Furacão Irma e mudanças climáticas: não podemos continuar fingindo
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- Michael E. Mann, Susan J. Hassol e Thomas C. Peterson
- 09/10/2017
Quando começamos passar a limpo o furacão Harvey, o furacão mais úmido já registrado, despejando até 50 polegadas de chuva em Houston em três dias e aguardando a chegada de Irma, o furacão mais poderoso já registrado no Oceano Atlântico, as pessoas perguntavam: qual é o papel das mudanças climáticas induzidas pelo homem nesses eventos, e de que outra forma nossas próprias ações aumentaram nossos riscos?
Os princípios físicos fundamentais e as tendências meteorológicas observadas demonstram que já conhecemos algumas das respostas - e já há bastante tempo.
Os furacões obtêm sua energia a partir de águas oceânicas quentes, e os oceanos estão se aquecendo devido ao acúmulo causado pelas emissões humanas de gases de efeito estufa na atmosfera, principalmente pela queima de carvão, petróleo e gás. Os furacões mais fortes ficaram mais fortes por causa do aquecimento global. Nos últimos dois anos, testemunhamos os furacões mais intensos registrados em todo o globo, em ambos os hemisférios, no Pacífico e agora, com o Irma, no Atlântico.
Nós também sabemos que o ar mais quente contém mais umidade e a quantidade de vapor d'água na atmosfera aumentou devido ao aquecimento global induzido pelo ser humano. Nós medimos esse aumento, e ele foi atribuído inequivocamente ao aquecimento. Essa umidade extra causa chuvas mais pesadas, o que também foi observado e atribuído à nossa influência no clima. Sabemos que as taxas de precipitação nos furacões devem aumentar em um mundo mais quente, e agora estamos vivendo tal realidade.
E o aquecimento global também significa níveis mais altos do mar, tanto porque a água do oceano se expande ao aquecer quanto porque o gelo nas montanhas e nos polos derrete e vai em direção aos oceanos. A elevação do nível do mar está se acelerando, e as ondas de tempestade dos furacões se somam às mares mais altas, para penetrarem ainda mais em nossas cidades costeiras.
A chuva mais pesada e os níveis do mar mais elevados podem se combinar para agravar as inundações por grandes furacões, como inundações que deveriam ser drenadas para o mar, mas não conseguem fazê-lo tão rapidamente por causa das marés de tempestade. Infelizmente vimos esse efeito em jogo nas inundações catastróficas do Harvey.
Ainda não temos todas as respostas. Existem ligações científicas que ainda estamos tentando resolver. O Harvey - assim como o furacão Irene, em 2011 - resultou em inundações recordes, devido a uma combinação de fatores. As temperaturas do oceano muito quentes implicaram em mais umidade na atmosfera para produzir fortes chuvas, sim.
Mas ambas as tempestades também se moviam muito lentamente, quase estacionárias às vezes, o que significa que a chuva caiu sobre as mesmas áreas por um longo tempo.
A ciência climática de ponta sugere que tais padrões climáticos podem resultar de uma corrente de jato mais lento, ele mesmo uma consequência - pelos princípios da ciência atmosférica - do aquecimento acelerado do Ártico. Este é um lembrete de como as mudanças climáticas em regiões distantes, como o Polo Norte, podem ter efeitos muito reais sobre o clima extremo enfrentado aqui, abaixo do paralelo 48.
Essas associações são preliminares, e os cientistas ainda as estudam ativamente. Mas elas são um lembrete de que as surpresas podem estar acontecendo - e não são boas - quando se trata dos efeitos do desdobramento das mudanças climáticas.
O que nos leva, inevitavelmente, a uma discussão de políticas públicas - e, de fato, de política. As administrações anteriores se concentraram na adaptação às mudanças climáticas, com o objetivo de como o planeta seria no futuro. Mas eventos como Harvey, e provavelmente Irma, mostram que nem nos adaptamos ao nosso clima atual (que já mudou devido à nossa influência).
Os efeitos das mudanças climáticas não são mais sutis. Estamos vendo-os acontecer diante de nós aqui e agora. E eles só vão piorar se não agirmos.
Michael Mann
A administração Trump, no entanto, parece determinada a nos levar para trás. Nos últimos meses, testemunhamos o desmantelamento das políticas implementadas pela administração Obama para:
a) incentivar o movimento necessário de abandono dos combustíveis fósseis que produzem mudanças climáticas em direção à energia limpa;
b) aumentar a resiliência aos efeitos da mudança climática através de regulamentos sobre o zoneamento costeiro;
c) continuar a financiar a pesquisa climática básica que pode informar nossas avaliações de riscos e estratégias adaptativas.
Ironicamente, apenas 10 dias antes da ocorrência do Harvey, o presidente Trump rescindiu normas de proteção de inundação postas em prática pela administração Obama que levavam em conta o aumento do nível do mar e outros efeitos das alterações climáticas nos planos de ordenamento costeiro.
Susan Hassol
E como Trump está acabando com as políticas que reduzem os riscos de catástrofes climáticas, nossa nação continua a apoiar políticas que realmente aumentam nossos riscos.
Por exemplo, sem o Programa Nacional de Seguro de Inundação subsidiado pelos contribuintes, os bancos teriam menos probabilidades de fornecer hipotecas para reconstruir casas em locais que foram inundados antes, às vezes repetidamente. E o programa de seguro contra inundações praticamente foi por água abaixo: muito endividado, expirará no final deste mês, a menos que o Congresso encontre uma maneira de mantê-lo de pé, justamente quando bilhões de dólares estão sendo demandados devido aos estragos causados por Harvey.
Thomas Peterson
Harvey e Irma são lembretes tristes de que as políticas públicas importam. Em um momento em que os danos das mudanças climáticas estão aumentando, precisamos de políticas sensatas em Washington para proteger os cidadãos deste país, tanto pela redução das alterações climáticas futuras como pela preparação das suas consequências. Devemos exigir mais de nossos líderes.
Michael E. Mann é professor de ciências atmosféricas e diretor do Earth System Science Center na Penn State University.
Susan J. Hassol é diretora da Climate Communication LLC.
Thomas C. Peterson é presidente da Comissão de Climatologia da Organização Meteorológica Mundial. Anteriormente era coordenador de pesquisa do Centro Nacional de Dados Climáticos da NOAA e dos Centros Nacionais de Informação Ambiental.
Traduzido por Adriano Facioli e publicado originalmente no Washington Post.