumo. O Água para Todos visa realizar o valor primordial no uso da água, que é o abastecimento humano. O Oferta de Água visa expandir seu uso econômico.
Temos ainda investimentos pelo PAC em abastecimento humano, com o objetivo de ampliar os serviços de saneamento básico. Entretanto, não temos nenhum programa relevante em termos de proteção dos mananciais.
Sem uma visão sistêmica do ciclo das águas e sem uma ética do uso da água que implique o cuidado dos mananciais, comprometeremos sempre mais o abastecimento humano, a dessedentação dos animais e os demais usos.
O óbvio ulula diante de nossos olhos.
Roberto Malvezzi (Gogó) possui formação em Filosofia, Teologia e Estudos Sociais. Atua na Equipe CPP/CPT do São Francisco.