Mudanças climáticas: hora de (re)agir
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- Heitor Scalambrini Costa
- 10/11/2015
O maior e mais completo estudo já realizado sobre impactos da mudança climática no Brasil foi divulgado no final de outubro. Trata-se do “Brasil 2040 – Alternativas de Adaptação às Mudanças Climáticas”, encomendado pela Secretaria de Estudos Estratégicos da Presidência da República a grupos de pesquisa do país.
O trabalho buscou estudar e conhecer melhor como o clima poderá variar no Brasil nos próximos 25, 55 e 85 anos, de forma a fundamentar, e assim apoiar políticas públicas de adaptação em cinco grandes áreas: saúde, recursos hídricos, energia, agricultura e infraestrutura (costeira e de transportes).
As revelações apontadas pelos modelos de simulação utilizados no estudo mostram, em todos os cenários, que em 2040 o país será mais quente e mais seco. As temperaturas médias nos meses mais quentes do ano podem subir até 3 graus em relação às médias atuais no Centro-Oeste. A região Sul tende a ficar mais chuvosa, enquanto o Sudeste, o Centro-Oeste e partes do Norte e Nordeste teriam reduções de chuvas, em especial nos meses de verão, diminuindo assim a disponibilidade de água no semiárido.
Um dos efeitos dramáticos será a redução na vazão dos rios que abastecem a maior parte da população brasileira. No melhor cenário, vários rios de Minas Gerais, São Paulo, Goiás, Tocantins, Bahia e Pará terão reduções de vazão de 10% a 30%. Além da água para abastecimento humano e animal, as hidroelétricas sofrerão uma redução na produção de energia. As mais importantes usinas do País – Furnas, Itaipu, Sobradinho e Tucuruí – teriam reduções de vazão de 38% a 57% no pior cenário.
Daí surge a necessidade de definição urgente sobre questões relacionadas ao planejamento da matriz energética. Definitivamente, é um ponto de interesse de toda a sociedade brasileira, e não pode mais ser decidido por um pequeno grupo de pessoas que atualmente compõem o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE). Os problemas decorrentes das decisões tomadas por este grupo, formado majoritariamente por ministros de Estado, refletem em toda sociedade brasileira. E ela, mais do que nunca, exige participar e decidir sobre a política energética a ser adotada.
Fica claro que a melhor maneira de adaptar as mudanças climáticas é reduzir emissões dos gases de efeito estufa, em particular o CO2. Assim, é preciso aumentar em muito a eficiência energética (completamente negligenciada pelo poder público), usar mais as fontes renováveis de energia, de modo a reduzir a dependência de termelétricas fósseis e de hidrelétricas, e cobrar um preço pelas emissões de carbono dos setores que mais emitem. Sem contar o afastamento definitivo de nosso território desta perigosa e cara opção: as usinas nucleares.
No atual contexto, já vivenciamos uma crise hídrica que atinge as diferentes regiões do país, em maior ou menor grau. No Nordeste, a situação é dramática diante da quantidade de água acumulada nos reservatórios. Tomando como exemplo um dos maiores lagos artificiais do mundo, o de Sobradinho, com 828 km² de área e 32.200 km³ de água, seu volume de armazenamento atingiu, em 12/11, o correspondente a 5,4% do total. Com a cota de água atingindo 381,44m, praticamente tem-se o limite para a produção de energia.
Enquanto os cientistas apontam em suas pesquisas a necessidade urgente de diminuir as emissões dos gases de efeito estufa, evitando assim o aumento médio da temperatura do planeta, e todas as suas consequências, os governantes agem como avestruzes diante das evidências. Em Pernambuco não é diferente.
Sabemos que a hidrologia florestal trata das relações entre as florestas, matas e a água, aborda a influência que causam sobre o ciclo hidrológico e também são a principal salvaguarda dos mananciais de água, garantindo as vazões dos rios e, assim, água para as necessidades humanas e animais, além de seus usos na agricultura, na indústria, no fornecimento de energia.
Portanto, é inquestionável sua importância, tanto no âmbito ambiental como social e econômico. Logo, as más utilizações dos recursos ambientais ocasionam sérios problemas na biota, que consequentemente compromete a qualidade de vida, assim como influencia o clima e os ciclos biogeoquímicos em uma dada região.
Todavia em Pernambuco, nos últimos 9 anos, tem sido fato corriqueiro o desmatamento desenfreado dos vários biomas, da caatinga, dos resquícios da Mata Atlântica, da restinga e dos manguezais.
Dados oficiais apontam que no período 2007 a 2015 foram aprovadas 51 leis autorizando a supressão de 5.034 hectares de vegetação nativa em área de proteção permanente (APP) para empreendimentos privados e públicos, de forma totalmente irresponsável do ponto de vista ambiental, sem qualquer discussão mais aprofundada na Assembleia Legislativa, onde o governo tem total maioria.
Mesmo as compensações de plantio, exigidas por lei, muitas vezes são feitas em local distante do dano, definidas em acordos escritos sobre os quais não há fiscalização. Restam, simplesmente, as afirmativas dos gestores públicos, sem nenhuma comprovação.
Achando pouco, o próprio governo do estado suprimiu a exigência legal do Estudo de Impacto Ambiental (e com ele as audiências públicas) para a supressão nas APPs, especialmente para favorecer empreendimentos que alegam ser de interesse público. Com isso, em muitas áreas o risco é grande de atingir as nascentes de riachos que são os afluentes de bacias hidrográficas importantes para o abastecimento de água. Em particular, as áreas de risco são os “brejos de altitude”, encontrados no Agreste e no Sertão pernambucano.
Estas áreas de altitudes elevadas são as mais ambicionadas para os projetos de aproveitamento da energia dos ventos. Em consonância aos interesses dos “negócios das eólicas”, o governo de Pernambuco, sem nenhuma precaução e cuidado, atrai os empreendedores com um conjunto de incentivos e benefícios, como a desobrigação de apresentarem Estudo de Impacto Ambiental e autorização legal para desmatar essas áreas.
Parques eólicos com dezenas e centenas de aerogeradores estão sendo autorizados a se instalarem em Áreas de Preservação Permanente, áreas de mananciais. Esta irresponsabilidade ambiental acarretará a remoção da cobertura vegetal, e assim agravará a crise hídrica no estado. Em torno de 20% do total autorizado para desmatamento, nestes últimos anos, foi para atender a instalação dos parques eólicos. Logo, o discurso do ambientalmente correto, ao considerar a energia eólica uma “fonte limpa”, esconde práticas socioambientais injustas.
Outra situação que merece destaque é o polo de termoelétricas a combustíveis fósseis que já estão instaladas, ou que foram anunciadas. Todas elas concentradas no Complexo Industrial Portuário de Suape (CIPS): a Termope, com 520 megawatts (MW) a gás natural; Suape II, de 380 MW a óleo combustível; Novo Tempo, recém-anunciada a gás natural liquefeito com 1.238 MW; e a termelétrica da Petrobras para servir a Refinaria Abreu e Lima, de 200 MW, a óleo combustível; há ainda a termelétrica a óleo diesel Termomanaus e Pau Ferro I, construídas na Área de Preservação Ambiental Aldeia-Beberibe, com 240 MW (576 motores instalados). Grandes emissores de gases de efeito estufa, tais termoelétricas somam uma potência instalada em torno de 2.600 MW.
Estima-se que se todas estas termoelétricas estiverem funcionado conjuntamente as emissões de CO2 atingirão a soma de 25.000 toneladas/dia, ou 750.000 toneladas/mês, ou ainda aproximadamente 9 milhões toneladas/ano. Uma significativa contribuição às emissões regionais de gases de efeito estufa.
Portanto, entre o discurso e a prática dos governantes pernambucanos vai uma diferença abismal. Enquanto sem nenhuma consequência prática promovem seminários internacionais, discursam sobre as mudanças climáticas e subtraem as reais informações da sociedade, agem sorrateiramente contra o meio ambiente e a vida. Comprometem a qualidade de vida das gerações presente e futuras, que no final das contas são quem pagarão pelos desmandos destes mesmos governantes.
Poluir mais como propõe o governo de Pernambuco não vai resolver as questões de emprego e renda, Só torna a população mais pobre e doente. Chegou a hora de a sociedade pernambucana (re)agir.
Heitor Scalambrini Costa é professor da Universidade Federal de Pernambuco.