Cisternas para o semi-árido
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- D. Demétrio Valentini
- 06/11/2007
Está em andamento uma profunda transformação no semi-árido brasileiro. Trata-se do vasto programa de construção de um milhão de cisternas para captação de água da chuva.
Está em andamento uma profunda transformação no semi-árido brasileiro. Trata-se do vasto programa de construção de um milhão de cisternas para captação de água da chuva. Isto significa que um milhão de famílias terão garantida água de qualidade para beber e para cozinhar, mesmo nos períodos de longa estiagem.
O alcance deste programa não se mede só por este objetivo, que já seria mais do que suficiente para justificá-lo. Basta ter presente a dolorosa cena de mulheres com o balde sobre a cabeça, buscando água suja a quilômetros de distância, disputando-a com os animais, em luta desumana pela sobrevivência.
Coordenado pela ASA - “Articulação do Semi-Árido” - e desenhado objetivamente em forma de P1MC – “Programa Um Milhão de Cisternas” -, a iniciativa tem profundo impacto humano nas milhares de pessoas que são envolvidas por ele, com sua metodologia participativa e com seu caráter solidário, levando a um notável crescimento da cidadania, e alterando significativamente as perspectivas de vida.
Desencadeia um verdadeiro processo de transformação social. Muda a própria maneira de pensar a região. Fomos habituados ao imaginário fatalista da “seca no nordeste”. O programa, com realismo, encara a região de maneira bem mais adequada, como “semi-árido” que oferece esplêndidas possibilidades de convivência, desde que sejam valorizados seus recursos.
Vale a comparação com outras regiões do mundo. As precipitações pluviométricas normais desta região são bem maiores que aquelas que ocorrem, por exemplo, em Israel. Se lá é possível um esplêndido desenvolvimento, por que não aqui? Em nosso semi-árido chove, mesmo que não seja em todas as épocas do ano. Então, trata-se de captar a água da chuva, e colocá-la a serviço da vida digna das pessoas.
Esta a intuição do programa. O semi-árido oferece condições de vida. As pessoas que lá moram sentem inclusive os encantos da região, com sua riqueza humana exuberante, que pode ser acionada para o enfrentamento racional dos desafios, o maior deles certamente a escassez de água, que encontra na construção de cisternas o primeiro passo para a sua superação, e para a abertura de novas possibilidades de desenvolvimento.
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Agora o programa está em fase de conclusão de sua primeira etapa, com a avaliação dos seus resultados, e com a adequada prestação de contas ao MDS. Um importante momento para a sua consolidação política, que testa a competência dos seus executores, e interpela a lucidez das instâncias governamentais.
Para avaliar o programa, e perceber a importância de sua continuidade, é preciso ter presente não só os números, que por si mesmos são altamente expressivos, mas o significado que simbolizam. A começar pelas centenas de entidades, agrupadas pela ASA, todas apostando na viabilidade do programa, em sintonia com sua dinâmica transformadora. A Cáritas Brasileira, desde o início, fez questão de se integrar neste amplo mutirão de cidadania ativa e eficaz.
O programa atinge 1.032 municípios, em nove estados. Em cada município foi formada uma “comissão executiva”, que por sua vez aciona as “comissões comunitárias”, que somam dez mil ao todo. Já foram construídas até agora 161.713 cisternas, com capacidade, cada uma, de 16.000 litros de água. São 167.636 famílias mobilizadas, sendo que 159.946 pessoas participaram de encontros para aprenderem “a gestão de recursos hídricos, cidadania e convivência com o semi-árido”. Foram formados 3.903 pedreiros, que coordenam a construção das cisternas, realizadas em mutirão com o acompanhamento das “comissões comunitárias”.
Desta maneira, as cisternas não recolhem só água. Elas suscitam cidadania, elas acionam a participação, elas despertam capacidades, elas transformam as pessoas, elas motivam para a solidariedade, elas apostam no desenvolvimento do semi-árido brasileiro.
Estas dimensões do P1MC precisam estar presentes na sua avaliação, e no momento de o governo definir o seu aporte financeiro, para que o programa possa continuar, dado o alto significado social e político de que se reveste. É o que todos esperamos.
D. Demétrio Valentini é bispo de Jales – Web Site: www.diocesedejales.org.br
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