Energia solar: por que não deslancha?
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- Heitor Scalambrini Costa
- 02/09/2015
A capacidade instalada no Brasil, levando em conta todos os tipos de usinas que produzem energia elétrica, é da ordem de 132 gigawatts (GW). Deste total, menos de 0,0008% é produzida com sistemas solares fotovoltaicos (transformam diretamente a luz do Sol em energia elétrica). Só este dado nos faz refletir sobre as causas que levam nosso país a tão baixa utilização desta fonte energética tão abundante, e com características únicas.
O Brasil é um dos poucos países no mundo que recebe uma insolação (número de horas de brilho do Sol) superior a 3000 horas por ano. E na região Nordeste conta com uma incidência média diária anual entre 4,5 a 6 kWh. Por si só estes números colocam o país em destaque no que se refere ao potencial solar.
Diante desta abundância, então porque persistimos em negar tão grande potencial? Por dezenas de anos, os gestores do sistema elétrico (praticamente os mesmos) insistiram na tecla de que a fonte solar é cara, portanto, inviável economicamente quando comparadas com as tradicionais. Até a “Velhinha de Taubaté” (personagem do magistral Luis Fernando Veríssimo), conhecida nacionalmente por ser a última pessoa no Brasil que ainda acreditava no governo, sabe que o preço e a viabilidade de uma dada fonte energética dependem muito da implementação de políticas públicas, de incentivos, de crédito com baixos juros, de redução de impostos. Enfim, de vontade política para fazer acontecer.
O que precisa ser dito claramente para entender o porquê da baixa utilização da energia solar fotovoltaica no país é que ela não tem apoio e estímulo, nem deste governo e nem dos passados. A política energética na área da geração simplesmente relega esta fonte energética de produção de energia elétrica. Daí, em pleno século 21, a contribuição da eletricidade solar na matriz elétrica brasileira ser pífia, praticamente inexistente.
Mesmo com a realização de dois leilões exclusivos para esta fonte energética, claramente ficou demonstrado que não basta simplesmente realiza-los. É necessário que o preço final seja competitivo para garantir a viabilidade das instalações. O primeiro leilão realizado em nível nacional, em outubro de 2014, resultou na contratação de 890 MW, e o valor final atingiu R$ 215,12/MWh. O segundo, realizado em agosto de 2015, terminou com a contratação de 833,80 MW, a um valor médio de R$ 301,79/MWh. Ainda em 2015, em novembro próximo será realizado um terceiro leilão específico para a fonte solar.
Por outro lado, a geração descentralizada, aquela gerada pelos sistemas instalados nos telhados das residências, praticamente não recebe nenhum apoio e consideração governamental. Apesar do enorme interesse que desperta, segundo pesquisas de opinião realizadas junto à população.
Mesmo a entrada em vigor em janeiro de 2013 da Norma Resolutiva 482/2012 da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) – que estabeleceu regras para a micro (até 100 kW) e a mini-geração (entre 100 kW e 1.000 kW), e permitiu que consumidores possam gerar sua própria energia e trocar o excedente por créditos, dando desconto em futuras contas de luz – não alavancou o uso desta fonte energética. Os dados estão aí.
Segundo a própria Aneel, a evolução cumulativa do número destes sistemas implantados foi: de janeiro a março de 2013: 8 sistemas instalados; de abril a junho: 17 sistemas; de julho a setembro: 43; de outubro a dezembro: 75; de janeiro a março de 2014: 122; de abril a junho: 189; de julho a setembro: 292; de outubro a dezembro: 417; de janeiro a março de 2015: 541; e de abril a junho: 725 sistemas estavam instalados (deste total, 681 são sistemas fotovoltaicos, 4 de biogás, um de biomassa, 11 de solar/eólica, um hidráulico, 27 eólicos).
Números insignificantes quando comparados, por exemplo, com a Alemanha, que dispõe de mais de um milhão de sistemas instalados nos telhados das residências.
Ficam mais que evidentes os obstáculos para o crescimento e uma maior participação da eletricidade solar na matriz elétrica. O que depende para se transpor os obstáculos são políticas públicas voltadas ao incentivo da energia solar. Por exemplo: criação pelos bancos oficiais de linhas de crédito para financiamento com juros baixos, a redução de impostos tanto para os equipamentos como para a energia gerada, a possibilidade de ser utilizado o FGTS para a compra dos equipamentos e mais informação através de propaganda institucional sobre os benefícios e as vantagens da tecnologia solar.
Mas o que também dificulta enormemente, no que concerne à geração descentralizada, são as distribuidoras, que administram todo o processo, desde a análise do projeto inicial de engenharia até a conexão com a rede elétrica. Cabe às distribuidoras efetuarem a ligação na rede elétrica, depois de um burocrático e longo processo administrativo realizado pelo consumidor junto à companhia.
E convenhamos, aquelas empresas que negociam com energia (compram das geradoras e revendem aos consumidores) não estão nada interessadas em promover um negócio que, mais cedo ou mais tarde, afetará seus lucros. Isto porque o grande sonho do consumidor brasileiro é ficar livre, não depender das distribuidoras com relação à energia que consome. O consumidor deseja é gerar sua própria energia.
Ai está o “nó” do problema que o governo não quer enfrentar. O lobby das empresas concessionárias, 100% privadas, dificulta o processo através de uma burocracia infernal, que nem todos que querem instalar um sistema solar estão dispostos a enfrentar. Enquanto em dois dias instalam-se os equipamentos numa residência, tem de se aguardar quatro meses para estar conectado na rede elétrica.
O diagnóstico dos problemas encontrados é quase unânime. Só não “enxerga” quem não quer. E não “enxergando”, os obstáculos não serão suplantados. Assim, o país continuará patinando, mergulhado em um discurso governamental completamente deslocado da realidade.
Acordem, “ilustres planejadores” da política energética, pois a sociedade não aceita mais pagar pelos erros cometidos por “vossas excelências”. Exige-se mais democracia, mais participação, mais transparência em um setor estratégico, que insiste em não discutir com a sociedade as decisões que toma.
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Heitor Scalambrini Costa é professor da Universidade Federal de Pernambuco.