Desmatamento, discursos, bravatas e políticas públicas
- Detalhes
- Henrique Cortez
- 03/12/2007
O aumento do desmatamento prova que a realidade
tem o péssimo habito de demolir discursos e bravatas. No final de 2005/início
de 2006 a
ministra Marina Silva comemorava a redução do desmatamento em 30% e destacava
que era resultado da ação conjunta e coordenada de 13 ministérios,
provando a eficácia das “ações estruturantes”, argumento central de todos os
discursos da ministra.
Muitos questionaram a eficiência das ações governamentais, destacando que a
redução era resultado da perda de valor das commodities. Nesta e em outras
ocasiões o MMA sempre demonstrou irritação quando era questionada a redução do
desmatamento a partir da redução do preço da soja e carne.
Ao que tudo indica, a redução da devastação foi resultado de vários fatores
combinados. Vejamos:
a- Aumento da presença do estado. É evidente que, após o assassinato da
missionária Dorothy Stang houve um aumento da atuação governamental, maior
rigor na ação dos fiscais do IBAMA e a contenção da escalada dos conflitos
agrários, há muito associados ao desmatamento ilegal;
b- As ações combinadas do MP, da PF e do IBAMA, nas operações Curupira e Ouro
Verde, foram responsáveis pela prisão de muitos madeireiros ilegais e o desmantelamento
das quadrilhas envolvidas na falsificação ou uso fraudulento das ATPF's;
c- A repetição do ciclo desmatamento-queimadas. Há décadas que o processo de
ocupação da amazônia legal repete um ciclo em especial. Em um ano,
há um intenso desmatamento, para, no ano seguinte, ocorrer uma temporada
especialmente intensa de queimadas. Foi o que aconteceu neste período.
d- Houve uma pausa no avanço da fronteira agrícola. Isto ocorreu em parte em
razão da diminuição do preço das commodities, nas perdas da safra passada pela
estiagem e pela redução de crédito.
e- A adoção do corte seletivo pelos madeireiros ilegais. Usando a lógica do
manejo florestal, madeireiros ilegais, dedicados à exploração de madeiras
nobres, optaram pelo corte seletivo, de forma a não serem localizados pelos
satélites de monitoramento. É um processo caro e trabalhoso, mesmo em terras
públicas, mas compensa na exportação. Com a menor quantidade abatida,
compensada pelo valor agregado pela qualidade, fica mais fácil acobertar com
ATPF's fraudadas. Esta é a razão pela qual é possível encontrar depósitos
madeireiros com mais de 90% de madeiras nobres.
Agora o MMA reconhece e destaca que o aumento do desmatamento foi influenciado
pelo preço das commodities soja e carne e que este fator superou todos os
demais. É um reconhecimento importante, mas tardio.
É um reconhecimento importante porque reconhece, de fato, que o índice de
desmatamento depende muito mais do “humor” da agricultura do que de ações
governamentais pontuais. Também reconhece que o MMA está sozinho nas suas
ações, quando muito apoiado tangencialmente pelo Ministério da Justiça, pela
PF, pelo Ministério Público e pelo Incra.
A ministra Marina Silva sempre afirma de que a expansão da área agrícola para
produção do etanol será nas áreas degradadas já disponíveis. De fato e de
verdade, a ministra apenas repete o mesmo discurso apresentado quando do
aumento da fronteira agrícola em razão da expansão da cultura de soja e da
pecuária.
É fato que, apesar da “disponibilidade” de 200 mil km² abandonados, a fronteira
continua se expandindo sem usar estas áreas degradadas e abandonadas. Por que?
Porque recuperação de uma área degradada é cara e demorada. Diante da
“pressão”, para produzir rapidamente ao menor custo possível, é mais fácil e
barato avançar pelo Cerrado e pela Amazônia, principalmente em terras públicas.
O governo argumenta que a cana não será plantada na Amazônia. O presidente, em
Bruxelas, até ironizou a eventual presença da cana na Amazônia, dizendo "se
a Amazônia fosse importante para plantar cana-de-açúcar, os portugueses que
introduziram a cana-de-açúcar no Brasil, há tantos séculos, já o teriam feito
na Amazônia". Pena que não seja verdade, porque a cana é plantada na
Amazônia e já existem planos para expandir a plantação. Desta vez, pelo menos,
o presidente nem chegou a perder tempo (o dele e o nosso) para dizer que não
sabia...
Confrontado com a realidade, o MMA volta ao discurso da ação conjunta de vários
ministérios, das ações estruturantes, da ação do IBAMA, do aproveitamento das
áreas degradadas. Como os problemas se eternizam, o discurso também.
Em todo caso, vamos supor que, desta vez, não seja um mero discurso
anestesiante. Neste caso, o governo ainda deve algumas respostas, tais como:
* Quais os detalhes do programa de recuperação de nascentes, quais as
instituições envolvidas e qual o total de recursos financeiros alocados?
* Quais os detalhes do programa de recuperação de áreas de preservação
permanente, quais as instituições envolvidas e qual o total de recursos
financeiros alocados?
* Qual o programa de incentivo à recuperação e aproveitamento de áreas
degradadas; quais as instituições envolvidas e qual o total de recursos
financeiros alocados?
* Qual será o incentivo oferecido aos produtores rurais que respeitarem as
reservas legais e as APPs?
* Qual será o incentivo oferecido aos produtores rurais para que recuperem as
reservas legais e as APPs?
* Qual o investimento na estruturação da capacidade de fiscalização do IBAMA e
do ICM? Qual o total de recursos previstos em orçamento e qual o percentual
contingenciado?
* Qual o valor total de multas aplicadas e qual o valor realmente arrecadado?
* Quais foram as “ações estruturantes” integradas com demais ministérios? Quais
foram os recursos alocados e quais os resultados obtidos?
As questões seriam muitas, mas esta já é uma amostra inicial do que indicaria
se as transversalidades, tão defendidas pela ministra Marina Silva, fazem parte
da agenda de desenvolvimento do governo Lula. Também será útil para saber se o
zoneamento ambiental da cana-de-açúcar vai proibir o cultivo da cana-de-açúcar
na Amazônia e no Pantanal ou se também será letra morta.
O grande desafio, agora, será tornar a redução do desmatamento e a
recuperação/aproveitamento de áreas degradadas como parte de um processo
permanente, como uma real política de estado. Sem medidas preventivas reais e
efetivas, sem mecanismos de incentivo e controle social, continuaremos no plano
do mero discurso. Como sempre.
Henrique Cortez é ambientalista, coordenador do portal e do blog EcoDebate.
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